Centeno promete o maior corte estrutural no défice desde que é ministro. Como?
A descida do IRS paga-se com o aumento de outros impostos e com os dividendos do Banco de Portugal. Os aumentos de despesas com prestações e salários compensam-se com outros cortes na despesa.
No Orçamento do Estado para 2018, o ministro das Finanças, Mário Centeno, promete a maior consolidação orçamental desde que é ministro: 0,5 pontos percentuais do PIB. Mas não promete só isso. Também promete baixar os impostos, subir as pensões, descongelar as progressões dos funcionários públicos, reativar o investimento. Onde é que está o gato?
Duas semanas antes da apresentação do Orçamento do Estado para o próximo ano, as medidas de reposição de rendimentos começaram a ser avançadas pelos partidos da esquerda que dão apoio parlamentar ao Executivo socialista. Mas para além das dúvidas sobre o desenho concreto das medidas — mais ou menos faseadas, mais ou menos abrangentes — houve uma interrogação que foi ficando no ar: como é que o Governo vai encaixar tudo no Orçamento e, ao mesmo tempo, respeitar as regras de Bruxelas?
O ECO foi procurar a resposta ao relatório do Orçamento do Estado. Encontrou algumas pistas, mas também ficaram interrogações por responder.
Primeiro o que é possível concluir. Olhando para as medidas de política orçamental — o tradicional quadro que, nos tempos da troika, era sinónimo do quadro das medidas de austeridade — obtém-se a forma como o ministro das Finanças jogou com as peças do Orçamento para construir o puzzle.
Desde logo, verifica-se que Centeno se compromete a consolidar o défice sobretudo pelo lado da despesa: de um esforço de 482 milhões de euros, 89% são poupanças, enquanto pouco mais de 10% correspondem a subidas de receita. Isto quer dizer que do lado da receita verifica-se sobretudo uma recomposição das fontes de coleta.
O que acontece à receita?
Por exemplo: a alteração dos escalões do IRS terá um impacto de 230 milhões de euros em 2018 (o restante impacto, de 155 milhões, só chegará em 2019, quando forem feitos os acertos e reembolsos de imposto). A esta perda de receita juntam-se 260 milhões de euros a menos por causa da eliminação da sobretaxa. São 490 milhões de euros de alívio fiscal só no IRS.
Mas esta perda de receita será compensada com os dividendos do Banco de Portugal (no valor de 500 milhões de euros, ou seja, 148 milhões de euros a mais do que no ano anterior). Há um acréscimo da receita de fundos estruturais na ordem dos 167 milhões de euros, mas este valor é mais do que compensado com a correspondente despesa (178 milhões de euros).
A isto somam-se 150 milhões de euros de coleta a mais em impostos especiais sobre o consumo, 30 milhões vindos do novo imposto sobre os alimentos com demasiado sal e 50 milhões de euros do “exercício de revisão da receita” — uma iniciativa do Governo para melhorar a coleta.
Resumindo, a carga fiscal desvia-se do IRS para os impostos indiretos e a perda de coleta que ainda faltaria compensar é paga pelos dividendos do banco central.
E do lado da despesa?
É aqui que a consolidação, grosso modo, acontecerá, promete Centeno. Primeiro vejamos o que implicará gastos acrescidos face a 2017:
- O descongelamento de carreiras, em 211 milhões de euros;
- A atualização extraordinária de pensões, em 154 milhões de euros;
- Uma nova prestação social para a inclusão, em 79 milhões de euros;
- E as alterações nas reformas para as carreiras longas, em 48 milhões de euros.
Nestas contas não faz sentido entrar com as despesas de fundos estruturais, cujo acréscimo está praticamente coberto, como já referido, pela receita de fundos estruturais.
Assim, há 492 milhões de euros adicionais que se justificam exclusivamente por medidas discricionárias do Governo. Ora, Centeno precisa de encontrar forma de mais do que compensá-las, porque só assim evita que o impacto da subida mecânica dos gastos públicos, garantida pela evolução das despesas com prestações de velhice e saúde.
As medidas que o ministro encontrou são:
- Uma poupança de 307 milhões de euros em juros — esta é a maior fonte de economia no Orçamento do próximo ano;
- O congelamento nominal do consumo intermédio, na ordem dos 300 milhões de euros. Será uma das medidas mais difíceis de concretizar: a sua execução é dispersa pelos vários serviços públicos e implica, na prática, reduzir gastos. O efeito natural da subida dos preços terá de ser compensado através de menor despesa para que esta poupança se concretize.
- Exercício de revisão da despesa, com uma poupança de 287 milhões de euros. Esta é uma medida recorrente que costuma ser designada como “outras poupanças setoriais.” Desta vez, o Governo decidiu incluir maior detalhe, explicando num quadro quais são as medidas previstas, e em que setor. A maior parte (166 milhões de euros) é garantida pela Saúde, com destaque para as poupanças esperadas com a regularização de pagamentos em atraso e com o controlo acrescido.
- Contenção de outra despesa corrente, com uma poupança associada de 180 milhões de euros.
- Uma poupança discreta de 23 milhões de euros obtida com o controlo de efetivos da administração pública, através de uma regra suavizada de ‘3 por 2’ (três saídas por cada duas entradas).
Contas feitas, o Governo diz que vai poupar quase 1.100 milhões de euros no próximo ano.
E o corte no défice é estrutural?
No relatório da proposta de Orçamento o Governo diz que sim, mas não é claro como é que o cenário se concretiza. As medidas discricionárias de consolidação orçamental valem apenas 0,2% do PIB, o que à primeira vista parece contraditório com uma consolidação estrutural de 0,5% do PIB.
Mas pode haver outros contributos que não resultam de decisões diretas do Governo, mas que ajudam, ainda assim, a baixar os gastos estruturais. É o caso das despesas com juros: na medida em que resultem de pagamentos antecipados ao FMI ou de outras medidas de gestão da dívida, faz sentido que sejam identificadas no quadro de políticas orçamentais; mas se resultarem da descida dos juros cobrados à República, de acordo com a evolução dos mercados, não deverão ser inscritas nesse quadro e o ajustamento da evolução cíclica da economia pode não cobrir, na totalidade, este efeito. No documento, Centeno identifica uma redução do peso dos juros no PIB de 0,3 pontos percentuais.
Há ainda que somar um efeito negativo no saldo orçamental global de 0,2 pontos percentuais que diz respeito a “medidas pontuais.” Este impacto não conta na hora de apurar o saldo estrutural.
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