CGD: 55 horas de comissão em cinco momentos
A recapitalização da CGD já está na reta final. Mas a comissão para se perceber o que levou o banco a precisar desta ajuda nem por isso. Fique a conhecer cinco momentos das 55 horas de audições.
A comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) já vai em quase 55 horas distribuídas por 18 audições. Foram ouvidos ministros, antigos e atuais, e ex-presidentes do banco estatal. Mas também ex-vice-presidentes, ex-administradores e o governador do Banco de Portugal. Isto numa comissão que foi criada para se perceber o que levou o banco a precisar de uma recapitalização de cinco mil milhões. Mas este processo de recuperação já está na reta final e as conclusões da comissão são… poucas.
O banco estatal fechou o ano passado com imparidades de mais de três mil milhões de euros. Perdas que são sobretudo compostas por créditos em incumprimento. E que têm pesado nos resultados — a CGD apresentou em 2016 os piores resultados de sempre. Foram estas perdas reconhecidas no ano passado, mas acumuladas nos últimos anos, e a necessidades de um plano de recapitalização que levaram à criação de uma comissão parlamentar de inquérito para se perceber o que é que aconteceu para a CGD chegar a este ponto.
O processo de recapitalização já está na reta final. E as conclusões da comissão? Nem por isso. São (ainda) poucas. Ao ponto de Matos Correia — o presidente da comissão que acabou por ser substituído por Emídio Guerreiro — ter abandonado as funções por duvidar que se estivesse a “apurar a verdade”. Tudo numa comissão que já sofreu vários revés: agora foi suspensa até dia 4 de maio. Até lá, saiba quais são os cinco principais momentos nestas 55 horas de audições.
Cinco momentos da comissão à gestão da CGD
Mário Centeno e o “desvio enormíssimo”
A palavra “desvio” marcou o início das audições. Isto depois de o ministro das Finanças ter dito que o Executivo de Passos Coelho era responsável por “um desvio no plano de negócios da CGD superior a três mil milhões de euros”. A oposição não perdoou e acusou Centeno de criar mais instabilidade: a palavra “desvio” podia ser entendida como um “buraco” no banco público.
O ministro aproveitou, assim, para se explicar quando foi à CPI da Caixa. Mário Centeno esclareceu que o valor avançado de três mil milhões de euros não era um “buraco”, mas sim a diferença entre uma estimativa e o resultado do exercício.
José de Matos, ex-presidente da CGD, também disse que a palavra “desvio” devia ser entendida, única e exclusivamente, como a diferença para os novos rácios de capital. Segundo o antigo presidente da Caixa, “através da implementação do programa de reestruturação a CGD conseguiu mitigar parte relevante dos desvios de capitais”.
A “pressão” de José Sócrates
O antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha revelou no Parlamento que, desde que assumiu funções no Governo Sócrates, o primeiro-ministro o pressionou para demitir a administração da CGD. Mas estas declarações foram depois contrariadas por uma série de personalidades.
Uma das pessoas que veio em defesa de Sócrates foi Teixeira dos Santos, o antecessor de Campos e Cunha. O antigo ministro referiu que nunca se sentiu pressionado pelo primeiro-ministro, José Sócrates, a fazer qualquer mudança ou nomear um determinado administrador para o banco estatal. Armando Vara, ex-administrador da CGD, chegou mesmo a acusar Campos e Cunha de ter mentido à comissão.
Até o próprio visado, José Sócrates, veio defender-se. “Há anos que o Dr. Campos e Cunha aproveita os quatro meses da sua passagem pelo Governo para atacar os seus antigos colegas. Considero tal comportamento desprezível e sempre o ignorei por não querer quebrar a regra que sigo de não comentar a vida interna do Governo a que presidi”, acusou Sócrates.
Aumento de capital “insuficiente”
A Caixa anunciou em dezembro de 2012 um aumento de capital de 1.650 milhões de euros. Mas António Nogueira Leite disse que não foi suficiente, o que levou à sua saída por considerar que não tinha os instrumentos necessários para fazer um “trabalho extraordinariamente difícil”. Em resposta aos deputados da comissão de inquérito sobre a CGD, disse que a indicação que teve do Governo foi: “aguentem o barco”. Este seria o plano estratégico para o banco do Estado.
Mas, mais uma vez, houve quem viesse contrariar esta acusação. Foi o caso de Álvaro Nascimento. O ex-chairman da Caixa disse que este reforço foi “adequado”, permitindo que o banco cumprisse os alvos com que se comprometeu. Compromissos que incluíram o aumento do crédito cedido às pequenas e médias empresas e permitir que a Caixa se tornasse num bastião no sistema financeiro.
Já Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças garantiu que a recapitalização levada a cabo pelo Governo PSD/CDS não foi pelos mínimos. “Não concordo!”, afirmou Vítor Gaspar numa resposta por escrito quando questionado se concorda com a afirmação que a CGD foi “recapitalizada pelos mínimos”, salientando que “o montante de reforço de fundos próprios foi determinado, como para os outros bancos, com base na análise e pareceres do Banco de Portugal”.
A correspondência de António Domingues
António Domingues saiu da CGD por não concordar com a obrigação de entregar a declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Entretanto, o banco ganhou uma nova liderança, encabeçada por Paulo Macedo. Mas os deputados da comissão queriam ver a correspondência trocada entre Domingues e o ministro das Finanças para perceber se houve, ou não, um compromisso para que a administração do banco público não entregasse a declaração de rendimentos e património ao tribunal.
E estas cartas, que foram reveladas pelo ECO, acabaram por chegar à comissão sobre a recapitalização da CGD. O CDS é o primeiro partido a acusar Mário Centeno de ter mentido à CPI. Logo a seguir o ministro das Finanças acusa o partido centrista de “vil tentativa de assassinato do seu caráter”. E depois foi a vez de o Presidente da República vir em defesa de Centeno, o que não dissuadiu o CDS e o PSD de pedirem as mensagens trocadas entre Centeno e Domingues.
A comissão dos “SMS”
Foram as mensagens trocadas entre Domingues e Centeno que levaram à criação de uma nova comissão, que tomou posse a 14 de março. Se, na primeira comissão, queria-se (e continua a querer-se) apurar o que levou à recapitalização da CGD, agora o âmbito é outro: a contratação da administração liderado por António Domingues foi feita com o compromisso de sigilo quanto à declaração do património do ex-presidente e da sua equipa.
José Pedro Aguiar-Branco, o deputado do PSD que vai agora presidir os trabalhos, já deixou uma promessa: a nova comissão não vai ser a “comissão dos SMS”. Questionado pela Lusa se esta iniciativa parlamentar não poderá ficar demasiado centrada na troca de comunicações, inclusivamente mensagens telefónicas (SMS), entre Mário Centeno e o anterior presidente da Caixa, António Domingues, o futuro presidente da comissão garantiu que não.
Mas pode não ser bem assim. O Expresso avançou que Aguiar-Branco defende o acesso aos SMS, apesar de ainda não o ter assumido publicamente. Isto depois de o constitucionalista Jorge Miranda ter defendido que os deputados da nova comissão de inquérito têm direito a conhecer as comunicações do antigo presidente da CGD com o ministro das Finanças, mantidas no exercício de funções públicas. Uma polémica que vai continuar a marcar a nova comissão da CGD, apesar de a primeira comissão ainda estar a decorrer.
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