Aumenta tensão na Autoeuropa: estão “desorientados” e sem “boas maneiras”
Comissão de Trabalhadores está "desorientada" e não legitimada, acusa UGT; CGTP tem de parar de interferir na Autoeuropa, soma Silva Peneda. O conflito estala na fábrica de Palmela.
A Autoeuropa é cada vez mais palco de tensões, e esta semana, com as negociações de aumentos salariais a decorrer, torna-se campo de batalha entre a UGT, Comissão de Trabalhadores e CGTP. Até o ex-ministro do Trabalho Silva Peneda já veio a terreiro. Trocam-se farpas e uns querem contornar os outros para tentar alcançar um acordo que satisfaça as necessidades dos trabalhadores e para ganhar poder na fábrica. Entretanto um abaixo-assinado circula para demitir a atual Comissão de Trabalhadores, que ainda está a analisar toda a situação.
O Sindel, sindicato afeto à UGT ligado ao setor da indústria, quer apresentar um acordo de empresa à Autoeuropa contornando a Comissão de Trabalhadores (CT), liderada por Fernando Gonçalves. “Aquilo que neste momento se retira de toda esta situação”, disse ao ECO o dirigente sindical Alberto Vale, “é que a CT está ali num impasse, não sabem muito bem o que estão a fazer, acabam por estar desorientados porque não sabem como ultrapassar este momento”.
A UGT quer apresentar um acordo de empresa à administração da Autoeuropa, sem passar pela Comissão de Trabalhadores eleita pelos funcionários da empresa da Volkswagen, porque esta “não tem legitimidade” para apresentar um acordo do tipo, afirmou Alberto Vale. “Não têm legitimidade nem têm o apoio dos trabalhadores, acabam por não ter o apoio dos sindicatos, porque a ideia que transmitiram às pessoas é que não sabem o que estão a fazer. Por isso obviamente entendemos apresentar uma proposta”, acrescentou.
O Sindel não é o único ator a pôr em causa o apoio dos trabalhadores à Comissão que elegeram. O Diário de Notícias escreve esta quarta-feira que um abaixo-assinado que circula na fábrica de Palmela, a pedir a demissão da CT, já reuniu “200 a 300” assinaturas entre os 5.700 trabalhadores da fábrica. Trabalhadores que falaram ao ECO expressaram a sua desilusão com o trabalho desse grupo de representantes nas negociações junto da administração. O ECO entrou em contacto com a Comissão de Trabalhadores que preferiu, para já, não comentar a situação, afirmando estar a analisar os fatores em jogo.
Alberto Vale, representante do Sindel, explicou que a UGT vai pedir uma reunião à administração da Autoeuropa para avaliar a abertura da empresa para analisar um acordo proposto diretamente pelo sindicato. Segunda-feira, o líder da UGT Carlos Silva anunciou a intenção de se dirigir à administração da Autoeuropa. “O nosso sindicato [Sindel] irá apresentar uma proposta de acordo de empresa à Autoeuropa, cabe agora à administração dizer ‘não queremos’ e se não quiser está, naturalmente, a ferir de morte o que é o princípio da negociação coletiva no nosso país”, anunciou à saída de uma audiência com o Presidente da República.
Sobre a Comissão de Trabalhadores poder realizar este tipo de acordo, o dirigente sindical Alberto Vale sublinhou que “não tem legitimidade para subscrever acordos de empresa”. Isto porque, conforme o ECO confirmou junto da Direção Geral do Emprego e das Condições de Trabalho, as Comissões de Trabalhadores são constituídas e ganham personalidade jurídica ao serem publicadas no Boletim do Trabalho e do Emprego, mas não podem negociar acordos de empresa, com legitimidade jurídica. Podem apenas negociar acordos laborais, uma fórmula informal, que é o que tem sido feito, inclusive com a Comissão de Trabalhadores histórica que foi liderada por António Chora.
Obviamente que a empresa tem legitimidade para dizer que não querem negociar um acordo de empresa com um sindicato. Obviamente que ao fazer isso estará a ir contra a legislação de negociação coletiva.
“Obviamente que a empresa tem legitimidade para dizer que não querem negociar um acordo de empresa com um sindicato. Obviamente que ao fazer isso estará a ir contra a legislação de negociação coletiva”, afirmou Alberto Vale. Isto porque a legislação laboral portuguesa prevê que as negociações laborais decorram com os sindicatos. Nas empresas do grupo Volkswagen, incluindo na Autoeuropa situada em Palmela, a tradição é habitualmente que a administração se concerte diretamente com os trabalhadores através das comissões eleitas.
As negociações entre a Comissão de Trabalhadores e a administração já duram há vários meses. Neste momento, negoceia-se o aumento salarial na empresa para os anos de 2018 e 2019, com a CT a exigir um aumento de 6,5% com um mínimo de 50 euros, e a administração a contrapropor um aumento de 3% este ano e de 2% no próximo.
Fonte oficial da administração da Autoeuropa não respondeu diretamente à questão sobre se negociaria um acordo de empresa com a UGT e o Sindel, mas disse estar sempre aberta a reunir com os sindicatos. “Nós já reunimos e temos reunido com frequência com todas as estruturas sindicais, tanto afetas à CGTP como à UGT”, afirmou, referindo no entanto que ainda não teria sido recebido um pedido de reunião da UGT.
Questionado pelo ECO, o dirigente do sindicato Site-Sul, afeto à CGTP, Eduardo Florindo, preferiu não comentar, “neste momento”, a iniciativa do Sindel.
Silva Peneda choca com CGTP sobre Autoeuropa
O antigo ministro do Trabalho de Cavaco Silva, Silva Peneda, lançou duras críticas à central sindical CGTP, cujos sindicatos estão entre os que agem junto da Autoeuropa, pelo seu trabalho na fábrica de Palmela. Num artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias que está estruturado como uma “carta aberta” dirigida aos restantes “parceiros sociais”, Silva Peneda pede que “todos os parceiros sociais” tomem “uma posição clara sobre a postura da CGTP no processo da Autoeuropa”.
Para o ex-ministro, a CGTP “descobriu agora a Autoeuropa como palco para a sua investida”. Silva Peneda afirma: “A estratégia dos comunistas para a Autoeuropa é que esta feche as portas e se desloque para outras paragens. Aí o PCP cantará vitória e como sempre serão vitórias ‘conquistadas’ à custa de milhares de trabalhadores que ficarão no desemprego e a Península de Setúbal voltará a viver os tempos de fome da década de 80, mas aí o PCP e a CGTP estarão no seu terreno favorito a desfraldar as bandeiras negras, nunca assumindo culpas, mas remetendo-as para os vícios do capitalismo”.
A CGTP reagiu com um comunicado em que considera “inaceitáveis e intoleráveis estas dissertações ofensivas, insultuosas e reacionárias de Silva Peneda”, afirmando que o ex-ministro “dá voz aos interesses da direita”. Reagindo à crítica de que a CGTP não se interessa pela concertação, a central sindical refuta: “A CGTP-IN esteve, está e estará disponível para compromissos, que cumpriu, cumpre e cumprirá, porque garantem e melhoram os direitos dos trabalhadores! A prova disso são os acordos subscritos pela CGTP-IN na concertação social que outros não cumpriram, nomeadamente, sobre Formação Profissional e Salário Mínimo Nacional”.
Termina acrescentando: “Dispensamos os ‘ensinamentos’ e as ‘boas maneiras’ sobre como intervir na Autoeuropa, na Gramax, na Ricon ou em qualquer outra empresa ou sector, onde os direitos dos trabalhadores são postos em causa”.
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