Crise em Angola cortou um terço das remessas para Portugal
Como a crise do petróleo se transformou numa crise de divisas sem precedentes em Angola. E como as restrições cambiais afundaram economia, com as remessas portuguesas a cair mais 30% desde 2013.
Só nos últimos três anos, as remessas dos emigrantes portugueses em Angola caíram mais 30% em consequência da forte restrição de divisas que o país enfrenta. A culpa é do petróleo, que poderá ter um importante papel na decisão de voto dos angolanos que vão hoje às urnas para eleger quem sucede a uma era de 38 anos de José Eduardo dos Santos no poder.
É um efeito dominó. Há algum tempo que petróleo deixou de ser a porta de entrada de moeda estrangeira em Angola perante a derrocada dos preços do barril desta mercadoria nos mercados internacionais. Para não agravar ainda mais a escassez de moedas como o euro ou o dólar, importantes para um Governo adquirir bens essenciais para a população como produtos agrícolas ou medicamentos ao estrangeiro, Luanda restringiu a saída de capitais do país. Ainda em março deste ano, naquele que terá sido um dos últimos atos legislativos promovidos por José Eduardo dos Santos, foi imposto às empresas internacionais limitações na contratação de mão-de-obra estrangeira, com a obrigatoriedade de os salários serem pagos em kwanzas, a moeda do país.
Estas restrições na política cambial angolana tiveram forte impacto na vida dos portugueses nos últimos anos. Muitos trabalhadores começaram a ter problemas no envio dos seus salários para cá. E outros tantos que recebiam em euros viram os seus pagamentos serem atrasados em muitos meses e mesmo anos.
Foi o que aconteceu com Joana Frade. Esta gestora de marketing está há dois anos e meio a trabalhar em Luanda, a capital angolana, mas só em junho último é que começou a receber na sua conta bancária em Portugal uma parte dos seus salários auferidos em 2015.
“Cheguei mesmo no rebentar da crise financeira, senti um conjunto de emoções, sobretudo se desistia de estar em Angola ou não. Somente em junho de 2017 vi a maior parte dos meus ordenados desde 2015 serem creditados em Portugal e está a ser muito complicado gerir esta situação“, relata esta portuguesa ao ECO. “Felizmente tive a oportunidade de ser consultora num projeto na área da saúde, financiado por uma instituição norte-americana, que me permitiu receber honorários diretamente em Portugal, caso contrário teria de procurar trabalho noutro país”.
Fonte: Bloomberg
Simultaneamente, a imponente queda do barril de ouro negro nos mercados arrastou consigo a divisa angolana. O kwanza também vale hoje muito menos do que valia há uns anos. Isto porque um investidor que compre petróleo tem de comprar primeiro a moeda do país, sendo que é essa procura pela moeda local que sustenta a sua cotação.
O que se passou com o kwanza foi o contrário: a baixa preço do petróleo, o principal e quase exclusivo produto que Angola exporta, reduziu a necessidade exterior de comprar moeda angolana. E a divisa afundou.
Cheguei mesmo no rebentar da crise financeira, senti um conjunto de emoções, sobretudo se desistia de estar em Angola ou não. Somente em junho de 2017 vi a maior parte dos meus ordenados, desde 2015, serem creditados em Portugal e está a ser muito complicado gerir esta situação.
No final do dia, quando os 150 mil portugueses que residem atualmente em Angola — hoje em dia em menor número do que em 2013 — trocam kwanzas vão receber menos euros para transferir para Portugal.
Remessas caem um terço desde 2013
As estatísticas não enganam quanto ao impacto brutal destas forças do mercado na vida dos portugueses. As remessas provenientes de Angola atingiram o máximo em 2013, quando foram enviados para cá mais de 300 milhões de euros.
Fonte: Banco de Portugal
Nesse ano, com a economia a acelerar quase 7%, Angola representou o terceiro país de de origem das remessas dos emigrantes, mais de 10% do total das remessas enviadas pelos emigrantes portugueses em todo o mundo, isto depois de o barril de petróleo ter quase tocado os 120 dólares.
De lá para cá a economia desacelerou para um nível nunca visto desde, pelo menos, 2008, e as remessas afundaram 30%, mais de 100 milhões de euros. E o barril de petróleo vale menos de metade: cerca de 50 dólares. Angola deixou de ser o terceiro principal destino de origem das nossas remessas e caiu para sexto lugar no ranking, tendo sido ultrapassada por países como a Alemanha, EUA e Reino Unido. Em 2016, as remessas angolanas eram 6% do total.
Diversificar a economia
Para Mira Amaral, que em tempos foi presidente do Banco de Fomento Angola, seja qual for o próximo Governo que resultar das eleições gerais desta quarta-feira, o Angola vai continuar atravessar um deserto de moeda estrangeira, depois de o país ter desperdiçado uma oportunidade de diversificação da sua economia, mais concretamente da sua capacidade exportadora ainda hoje dependente do petróleo.
“O que espero é que os portugueses possam ajudar à diversificação da economia angolana e a meu ver é essa diversificação que vai trazer mais divisas. Enquanto isso não acontecer, Angola vai continuar a operar num quadro de escassez de divisas”, declarou o gestor que conhece muito bem a realidade angolana. “E, importando menos, isso dá algum alívio cambial. Isso diminui os problemas de transferência de capitais e escassez de divisas para pagar aos expatriados portugueses que têm enfrentado muitas dificuldades”, diz.
Quais os setores em que deve apostar? “O potencial agrícola de Angola é fabuloso. Angola não tem autossuficiência alimentar. E quando se fala em diversificação económica a primeira tecla é o investimento agrícola e agroindustrial”, considera Mira Amaral.
"O que espero é que os portugueses possam ajudar à diversificação da economia angolana e a meu ver é essa diversificação que vai trazer mais divisas. Enquanto isso não acontecer, Angola vai continuar a operar num quadro de escassez de divisas.”
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