Barómetro do eleitoralismo: De “nada” a “super” eleitoralista, o Orçamento para 2019 está a meio caminho
No último OE antes das eleições, a pergunta é: vai ser muito eleitoralista? Entre os economistas e politólogos ouvidos pelo ECO, a resposta varia. O Barómetro do Eleitoralismo está quase equilibrado.
“Vai ser muito popular”, disse Luís Marques Mendes no seu programa de comentário este domingo, sobre o Orçamento do Estado para 2019. “Do ponto de vista político, é dos mais eleitoralistas de sempre”. O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa já disse estar atento a tendências do género, ainda em dezembro do ano passado, quando ao promulgar o Orçamento do Estado para 2018 referiu: “A existência de duas eleições em 2019 não pode, nem deve, significar cedência a eleitoralismos, que, além do mais, acabem por alimentar surtos sociais inorgânicos, depois difíceis de enquadrar e satisfazer”.
O que se prevê então para o OE2019 que o Governo deverá apresentar na segunda-feira, dia 15 de outubro? Algumas medidas já foram vislumbradas, desde a redução no preço dos passes sociais até à negociação de atualizações salariais para a Administração Pública e contabilização parcial do tempo de serviço dos professores. A meta? Um défice de apenas 0,2% do PIB, que a ser atingido não teria precedentes na democracia portuguesa. Mas a soma total resulta num Orçamento que pode ser qualificado como eleitoralista, como antevê Marques Mendes, ou as preocupações do Governo não estão, como temia Marcelo, centradas nas europeias e legislativas que se aproximam? Os oito economistas e politólogos com que o ECO falou para construir o seu Barómetro do Eleitoralismo discordam neste tema, e o marcador fica mais ou menos no centro: um pouco mais eleitoralista do que seria de esperar num Orçamento neutro.
Mário Centeno, por sua vez, já respondeu. O Orçamento do Estado vai ser “responsável, colocado ao serviço dos portugueses e da economia”. Mas o que pensam os especialistas daquilo que já se conhece?
Aumentos na Função Pública são eleitoralistas?
Para o economista João Duque, do ISEG, não sobram dúvidas: o Orçamento para 2019 vai ser eleitoralista. “É claramente”, afirmou ao ECO, exemplificando com a negociação de aumentos na Administração Pública com um plafond de 50 milhões de euros. “Aumentos ridículos para tanta gente… quando se fala em aumentos de cinco euros por mês para funcionários públicos, o efeito prático é nulo. Serve para calar os compromissos de uns parceiros de coligação”, acrescentou. Assim, para João Duque, a medida estará francamente do lado eleitoralista do Barómetro do Eleitoralismo que o ECO propôs criar.
O economista e professor do ISEG Joaquim Miranda Sarmento, que é também porta-voz do PSD para as Finanças, considerou que dar aumentos é uma prática que passa ao lado daquilo que deveria de facto ter sido feito. “Aquilo que era fundamental ter ocorrido no pós-troika, sobretudo nos últimos quatro anos, era uma reforma profunda das carreiras e da avaliação dos funcionários públicos”, referiu. “O Governo prepara-se, a fazer fé nas notícias e nos anúncios já feitos, para repetir a dose eleitoralista de 2009. Na altura, também houve um aumento de 2,9%, que foi depois seguido de um corte de salários em 2010, no Governo Sócrates, entre 3,5% e 10%”.
O Governo tem, então, preocupações eleitoralistas com este Orçamento? Sim, defende o economista Ricardo Arroja, e as medidas previstas para a Administração Pública e os pensionistas comprovam-no. “Evidentemente. As principais medidas — atualização de pensões e atualização salarial de funcionários públicos — têm como público-alvo, entre pensionistas e funcionários, mais de três milhões de pessoas“, afirmou. Especialmente os aumentos da Função Pública servem claramente para apelar ao eleitorado, acrescenta: “Os salários, sim, são medida eleitoralista porque, face aos funcionários públicos europeus, a despesa pública dirigida às despesas com pessoal em Portugal já é relativamente generosa”.
Mas nem todos concordam. Ricardo Pais Mamede, investigador do ISCTE, considera “um pouco estranho discutir eleitoralismo” neste contexto. “O Governo prepara-se para não dar aumento à Função Pública ou adiar a entrada em vigor do descongelamento das carreiras, no fundo, prolongar no tempo o descongelamento. Não me parece uma medida eleitoralista, ou se o é é uma medida pouco acertada“, referiu.
