O que mudou desde a última avaliação da S&P?
Economia e défice superaram estimativas do próprio Governo e deverão merecer nota positiva da S&P na revisão de hoje. Mas há riscos na dívida e sobretudo no setor financeiro por resolver. O que mudou?
Sem grandes novidades, mas aquilo que a Standard & Poor’s terá a dizer sobre Portugal assume especial relevância para o país. Não só porque desde a última revisão, em setembro do ano passado, muita coisa mudou. Mas também porque dentro de semanas será a vez da canadiana DBRS a revisitar o rating da República portuguesa. Que avaliação fará a S&P sobre o atual estado da Nação?
Para o Commerzbank e Banco Carregosa, tanto a notação BB+ como as perspetivas estáveis deverão ser reafirmadas mais logo pela agência norte-americana. Mas o facto de, dentro de cinco semanas, a agência canadiana DBRS voltar a atualizar o perfil de crédito do país confere maior importância sobre o que a S&P terá hoje a dizer sobre Portugal, sublinha David Schnautz, do Commerzbank.
“O risco de a S&P baixar o seu outlook deverá reacender os receios dos investidores acerca do resultado da revisão crucial da DBRS no dia 21 de abril, sobre a qual a elegibilidade para o programa de compras de dívida pública do Banco Central Europeu (BCE) ainda depende de uma perspetiva de rating“, contextualiza o analista daquele banco.
Economia cresce 1,2% e défice nos 2,8%?
No plano macroeconómico, Portugal deverá passar com nota positiva no teste da S&P. Em setembro de 2016, as previsões da agência apontavam para um crescimento económico de cerca de 1,2% e um défice orçamental nos 2,8% do PIB. Só que o desempenho português na reta final do ano saiu melhor do que a encomenda.
Em relação à economia, Portugal apresentou um ritmo de expansão ligeiramente mais elevado do que o previsto. No conjunto do ano, a riqueza produzida em Portugal cresceu 1,4%, uma evolução que, tendo superado as estimativas dos analistas, não deixa de representar um abrandamento face ao crescimento de 1,6% observado em 2015.
A S&P acreditava em setembro que a desaceleração do crescimento económico seria resultado sobretudo do “abrandamento no desempenho das exportações e investimento”. O que se passou desde então? Em relação ao Investimento, o conjunto de 2016 registou um comportamento claramente negativo, quando comparado com 2015. Se a análise for feita trimestre a trimestre, verifica-se que a segunda metade do ano evidencia uma recuperação. Quanto às exportações, as vendas de bens e serviços travaram no ano passado, apesar da aceleração no quarto trimestre.
Mas é em relação ao défice que a luz se torna mais verde para o Governo. “Deverá apresentar um défice de cerca de 2,8% do PIB em 2016, abaixo dos 3,2% do PIB em 2015″, dizia a S&P. “As nossas atuais previsões para o défice orçamental não incluem quaisquer custos adicionais provenientes da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos”, acrescentava.
Os números relativos a 2016 ainda não estão fechados. Só na próxima sexta-feira é que o Instituto Nacional de Estatísticas apresenta a primeira estimativa para um número particularmente importante para Portugal, na medida em que permite ao país sair do Procedimento de Défices Excessivos. Mas tanto o primeiro-ministro António Costa como o ministro das Finanças Mário Centeno têm sugerido que o saldo entre receitas e despesas públicas ficará à volta de -2,1% do PIB, um desempenho para o qual ajudaram medidas como o Programa Especial de Regularização do Endividamento ao Estado (PERES), por exemplo.
Se a S&P falava em setembro de “compromisso do Governo evitar qualquer desvio orçamental significativo”, encontra aqui boas razões para ver que esse compromisso se manteve.
"O resultado melhor do que o esperado em relação ao défice deverá ser ofuscado pela 1) continuação da limpeza no setor bancário (a venda do Novo Banco e em particular a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, 2) evidência palpável de que o BCE está restringido pelos limites de compras no âmbito do quantitative easing, que deverá manter a tendência de subida das taxas de juro apesar dos níveis já elevados.”
