OCDE: Reformas laborais do Governo PSD/CDS “foram um movimento na direção certa”
O ECO teve acesso à primeira versão do relatório onde a OCDE elogia as reformas laborais do Governo anterior. Cerca de três semanas depois, esta quinta-feira acontece a apresentação da versão oficial.
Vieira da Silva já o leu, o ECO também e a OCDE vai apresentá-lo esta quinta-feira. No final de dezembro, no ECO Talks, o ministro do Trabalho adiantou que “quando o estudo estiver concluído e entregue ao Governo, na versão divulgável pela OCDE, será apresentado publicamente”. É isso que acontece hoje. Pode, antes, recordar o trabalho do ECO sobre as principais conclusões do estudo, que serviu de arma de arremesso do PSD no Parlamento. Porquê? A OCDE elogia a estratégia seguida pelo anterior Governo e se há crítica que faz é que deveria ter ido mais longe. Mas no mesmo sentido, leia-se, com mais flexibilidade laboral.
A notícia foi dada pelo Observador este mês — o jornal garantiu que o documento foi entregue ao Governo socialista há pelo menos seis meses — e teve direito a um esclarecimento do Ministério do Trabalho e Segurança Social, as mesmas razões que Vieira da Silva replicou no ECO Talks: “Eu pessoalmente não o li. O Governo anterior terá solicitado um trabalho à OCDE sobre o impacto das alterações laborais no outono de 2015. Esse trabalho tem vindo a ser desenvolvido”.
Vieira da Silva ressalvou que o documento ainda não é público por não existir uma versão autorizada da OCDE, apelidando de “estranho” a “dimensão política” que a questão ganhou. Mas o comunicado garante que “o MTSSS [Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social] e a OCDE assumiram o compromisso de divulgar e discutir publicamente o estudo no início do próximo ano [de 2017]”.
"Quando o estudo estiver concluído e entregue ao Governo, na versão divulgável pela OCDE, será apresentado publicamente.”
“Não espero grandes surpresas”, afirmou o ministro socialista na semana passada, mas o documento tem um presente envenenado: elogia as reformas laborais feitas pelo centrista Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade, Trabalho e Segurança Social entre 2011 e 2015. Contudo, é de notar que a pasta do trabalho esteve, inicialmente, entregue ao ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, atual Diretor de Estudos dos Países Europeus do Departamento de Economia da OCDE, até à sua saída em 2013. De qualquer forma, o ex-ministro não coordenou nem participou neste relatório, que está na alçada de outro departamento da organização com sede em Paris.
Os centristas fizeram um requerimento para que o documento seja entregue na Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social e Luís Montenegro, deputado do PSD, criticou o primeiro-ministro no último debate quinzenal: “Ficámos a saber que o Governo tem na gaveta, há cerca de meio ano, o relatório da OCDE sobre o impacto de medidas tomadas no mercado laboral”, disse, acusando o Governo de ter dificuldade “em sujeitar-se ao escrutínio da sua atividade” e garantindo que este relatório aponta para bons resultados das medidas do anterior Executivo.
"Ficámos a saber que o Governo tem na gaveta, há cerca de meio ano, o relatório da OCDE sobre o impacto de medidas tomadas no mercado laboral.”
É de facto essa a mensagem de parte do relatório “Reformas no mercado laboral em Portugal 2011-2015” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico: “As reformas no mercado laboral português foram um movimento na direção certa. Desde que o crescimento [económico] se tornou positivo outra vez no início de 2013, Portugal tem registado melhorias significativas tanto no emprego como na taxa de desemprego – melhor, de facto, do que se poderia ter esperado dado o ritmo da recuperação [económica]”, escreve a OCDE.
Mas nem tudo foi bom: “Contudo, apesar do progresso feito, muitos desafios continuam e há o sentimento de que algumas das reformas podem não ter ido longe o suficiente”. Porquê? O elevado desemprego jovem, aumento da pobreza e do desemprego de longa-duração são alguns dos problemas identificados.
O que é elogiado?
Os elogios são vários, mas têm uma base indispensável: “Portugal foi atingido de forma bruta pela crise financeira mundial e sofreu uma perda de trabalho sem precedentes“, começa por dizer o relatório da OCDE. Os números retratam os efeitos da crise: o emprego diminuiu 14% de 2008 a 2013 (um em cada sete perdeu o posto de trabalho) e a taxa de desemprego chegou a um pico de 17,3% no primeiro trimestre de 2013, comparando com 8,6% no início de 2008, mais do dobro da taxa da OCDE nessa data.
No entanto, a OCDE nota que os problemas foram agravados, uma vez que já existiam: “A recessão expôs as fraquezas e os desequilíbrios existentes”. “A taxa de desemprego de Portugal tinha estado a aumentar mesmo antes da crise (de 5% em 2000), o mercado laboral estava muito segmentado e a taxa de desemprego de longa-duração era das maiores observadas na OCDE”, destaca o relatório, reforçando a ideia de que o mercado laboral era muito rígido o que dificultava os ajustamentos das empresas.