Pais Mamede acrescentou ainda que os salários da Função Pública se encontram muito desatualizados: “A maior parte das pessoas não se apercebe disto, mas os funcionários públicos tiveram, entre 2000 e 2008, os salários a crescer abaixo da inflação e têm os salários congelados desde 2010. Os funcionários públicos acumularam ao longo do século uma perda de poder de compra que atinge cerca de 20% em média, nalguns casos 30%”.
José Reis, professor da Universidade de Coimbra, concorda: “Estamos perante trabalhadores que não só tiveram agravamentos muito consideráveis das condições de trabalho e de remuneração como têm perda significativa de poder real de compra, e aquilo que está a ser proposto é o mais conservador possível do ponto de vista de qualquer alteração salarial“, afirmou. Para José Reis, isto coloca a medida em terreno plenamente próximo do nível 1, ou “nada eleitoralista”, deste Barómetro do Eleitoralismo.
“Muito dificilmente se pode falar de um Orçamento eleitoralista, por muito que estejamos em ano eleitoral”, disse José Reis ao ECO, após ressalvar que o documento ainda não é conhecido, e tomando em conta algumas das medidas emblemáticas como a negociação de aumentos para a Função Pública, o aumento das pensões ao nível da inflação e a intenção reafirmada do Governo em procurar baixar os preços da energia junto do consumidor (mas não através da redução do IVA). Isto por uma razão principal: o défice.
Eleitoralista com um défice de quase zero?
“Uma medida eleitoralista seria um conjunto de decisões que levassem a um défice elevado”, afirmou José Reis. O défice deverá fixar-se antes num valor próximo do zero. “Tenho dúvidas se será um objetivo indiscutível. Provavelmente, precisaríamos, não por razões eleitoralistas mas por problemas da economia e sociedade portuguesa, de uma maior capacidade de ação pública”, acrescentou.
É um bocadinho contraditório estarmos a falar em medidas eleitoralistas quando se está a perspetivar a redução do défice.
Para Eugénio Rosa, economista ligado à organização sindical Frente Comum, não há dúvidas: Se o défice próximo do zero “levar a que reivindicações justas dos trabalhadores não sejam satisfeitas e o crescimento e o desenvolvimento seja estrangulado devido a cortes significativos no investimento público como continua a acontecer, o país e os portugueses perdem muito com tal política”, disse ao ECO, embora ressalvando que o controlo rigoroso das contas públicas deve ser uma prioridade.
“É um bocadinho contraditório estarmos a falar em medidas eleitoralistas quando se está a perspetivar a redução do défice”, diz Ricardo Pais Mamede. A manutenção do défice baixo, disse ainda, é principalmente motivada por uma vontade de cumprir as regras orçamentais europeias por parte do Ministério das Finanças. “O Governo pode ser facilmente criticado por querer almejar défices demasiados baixos em vez de utilizar alguma folga que eventualmente pudesse ter para gastar noutras áreas”, frisou.
Já Joaquim Miranda Sarmento, embora veja com bons olhos o “equilíbrio nominal”, tem outras preocupações ligadas às finanças públicas que considera não estarem a ser abordadas: apesar do défice cada vez menor, as contas públicas continuam desequilibradas. “Dois terços da consolidação nominal entre 2015 e 2019 devem-se a windfall revenues da política monetária — redução da despesa com juros e aumento dos dividendos e IRC do Banco de Portugal”, acrescentou, métodos que não são sustentáveis por não serem repetíveis indefinidamente.
João Duque também acrescenta que a manutenção de um défice baixo “é uma medida que funciona bem para todos os lados”, já que também ajuda a manter uma imagem do Partido Socialista como um partido “capaz de fazer um percurso e que é confiável”. E, afinal, acrescenta, não é o défice que significa que um Orçamento não é eleitoralista.