Ainda assim, para David Schnautz, aquilo que a mão da economia dá, a mão financeira tira “O resultado melhor do que o esperado em relação ao défice deverá ser ofuscado pela 1) continuação da limpeza no setor bancário (a venda do Novo Banco e em particular a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, 2) evidência palpável de que o BCE está restringido pelos limites de compras no âmbito do quantitative easing, que deverá manter a tendência de subida das taxas de juro apesar dos níveis já elevados”, destaca o estratego do Commerzbank.
Dívida pública preocupa, mas a privada também
Foi um dos pontos de maior preocupação da S&P na última revisão. Tanto a dívida pública como a privada encontram-se em níveis bastante elevados, representam amarras ao crescimento da economia e, consequentemente, restringem melhorias à melhoria do perfil de crédito da República portuguesa.
“Os ratings continuam constrangidos pelo muito elevado endividamento público e privado“, sublinharam os especialistas da agência. “O excesso de dívida do setor privado é, a nosso ver, um impedimento fundamental para uma recuperação mais dinâmica, uma vez que recursos que de outra forma seriam gastos com consumo ou investimento estão sendo usados para melhorar os balanços das famílias e das empresas”, frisavam
Em 2016, a dívida dívida pública caiu 0,8 pontos percentuais, de 121,6% no final de 2015 para 120,8% do PIB em dezembro de 2016. Já o endividamento de empresas privadas (não financeiras) e das famílias chegou ao final do ano passado atingindo 220,6% do PIB, uma descida mais acentuada face aos 229,1% do PIB no final de 2015.
Dívida pública desce
A S&P também notou a melhoria do perfil da dívida pública de Portugal, que apresentava uma maturidade média do stock de dívida pública no final de 2015 nos 8,7 anos. No final de 2016, de acordo com o IGCP, a maturidade média da dívida estava nos 8,4 anos.
Um ponto negativo que não deverá escapar à análise da S&P tem a ver com as condições de financiamento, que se agravaram de forma considerável desde o início do ano — as emissões de dívida de longo prazo resultaram num aumento expressivo dos encargos com nova dívida face aos últimos leilões. De resto, em mercado secundário, se em setembro a taxa de juro das obrigações a 10 anos estava nos 3,4%, atualmente encontram-se perto de 4,3%.
Banca reforçou-se
Também as fragilidades do setor financeiro, incluindo o elevado nível de malparado, são encaradas com preocupação pelas agências. Um cenário que se agravava ainda mais com excesso de endividamento do setor privado.
Dizia a S&P: “Um aumento do financiamento de capital próprio (especialmente de fontes externas e, em particular, do setor bancário), que é uma das prioridades da política económica do governo, seria positivo e facilitaria a desalavancagem na economia”. O que mudou desde setembro na banca portuguesa? Muita coisa e isso deverá merecer destaque da parte da agência.
- O BCP terminou o seu aumento de capital de 1.300 milhões de euros em fevereiro, numa operação que permitiu aos chineses da Fosun assumirem-se como principal acionista do banco. Com isto reforçou o seu rácio de capital. Entretanto, já no início de março, Nuno Amado apresentou resultados de 2016 com um nível de imparidades de 6.000 milhões de euros.
- Também em fevereiro, o BPI viu finalmente o espanhol CaixaBank concluir a sua Oferta Pública de Aquisição (OPA), passando a controlar quase na totalidade do banco português.
- O processo de venda do Novo Banco está na reta final. Ao que tudo indica, o Lone Star deverá ficar com o banco de transição, mas em regime de partilha: o fundo norte-americano assume a maioria do capital, mas o Estado português mantém-se na estrutura.
- A Caixa Geral de Depósitos (e o Governo) receberam aprovação formal da Comissão em relação ao plano de recapitalização no valor de 4,9 mil milhões de euros. No mesmo dia que tinham luz verde de Bruxelas, a administração liderada por Paulo Macedo apresentou prejuízos de mais de 1.800 milhões de euros, reconhecendo perdas de 3.000 milhões em imparidades.
Contas feitas, as imparidades custaram à banca portuguesa 5.000 milhões de euros num ano. Tudo para limpar os balanços com crédito de cobrança muito duvidosa, o chamado malparado. Mas como sublinhou ainda esta quinta-feira a Fitch, o nível de empréstimos em risco de incumprimento continua a ser elevado e a representar uma ameaça ao setor financeiro.
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