Em causa está a rigidez dos salários, por causa da contratação coletiva e restrições legais para cortar o salário nominal. Ou seja, com pouca inflação (que retirariam ‘peso’ aos salários) e sem capacidade para ajustar os salários, levou os empresários a optarem pelos despedimentos.
Foram estes os problemas que as reformas implementadas no período 2011-2015 “procuraram resolver”, com as seguintes medidas:
- “Portugal reduziu de forma significativa a indemnização e suavizou a definição de despedimento por justa causa“. Esta reforma foi “uma das mais importantes” no que toca à legislação de proteção do emprego. O efeito foi uma maior procura de emprego e número de contratações. “Apesar disto, os trabalhadores permanentes em Portugal continuam a beneficiar do maior nível de proteção contra o despedimento individual na OCDE”, aponta a organização, referindo que continua a existir uma dualidade no mercado laboral entre os contratos temporários e os sem termo;
- “Portugal alargou a rede de proteção fornecida pelos benefícios aos desempregados“. A duração máxima dos subsídios foi reduzida para tentar diminuir o desemprego de longa-duração. A OCDE considera que esta medida recentrou Portugal nas práticas dos países da OCDE, apesar de a cobertura da rede continuar “relativamente baixa” e a duração máxima do benefício “elevada”;
- “Os critérios de elegibilidade para os benefícios dos desempregados tinham sido sempre apertados no papel, mas as medidas recentes apertaram a forma como esses critérios são implementados na prática“. A OCDE elogia essa exigência maior e garante existir evidências de que a medida aumentou as saídas do desemprego. Além disso, a organização elogia os programas para tirar os cidadãos do desemprego;
- “As reformas ao sistema da contratação coletiva com o objetivo de promover um alinhamento mais próximo entre os salários e a produtividade“. Neste campo, a OCDE destaca os limites às extensões dos contratos coletivos, com “a introdução da possibilidade dos patrões de suspender temporariamente um acordo coletivo em tempos de crise”. Há uma crítica geral da OCDE: “A confiança entre os parceiros sociais em Portugal é fraca”;
- “O Governo português também tentou atingir moderação salarial ao congelar o salário mínimo nacional entre 2011 e 2014 (…) Baixo em termos absolutos, o salário mínimo de Portugal é bem alto comparado com outros países da OCDE quando expressos como uma proporção dos salários médios”. Além disso, a OCDE elenca a redução da compensação pelas horas extraordinárias e os cortes salariais no setor público. E deixa um alerta: “Há preocupação sobre um possível impacto negativo de futuros aumentos do salário mínimo no emprego de trabalhadores com baixos salários”;
- “Finalmente, as empresas tiveram uma flexibilidade adicional a meio de 2012 para responder às mudanças da procura ajustando o horário de trabalho em vez do emprego“. A OCDE elogia esta medida uma vez que, ao contrário dos outros países, o ajustamento da crise em Portugal aconteceu primeiro com a destruição de postos de trabalho. Contudo, o relatório diz que o uso dessa flexibilidade deverá continuar baixa enquanto houver uma grande percentagem de trabalho temporário. A organização refere-se à criação do banco de horas individual, uma medida criticada por Vieira da Silva no ECO Talks, apesar de não se ter comprometido em eliminá-la.
“Apesar do longo e tortuoso caminho, muito tem sido alcançado em Portugal durante este período. (…) Embora sejam sem dúvida necessárias reformas adicionais, é importante também fazer um balanço do que foi atingido até este momento”, lê-se no relatório da OCDE. A organização chega até a referir a implementação de certas medidas que foram “posteriormente revogadas pelo Tribunal Constitucional”.
A maior vitória do Governo anterior, no julgamento da OCDE, foi a mudança realizada na legislação de proteção laboral. A organização explica que Portugal tinha uma proteção elevada para os trabalhadores permanentes quanto ao despedimento individual, às altas indemnizações e à “forte probabilidade de reintrodução em casos de despedimento”. Além disso, existia uma “grande brecha na regulação” entre os contratos permanentes e os temporários. Relativamente às alterações nas razões para despedimento, a OCDE escreve que o sucesso foi “misto” uma vez que “importantes aspetos dessas reformas foram declaradas inconstitucionais”.
“As reformas portuguesas na legislação de proteção laboral estão entre as mais significativas daquelas que foram implementadas pelos países a OCDE num passado recente”, escreve a OCDE. Ainda assim, a organização nota que os trabalhadores permanentes, em Portugal, têm “o maior nível de proteção contra o despedimento individual da OCDE”. E o intervalo entre os contratos permanentes e os temporários continua presente, “o que contribui para a segmentação do mercado de trabalho”.
Mudanças? Sim, a OCDE aponta várias comparando com o que foi feito em Espanha e Itália. Mas também assinala uma dificuldade maior: “É provável que para isso [as mudanças sugeridas] seja necessária uma mudança na Constituição e pode ser difícil alcançar na prática“, afirma o relatório da OCDE, citando o artigo número 53 da Constituição Portuguesa: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Editado por António Costa (antonio.costa@eco.pt)
(Atualizado no dia 19 de janeiro de 2017 a propósito da apresentação oficial do relatório)
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