Então qual é o veredicto? Mais para o lado “eleitoralista”
“Há escolhas que se fazem neste Orçamento”, afirma João Duque. Para o economista, a opção de dar aumentos e subir pensões em vez de investir as folgas orçamentais existentes de outra forma é por natureza eleitoralista. De 1 a 5, em que 1 é “nada eleitoralista” e 5 é “totalmente eleitoralista”, João Duque hesita brevemente antes de decidir colocar o que se conhece até agora do Orçamento no nível 4. Já Ricardo Arroja, por sua vez, fixa a pontuação no 3, considerando que é um OE “moderadamente eleitoralista”.
Se José Reis considera que não estamos, “salvo por facilidade de linguagem nos tempos que correm, perante algo que possa ser qualificado como eleitoralista”, Ricardo Pais Mamede e Eugénio Rosa preferem não classificar de todo o Orçamento do Estado perante este adjetivo. “Eu não classifico um orçamento como eleitoralista ou não eleitoralista, mas sim como um Orçamento que implemente maior justiça social e maior desenvolvimento do país ou um Orçamento que não tenha tais objetivos e o que estrangule”, sublinhou Eugénio Rosa.
Até agora, daria um 3 ou um 4. Há ainda alguma incerteza até onde o Governo irá. Mas prevejo que será bastante eleitoralista. No dia 15, após conhecer o OE, aposto que lhe darei um 4 ou mesmo um 5.
O politólogo José Adelino Maltez, embora considere o Orçamento que aí vem “super eleitoralista” no nível 5 do Barómetro do Eleitoralismo, também afirma que “democracia é negociação, e o que temos aqui é negociação”. Assim, refere, o eleitoralismo surge na véspera das eleições, resultando numa pontuação máxima no Barómetro para este Orçamento do Estado.
É o único a considerar o Orçamento tão eleitoralista assim, com a exceção do economista e porta-voz do PSD Joaquim Miranda Sarmento, que reserva uma pontuação de 5 para quando vir o documento final. “Desde 2015 que o Governo da “Geringonça” faz OE a pensar nas eleições, fossem elas antecipadas, ou ocorressem apenas em 2019. Só assim se justifica a decisão de reposição acelerada dos cortes salariais impostos em 2010 pelo Governo Sócrates, bem como a descida do IVA da restauração”, referiu. “Em ‘modo campanha’ andamos desde novembro de 2015.” Assim, com o que até agora é conhecido, Joaquim Miranda Sarmento atribuiria “um 3 ou um 4”, mas o Barómetro deste economista pode subir até ao 5 “no dia 15, após conhecer o OE”.
Quando a oposição diz que o Orçamento de Estado é eleitoralista, o Governo esfrega as mãos porque a oposição, com isso, está a dar ao Governo uma invenção que ele de facto nunca teve, na medida em que o António Costa entregou a Centeno completamente o controlo da parte orçamental.
O politólogo Viriato Soromenho Marques discorda abertamente desta perspetiva. Antes pelo contrário: “O eleitoralismo é praticamente impossível. Dizer isso é que é eleitoralismo. É uma atitude de quem não tem nada para oferecer”, disse, questionado pelo ECO sobre a sua visão do Orçamento do Estado. “Aquilo que sabemos é que o OE vai no sentido de ser muito rigoroso, em linha com aquilo a que Mário Centeno nos tem habituado.”
A classificar o OE de 1 a 5 numa escala de eleitoralismo, Viriato Soromenho Marques fica bem no centro, no ponto intermédio de 3. “Acho que o Orçamento de Estado, se não houver nenhuma catástrofe, será exemplar”, referiu. “Quando a oposição diz que o Orçamento do Estado é eleitoralista, o Governo esfrega as mãos porque a oposição, com isso, está a dar ao Governo uma invenção que ele de facto nunca teve, na medida em que António Costa entregou a Centeno completamente o controlo da parte orçamental”, diz, afirmando que a oposição arrisca, com uma acusação semelhante, estar a dar aos cidadãos uma ideia falsa de que estão a ser feitas muitas concessões para melhorar a sua vida.
Em que ficamos? Entre os economistas que falaram com o ECO e que quiseram classificar o Orçamento entre nada e muito eleitoralista, a pontuação fica quase a meio caminho, nos 3,3, sendo um OE mais próximo do meio-termo. Mas esta média esconde que uns afirmam que nada no OE tem traços eleitoralistas enquanto outros consideram que dificilmente podia sê-lo mais. Para saber o resto e avaliar com maiores certezas, só na próxima segunda-feira, dia 15 de outubro.
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