Presidente do Supremo critica nova lei sobre branqueamento de capitais
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça diz que há "uma grande desproporção" na nova lei que obriga os advogados a comunicaram casos de branqueamento de capitais dos seus clientes.
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça criticou esta quinta-feira a nova lei sobre o branqueamento de capitais, questionando se esta era necessária e se não representa, afinal, “uma fuga para a frente” que “reduz a pó” a legislação inicial.
“Não sei porque foi necessário que a União Europeia [UE] tivesse de fazer uma nova diretiva tão complexa. Não sei o que falhou ou se falhou [alguma coisa]”, comentou Henriques Gaspar, num debate promovido hoje pela Ordem dos Advogados (OA), referindo-se a uma diretiva da UE que impõe a obrigação de os advogados comunicaram à Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária e ao Ministério Público os casos de branqueamento dos seus clientes.
Para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e antigo magistrado do Ministério Público, “há uma grande desproporção” na nova lei, que tem de ser “reduzida” para haver “equilíbrio”.
Henriques Gaspar lembrou que participou nos primeiros trabalhos da legislação sobre prevenção do branqueamento de capitais, observando que na altura, com a lei, se visava unicamente os crimes mais graves.
Desde então e por pressão de alguns Estados da UE, explicou, mudou-se o conceito deste crime, que passou a ter sobretudo na mira a fraude fiscal, verificando uma desvalorização do crime de branqueamento de capitais.
Henriques Gaspar foi mais longe e considerou mesmo que “não seria necessário esta lei”, dizendo: “Isto não é nosso. É da UE”, para imediatamente acrescentar: “Agora também é nosso, mas é UE”.
O presidente do STJ lembrou ainda que já teve cargos na UE e, apesar de não querer alongar-se em críticas, não deixou de apontar alguma falta de democraticidade na produção legislativa europeia.
O bastonário da OA, Guilherme Figueiredo, e outros dirigentes da Ordem têm manifestado preocupação e indignação com esta nova lei.
A sua difícil ou mesmo impossível compatibilidade com o segredo profissional da classe levou advogados como Garcia Pereira a considerar que esta lei significa o “fim da advocacia livre” e “torna o advogado num delator”, o que é “intolerável num Estado de direito democrático”.
José António Barreiros, do Gabinete de Política Legislativa da OA, Pedro Marinho Falcão, António Cabrita e Ana Brito Camacho, entre outros, dissecaram a nova lei, através dos seus artigos mais polémicos, apresentando soluções e realçando o papel que a Ordem pode ter na posterior regulamentação da lei.
A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, considerou o debate organizado pela AO, em Lisboa, como “muito útil” e manifestou a disponibilidade do Ministério Público para discutir formas e modelos de fixação de “conceitos mais indefinidos” contidos na lei, por forma a respeitar o direito português.
Joana Marques Vidal notou contudo que a alteração conceptual do crime de branqueamento “corresponde à evolução da sociedade” e à relevância que os novos fluxos financeiros têm para os estados, admitindo que isso possa ter levado a uma “autonomização do crime de branqueamento de capitais”.
Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação penal (DCIAP), realçou que não ia fazer ali a defesa da lei, observando que o DCIAP é apenas o recetor das comunicações deste crime que são feitas à UIF da Polícia Judiciária.
O mesmo responsável lembrou os compromissos internacionais do Estado português em matéria de combate ao branqueamento e realçou que a OA “tem o poder de regulamentação em alguns aspetos” da lei.
E desdramatizou a aplicação da nova lei, lembrando que alguns dos preceitos agora criticados por advogados já constavam da lei anterior. Apontou ainda a boa classificação que Portugal tem na UE na prevenção do crime de branqueamento.
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