Divórcio e parentalidade: uma faca de dois gumes com uma criança no meio

No livro “Divórcio e Parentalidade - Diferentes Olhares”, as autoras juntaram o olhar de vários profissionais que lidam com processos de divórcio num livro dividido entre o direito e a psicologia.

Em “Divórcio e Parentalidade — Diferentes Olhares”, as coordenadoras Alexandra Anciães, Rute Agulhas e Rita Carvalho juntaram o olhar de agentes policiais, psicólogos, mediadores, advogados e magistrados, num livro dividido entre o direito e a psicologia. E que reforça a necessidade do advogado da criança.

A adaptação das crianças ao processo de separação ou divórcio parental não é fácil. E a necessidade de colocar todos os intervenientes deste mesmo processo a pensar como se devem articular foi urgente. Foi desta premissa que partiu o livro, lançado em fevereiro, “Divórcio e Parentalidade — Diferentes Olhares”.

Em declarações à Advocatus, Rute Agulhas, psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicoterapia e Psicologia da Justiça e uma das coordenadoras da obra conta como “há falhas no sistema que ainda é preciso colmatar, porque são processos morosos com um impacto negativo grande tanto para a criança como para a família. Sentimos que o sistema não estar devidamente articulado é mais um constrangimento. Articulado, não só no sentido de se saber para onde se deve encaminhar e quais os timings, mas também perceber qual é o papel do outro”, explica, reforçando que uma grande lacuna do nosso sistema é a falta de serviços especializados de acompanhamento a estas famílias.

Tenho imensos processos entre mãos, onde não há advogado da criança, há o do pai e o da mãe, e servem-se, muitas vezes, de todas as armas que têm à sua disposição para defender o seu cliente e esquecem-se de que no meio está a criança. Nem todos os advogados adotam um papel de mediador.

Rute Agulhas

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicoterapia e Psicologia da Justiça

E onde entra o papel do advogado? “Tenho imensos processos entre mãos, onde não há advogado da criança, há o do pai e o da mãe, e servem-se, muitas vezes, de todas as armas que têm à sua disposição para defender o seu cliente e esquecem-se de que no meio está a criança.”

“Nem todos os advogados adotam um papel de mediador”, esclarece a psicóloga, enumerando casos de pais e mães que procedem apenas com base no que o advogado os aconselha a fazer. “Nem sempre este aconselhamento é numa perspetiva de acordo para o bem-estar da criança. É um tipo de orientação que tem de ser repensado, daí a importância da figura do advogado da criança.

Rute Agulhas, psicóloga, conta que “há falhas no sistema que ainda é preciso colmatar, porque os divórcios são processos morosos, de um impacto negativo grande tanto para a criança como para a família”. Créditos: Nuno Pinto Fernandes.

 

Qualquer acordo que se consiga será melhor se salvaguardar ao máximo os interesses daquela criança e não o interesse da mãe ou do pai, que muitas vezes são completamente opostos”, remata. Rui Alves Pereira, advogado da José Pedro Aguiar-Branco Advogados (JPAB) e especialista em direito da família, corrobora esta visão num capítulo do livro dedicado ao “Advogado para a família e o seu novo papel”. À Advocatus explica que “o advogado deve desempenhar um novo papel face à nova realidade familiar, sendo um dos primeiros profissionais em contacto com essas realidades, tem de rever a sua matriz para uma advocacia mais preventiva e conciliadora”.

O advogado deve aconselhar os seus clientes nestes processos emocionais para a necessidade de acompanhamento por outros profissionais, como psicólogos ou mediadores familiares.

Rui Alves Pereira

Advogado especialista em Direito da família da JPAB

Mas como? Para Rui Alves Pereira, o advogado deve assumir um papel preponderante numa cultura de acompanhamento interdisciplinar. “Desde logo, o advogado deve aconselhar os seus clientes nestes processos emocionais para a necessidade de acompanhamento por outros profissionais, como psicólogos ou mediadores familiares”, afirma. Rute Agulhas salienta ainda os efeitos a curto e médio prazo destes processos, que resultam num “impacto negativo a vários níveis: as crianças sentem que estão no meio de uma guerra, literalmente. Têm sintomas de ansiedade, de depressão e de conflitos de lealdade”.

Efeitos que se refletem na escola, na relação com os amigos e no rendimento escolar, bem como no sono e na motivação. Afinal pode-se conciliar parentalidade e conjugalidade? “É muito difícil para estes pais separarem. Misturam tudo. Contam coisas aos filhos da sua esfera íntima, estas crianças ficam expostas a questões fora da parentalidade, o que as leva a aliar-se a um dos pais contra o outro. Cria-se aqui uma aliança muito difícil de desmontar”, explica. A principal variável que influencia o comportamento da criança, como nota a psicóloga, é o ajustamento dos pais. Se, de facto, “conseguirem separar conjugalidade de parentalidade e perceber que a criança tem o direito a conviver com os dois regularmente, independentemente dos ódios que tenham um pelo outro, não expondo a criança ao conflito, aí torna-se muito mais fácil para a criança passar pelo processo de divórcio”.

Sobre o livro, que segundo a autora tem tido bom feedback junto de pais, há ainda espaço para metáforas: “No fundo este livro é como se fosse um puzzle, onde cada um de nós é uma peça. E o puzzle tem que encaixar e ainda há peças que não encaixam bem”, esclarece Rute Agulhas.

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