Neste Web Summit, a tecnologia desceu um pouco mais à terra
Muita coisa se passou no setor desde a última edição do Web Summit, em 2017. Um ano depois, o evento ajudou o meio tecnológico a estar mais ciente de que também existem problemas na tecnologia.
Do que foi feito este Web Summit? No ano passado, a resposta foi “inteligência artificial”. E este ano? Após quatro dias de visitas a stands, de entrevistas a empreendedores e de intervenções de centenas de oradores, a ideia que ficou foi a de que o ecossistema está cada vez mais consciente de que é preciso ter mão nele. Não num sentido de travar a inovação mas de assegurar algum controlo para que esta se mantenha nos devidos eixos.
Muita água correu por debaixo da ponte desde a edição anterior do Web Summit, o que só prova o quão dinâmico pode ser o setor da tecnologia. Em 2017, por esta altura, o mundo delirava por criptomoedas, robôs e tecnologias preditivas que, com base em dados, sabem o que uma pessoa quer, mesmo antes de que ela própria. Mas, desde então, houve o ataque ao Facebook. O ataque ao Google+. E, pois claro, o escândalo da Cambridge Analytica.
Por isso, o mundo de hoje é diferente do de ontem. Muitos já torcem o nariz quando ouvem falar de produtos tecnológicos que usem os dados pessoais dos utilizadores para fazer negócio (uma dessas pessoas foi Tim Cook, presidente executivo da Apple). E isso notou-se bem neste Web Summit: não faltaram pedidos de regulação às redes sociais (nem mesmo um novo contrato), que estão a ser usadas lá fora por gente mal-intencionada para destabilizar eleições e minar a democracia. Ora, em contexto de redes sociais, a palavra “regulação” faz tremer qualquer gestor. Que o diga Mark Zuckerberg.
Um deles partiu de uma voz de peso. Raffi Krikorian, administrador tecnológico do Comité Nacional Democrata (DNC), não hesitou quando foi abordado no palco principal acerca dessa hipótese: “Sim, eu quero mais regulação às redes sociais”, atirou. Além disso, defendeu que o problema da propagação de informação nestas plataformas “não se resolve com algoritmos” mas com pessoas: “É preciso ter humanos a trabalhar neste problema. Temos de fazer com que se pareça mais com o mundo real.” Uma crítica clara a empresas como o Facebook e o Twitter.
Parece uma opinião pouco popular numa conferência de tecnologia, onde se criam aplicações para tudo e algoritmos para mais alguma coisa. Mas esta edição do Web Summit ajudou o meio tecnológico a descer um pouco à terra.
De Sophia à Cambridge Analytica
Veja-se o exemplo da robô Sophia, que ficou famosa no ano passado e até já figurou nas televisões dos portugueses ao lado de Cristiano Ronaldo, numa campanha da Meo. Durante uma conferência de imprensa neste Web Summit, em que os jornalistas foram convidados a perguntarem coisas à Sophia, a demonstração correu bem pior do que o ano passado. Falando para a robô, um jornalista disse que já a tinha entrevistado no passado e perguntou-lhe: “Lembras-te de mim?”.
Poderiam ter acontecido duas coisas de seguida: a Sophia responder que sim, recordar momentos dessa entrevista e provar ser tão inteligente como tem sido pintada; ou, em contrapartida, mostrar que, muito provavelmente, ainda estamos longe da singularity. Pior: não só a robô não respondeu, como não respondeu à maioria das questões devido a “problemas técnicos”.
A Altice Portugal, dona da Meo, apressou-se a meter água na fervura: emitiu um comunicado onde indica que “a robô Sophia usa internet fixa” e o que aconteceu naquela conferência de imprensa foi “um problema de conexão do cabo de rede fixa ao computador portátil que opera o robô”.
Mas, se dúvidas restam de que este Web Summit ajudou o meio a descer à terra, importa referir que uma das apresentações que mais público atraiu ao palco principal foi a de Christopher Wylie, o antigo diretor de pesquisa da Cambridge Analytica. Trata-se do homem que denunciou à imprensa o roubo de dados pessoais de 87 milhões de utilizadores do Facebook para ajudar a eleger políticos — entre eles, Donald Trump, que é atualmente o Presidente dos Estados Unidos.
E o que disse? Numa referência a outro whistleblower (Edward Snowden), Christopher Wylie afirmou que o estratega de Trump, Steve Bannon, “estava a tentar criar a sua própria NSA” com recurso aos dados obtidos pela Cambridge Analytica. A NSA é a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, conhecida pelas práticas duvidosas de vigilância em massa da população, muito para lá das fronteiras norte-americanas.
Vale a pena terminar reiterando o ponto com que iniciámos este artigo: se tanta coisa mudou de 2017 a esta parte, o que será do mundo em 2019? O Brasil elegeu Jair Bolsonaro, após meses e meses de notícias falsas a circularem no WhatsApp, e vêm aí mais eleições — na Europa e mesmo em Portugal. A tecnologia continuará a ter um papel preponderante na sociedade e os reguladores vão ditar, nos próximos meses, se as grandes empresas tecnológicas vão continuar a engordar sem limites, ou se vão ter de puxar o travão à força. Ou se até os cidadãos — nós — seguiremos os desafios lançados pelo Presidente da República, nas suas notas finais no encerramento da conferência: usar a tecnologia ao serviço da liberdade, da tolerância e da paz.
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