Acordo, qual acordo? As polémicas do Bloco de Esquerda com o Governo
A Lei de Bases da Saúde é o mais recente caso em que os Bloco anuncia uma medida como fechada que é depois desmentida pelo Governo. A história de um casamento que conta já com outras crises.
Catarina Martins e António Costa protagonizaram esta semana mais uma crise na relação firmada em novembro de 2015 e que permitiu a formação da atual solução governativa. Desta vez o desentendimento entre o Bloco de Esquerda e o Governo foi por causa da Lei de Bases da Saúde, mas esta não é a primeira vez que vêm a público divergências na geringonça.
Tal como em momentos anteriores, no episódio da Lei de Bases da Saúde o Bloco anunciou publicamente que tinha chegado a um acordo com o Governo e o PS quanto a um tema bandeira para os bloquistas, só para ser depois desmentido pelo Executivo. O ECO recupera aqui casos em que este volte-face aconteceu.
As PPP na Saúde
A 17 de abril, o deputado bloquista Moisés Ferreira anunciou o acordo com o Governo para o fim das Parcerias Público Privadas (PPP) na saúde, no âmbito da Lei de Bases da Saúde. Mas o Governo veio dizer no mesmo dia que ainda só havia “documentos de trabalho”. Dias mais tarde (a 22 do mesmo mês), Catarina Martins reiterou a existência de um acordo. Mas no dia 24, o PS entregou propostas de alteração que não proíbem as PPP, embora as condicionem. O que confirmou a ideia de que o que o BE dava como certo, afinal não era. O Bloco disse-se “chocado” e nas comemorações do 25 de abril, quando um entendimento à esquerda parecia ter-se esfumado, Rui Rio entra em cena para dizer que estava disponível para dar a mão ao Executivo nesta matéria.
O caso ganhou novos contornos quando no mesmo dia à noite o Expresso revelou um documento sobre a Lei de Bases da Saúde, onde Marta Temido, a ministra da pasta, assinava alterações com data do final de março que impunham o fim das PPP, indo assim ao encontro das pretensões do BE. Mas esta sexta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, disse, citado pela Lusa, que “posteriormente à distribuição dessa mesma versão, foi dito aos vários parceiros”, incluindo o Bloco de Esquerda, que ela já não correspondia à última posição, desde logo assumida pelo PS em concertação com o Governo.
Os aumentos salariais no Orçamento para 2019
Na noite de 3 de outubro de 2018, o ministro das Finanças e o ministro do Trabalho reuniram-se com o Bloco de Esquerda para negociar as questões mais importantes do orçamento que seria apresentado uma semana e meia depois. O Governo manteve sempre que só queria gastar 50 milhões de euros em aumentos salariais, até porque a despesa com pessoal já iria aumentar quase 800 milhões, mas o Bloco pedia mais e perguntou pela hipótese de esses aumentos serem de dez euros para todos os funcionários, ao contrário dos cinco euros iniciais, o que duplicaria a despesa. Na resposta de Mário Centeno não cedeu, mas também não rejeitou liminarmente.
Ainda antes de a reunião acabar, alguns jornais já avançavam que o Governo estava a estudar essa hipótese sugerida pelo Bloco, o que irritou os ministros presentes e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (na altura Pedro Nuno Santos). A resposta do Governo foi um desmentido oficial do Ministério das Finanças na mesma noite, mas que já não foi a tempo de evitar algumas manchetes nos jornais nacionais. Dois dias depois, Mário Centeno falou ao Público para desmentir uma matéria que estava a ser negociada no Orçamento. Uma estreia para este ministro que, como é habitual, não comenta matérias do orçamento até haver uma proposta.
A taxa Robles
A 9 de setembro de 2018, a líder do Bloco de Esquerda anunciou que estava a negociar com o Governo, desde maio, uma medida para “penalizar” os especuladores do setor imobiliário com uma nova “taxa de IRS”. Catarina Martins explicou que a medida fazia parte do pacote de propostas para o Orçamento do Estado para 2019.
Um dia depois, o Diário de Notícias avançava que o Governo ia aceitar esta proposta. Mas nesse mesmo dia, o líder parlamentar do PS, Carlos César, afirmou que “não há qualquer intenção do Grupo Parlamentar do PS aprovar a proposta do Bloco de Esquerda”. A bloquista Mariana Mortágua mostrou-se surpreendida: “Do CDS já esperávamos voto contra, do PS não”, escreveu no Twitter. “Nem percebo bem aquela proposta”, rematou depois António Costa, matando por completo as hipóteses de ver uma taxa deste género — conhecida como taxa Robles — no Orçamento do Estado.
A taxa das renováveis
Durante o debate do Orçamento do Estado para 2018, que aconteceu em outubro do ano anterior, o Bloco avançou com uma proposta para aplicar às empresas produtoras de energia renovável a contribuição extraordinária sobre o setor energético. O objetivo desta medida era reduzir o preço da eletricidade. A proposta — que entrou no Parlamento durante a fase de debate na especialidade — acabou por estar no centro de uma tensão entre o Bloco e o Governo. É que já depois de a medida ter sido aprovada com a ajuda do PS, os socialistas voltaram atrás e a contribuição acabou por cair.
O líder parlamentar Carlos César prometeu uma “análise cuidada”, mas a tarefa ingrata de defender o volte-face coube ao deputado socialista Luís Testa, que justificou o chumbo com a necessidade de apostar nas renováveis. Pouco depois da argumentação em plenário do deputado socialista, o Governo veio dizer que a mudança devia-se afinal à necessidade de evitar litigância excessiva (o grupo EDP e o Estado já disputavam em tribunal a legalidade da contribuição sobre o setor elétrico). A taxa acabou por integrar o Orçamento do Estado para 2019, mas numa versão que o Bloco considerou mais mitigada, por manter a isenção para as centrais atribuídas por concurso (podendo assim ter um “impacto insignificante”, segundo o BE).
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