Economia cresce. Mas há “ilusão de riqueza”
Daniel Bessa diz que os ventos estão de feição para a economia portuguesa, mas Marques Mendes diz que o crescimento tem que ser sustentável e alerta para a ilusão de riqueza.
Economia e política foram temas em debate no primeiro painel que abriu a conferência da PwC subordinada ao tema ” Sociedade e Desenvolvimento Económico”. Com um painel de luxo composto por Daniel Bessa, António Lobo Xavier, Rui Rio e Luís Marques Mendes a conversa passou pela banca, pelas agências de rating e pelas ligações perigosas entre o mundo empresarial e a política. Todos reconhecem que os “ventos sopram de feição” à economia portuguesa, mas alertam para os riscos que existem. E são muitos, sobretudo externos.
Os oradores em discurso direto.
“Ventos a favor” na economia, mas há riscos
Para Daniel Bessa, economista e ex-ministro da Economia, “os ventos sopram de favor” a Portugal. O ex-ministro da Economia refere que “há uma mudança considerável e foram as exportações que salvaram Portugal e são elas que continuam a puxar pelo crescimento, desse ponto de vista as coisas estão a correr muito bem”.
Um crescimento que é transversal a todos os setores da economia. “É transversal. Toca todos os setores de economia e tem também a ver com sistemas de incentivos”. Mas Bessa relembra que “há oportunidades que vêm de fora e que têm a ver com a questão do risco [o terrorismo que tem assolado outros países]. Aliás o sucesso do turismo tem muito a ver com isso”.
“Os incentivos mudaram e a oportunidade surgiu“, refere Daniel Bessa.
Marques Mendes concorda com os ventos de feição referidos por Daniel Bessa, mas é mais cauteloso. “A situação que vivemos hoje é boa, mas se não houver cuidado pode ser perigoso“, refere o comentador. E passa a explicar: “há uma certa ilusão de riqueza, as coisas tem corrido bem, estamos a registar crescimentos, o turismo está num momento altíssimo e isso gera uma ilusão de riqueza. Parece que passamos de pobres a ricos”.
O risco, no entender de Marques Mendes, está no fato de “o PIB estar a crescer, mas ainda longe do máximo que tivemos em 2008. O que temos é que transformar este crescimento em duradouro e sustentável. É preciso transformar o pico em planalto”.
Mas os receios de Marques Mendes não se ficam por aqui. “Outro efeito perigoso são as sequelas do crescimento. Já há vários setores que pressionam para ver se o Estado abre os ‘cordões à bolsa’ e habituaram-se a viver à mesa do orçamento. Isto é um teste”.
Rui Rio, ex-presidente da Câmara do Porto, prefere olhar para os problemas estruturais da economia portuguesa e diz que há necessidade de definir três objetivos. “A redução da dívida pública, a redução da dívida externa e o crescimento económico por via das exportações e do investimento”.
"A redução da dívida pública, a redução da dívida externa e o crescimento económico por via das exportações e do investimento””
Rio diz mesmo que “também queremos que o consumo interno cresça, mas alavancado nas exportações porque de outra forma corremos o risco de voltar ao passado”.
Mas será este crescimento sustentável?
Rio diz que “não comunga do otimismo. A situação que temos permite-nos aliviar da carga que vivemos no passado recente, mas os problemas continuam”.
Já Daniel Bessa é mais otimista. “O crescimento é sustentável porque essa gente [empresas] trata da sua vida e deixou de estar à espera do OE”, refere.
Para Daniel Bessa as empresas olham para os mercados “e, portanto, não há razão para retrocesso. O turismo vive uma onda muito favorável isso tem a ver com a fuga das pessoas de certos destinos, devido à segurança. E o regresso em quase todos os setores de grandes clientes é muito positivo” para a economia nacional.
"O crescimento é sustentável porque essa gente [empresas] trata da sua vida e deixou de estar à espera do OE””
Mas deixa um alerta: “obviamente que há riscos”.
Depois da saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos, o tema da revisão do rating da República por parte das agências de notação financeira passou a ser uma constante.
Lobo Xavier percebe a necessidade dessa revisão, mas sublinha: “as agências de rating, infelizmente, não vão mudar o rating da República enquanto a dívida pública tiver esta dimensão [de 130% do PIB]. E esse é um dos problemas maiores para as empresas portuguesas internacionalizadas”.
O setor financeiro continua a ser um problema?
Depois de anos de crise, a banca está estabilizada, nas palavras do Banco de Portugal. Mas ainda é um problema para a economia? “Não diria que é um problema definitivamente resolvido, mas ninguém pode deixar de reconhecer que a situação está muito melhor”, disse Marques Mendes. Ainda assim o comentador diz que há ainda muito por fazer, “até porque há o problema do malparado. Este é ainda um problema sério”. Mas deixa o elogio ao Executivo de António Costa. “Não é motivo para as pessoas se despreocuparem, mas foi feito um trabalho notável”.
Política certa, mas os problemas não estão resolvidos
Lobo Xavier não tem dúvidas. Portugal vive hoje um “espírito de enorme alegria e otimismo”.
“A política existe para gerar e gerir o estado de espírito das pessoas”, diz o advogado. “Independentemente dos meus apegos partidários, não posso deixar de reconhecer que por várias circunstâncias, muitas delas externas, depois de ajustamento, o poder politico criou alguns resultados e um estado de espírito que traz as pessoas alegres e bem-dispostas”.
"A política existe para gerar e de gerir o estado de espírito das pessoas. Independentemente dos meus apegos partidários, mas não posso deixar de reconhecer que por várias circunstâncias, muitas delas externas, depois de ajustamento, o poder politico criou alguns resultados e um estado de espírito que traz as pessoas alegres e bem-dispostas.”
Para esse quadro, António Lobo Xavier relembra o papel do Presidente da República. “Temos um Presidente da República, que percebendo que o centro politico tinha ficado ligado ao ajustamento, percebeu que devia ocupar esse centro. Essa combinação de um Presidente da República que ocupou o centro e de um Governo que convive com a esquerda mas quer cumprir os desafios orçamentais e convive com Bruxelas parece funcionar”.
Lobo Xavier refere que: “as pessoas sabem que os problemas não estão todos resolvidos. O governo atual parece ter noção disso, porque no centro está o desafio de reduzir a dívida”.
Já Rio refere que em termos políticos o problema não é o afastamento da sociedade dos políticos, mas sim “o afastamento do regime”. Rio diz que “não basta mudar a lei dos partidos e a lei do financiamento dos partidos. O que temos é que resolver é mais profundo”.
A porta giratória entre a política e as empresas
Num momento em que as relações entre o mundo empresarial e político estão no centro do debate, este tema não passou ao lado dos oradores presentes em Serralves.
Para Marques Mendes, “esta altura não é a melhor altura para fazer a apologia dos gestores“. Mas refere: “Em todos os casos que têm vindo a público a questão não foi dos gestores, mas sim da promiscuidade entre a política e a economia, mas penso que esse ciclo está a chegar ao fim”.
Sem nunca falar no nome dos intervenientes, Marques Mendes fala em “miséria moral entre duas personagens da política e da economia, mas não se pode confundir esta circunstâncias e os gestores”.
A ligação entre a politica e o mundo empresarial foi também alvo de comentário por parte de Lobo Xavier. Para o comentador o que aconteceu foi “uma enorme degradação política e uma mistura entre políticas e empresas”:
Lobo Xavier diz mesmo que eram “umas portas giratórias entre o poder político e económico”. E remata: “eu tenho relutância em colocar gestores em tudo. Conheço gestores e políticos. Tenho alguma desconfiança face aos políticos e aos gestores. Os campeões dos gestores quem quiser que os leve para casa”.
A triangulação entre o Marquês de Pombal, a Avenida Fontes Pereira de Melo e a Avenida da Liberdade não passou também despercebida a Daniel Bessa. O economista, que começou por referir que dá-se mal com a política [Bessa foi ministro da Economia no Governo de António Guterres durante seis meses], adiantou que “as pessoas do Norte dão-se mal com a política” para logo a seguir acrescentar: “é verdade que também vieram coisas péssimas de empresas, mas o que se passou na PT, no BES e na Caixa era política. Os exemplos piores eram políticos. Não têm nada a ver com a economia”.
É preciso rever o modelo da Justiça
A justiça foi um dos temas da tarde. Marques Mendes, socorrendo-se da sua experiência governativa, defendeu que o Ministério da Justiça devia ser liderado por um gestor. Para justificar a ideia remata: “a minha experiência de dentro do governo é que um jurista, ainda que seja um bom político, não tem a menor das condições para impor regras. Fica capturado pelas corporações da justiça”.
Marque Mendes explica ainda que “quando fala num gestor é para simplificar a gestão. A gestão dos tribunais é do século XIX”.
Já Lobo Xavier diz que “não consegue acompanhar esta ideia de termos um gestor [na Justiça]. O que precisamos é de políticos com razoável sentido ético e com relativo conhecimento das coisas”.
Por seu turno, o economista Rui Rio afirmou que “a reforma da justiça é o mais difícil porque implica repensar todo o modelo da justiça”.
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