O antes e o depois no relatório de inquérito à CGD: há mais adjetivos e nomes
João Almeida entregou relatório preliminar do inquérito à Caixa com 27 conclusões e sete recomendações. Relatório final muda alguns pontos, acrescenta 20 conclusões e duas recomendações.
João Almeida entregou na segunda-feira o relatório preliminar da comissão de inquérito à recapitalização Caixa Geral de Depósitos (CGD) com 27 conclusões e sete recomendações. Mas o documento final — que foi aprovado por unanimidade na quarta-feira — alterou alguns dos pontos elaborados pelo deputado-relator, acrescentou 20 conclusões e deixou mais duas recomendações. O que mudou numa semana?
Cinco meses depois, chegou ao fim mais uma comissão parlamentar de inquérito ao banco público. Foi a terceira em três anos. Foram 36 audições que duraram mais de 120 horas. E horas intermináveis de trabalho de bastidores dos deputados. O resultado final traduziu-se num relatório com 374 páginas, 47 conclusões e nove recomendações, que vai seguir agora para o Ministério Público.
Coube a João Almeida apresentar uma versão preliminar do inquérito ao banco para depois ser “trabalhada” pelos deputados da comissão. Grosso do que foi produzido pelo deputado do CDS foi mantido, mas cada grupo parlamentar quis acrescentar nuances nas conclusões, apresentar novos factos e sugestões sobre o que deve ser feito para evitar novos problemas. Alguns dos pontos foram mais consensuais do que outros.
Constâncio, Constâncio, Constâncio
Foi um dos acrescentos que mais polémica levantou da parte do PSD. No relatório preliminar dizia-se: “Pelo que foi apurado, a maioria das perdas teve origem nos anos do mandato da administração liderada por Santos Ferreira”. Na versão final o PS acrescentou: “… sendo, contudo, de referir que esse mandato coincide com a eclosão da crise financeira internacional iniciada em 2007”. PCP e Bloco de Esquerda deram luz verde à sugestão do PS, isto apesar dos sociais-democratas terem acusado os socialistas de tentarem esconder a má gestão de Santos Ferreira (cuja administração foi nomeada por José Sócrates) atrás da crise.
Nas mudanças feitas entre um relatório e outro salta à vista a responsabilização direta ao governador do Banco de Portugal entre 2000 e 2010. Quando antes se criticava o supervisor enquanto instituição, a versão final dá relevância a Vítor Constâncio. Um desses exemplos está plasmado na conclusão 23: “XXIII. O BdP, então liderado pelo Dr. Vítor Constâncio, não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia”. Na formulação original o nome de Vítor Constâncio não aparecia.
O mesmo acontece na conclusão 19, que passou a dizer: “O BdP, então liderado pelo Dr. Vítor Constâncio, preocupou-se com o reforço dos modelos de governance, mas não com a sua operacionalidade”. E ainda na conclusão 24-A que foi introduzida na versão final: “O Banco de Portugal, na liderança de Vítor Constâncio, embora munido de toda a informação que lhe permitia concluir pelo risco sistémico que se estava a criar com a concentração de empréstimos para aquisição de ações do BCP, nunca alertou a CGD para o perigo que, no seu conjunto ou individualmente, tais operações estavam a criar para o sistema financeiro nacional.”
De resto, sobre a supervisão “burocrática” do Banco de Portugal a que João Almeida se tinha referido, acrescentou-se um novo adjetivo: “displicente”. E assim ficou a conclusão número 20: “Foi exercida uma supervisão do sistema financeiro de forma burocrática e displicente, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez, de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações”.
Santos Ferreira financiou assalto ao BCP?
A CGD é tutelada pelo Ministério das Finanças. O Estado é o acionista único do banco. Ainda assim, “sucessivos governos exerceram de forma deficiente e insuficiente o seu dever de tutela, designadamente, no acompanhamento das decisões dos conselhos de administração da CGD relativas à política de concessão de crédito”, concluiu a comissão de inquérito à CGD. Partiram do PCP as sugestões para se conferir maior responsabilização aos “sucessivos Governos” pelo que de mal se passou no banco público.
Nas críticas aos governos não são mencionados nomes, mas existe uma forte associação ao Executivo de José Sócrates. Diz a 30ª conclusão do relatório final:
- “Não pode ser ignorada a responsabilidade política, em particular do governo em funções no período mais crítico de 2005-2008, durante o qual se verificou não só uma penalizadora omissão de fiscalização acionista, mas também se registaram várias práticas que diretamente contribuíram para os problemas gerados, designadamente: (i) a substituição da administração em funções por outra de confiança política direta, (ii) interferência ou exercício de influência em operações concretas de concessão de financiamentos, e (iii) atribuição de bónus milionários a estes administradores”.
Outro tema que ganhou maior expressão no relatório final foi o “assalto ao BCP”. Aliás, a expressão “assalto ao BCP” não constava na versão preliminar do relatório. Há duas novas conclusões que se referem diretamente ao assunto:
- “Na intromissão da CGD na chamada ‘guerra de acionistas’ do BCP, financiando a compra de ações que tinham como objetivo o controlo deste banco por parte de um conjunto de acionistas, a CGD foi afastada dos critérios de gestão baseados no interesse público que deviam presidir à sua atuação.”
- “No processo conhecido por ‘assalto ao BCP’, apesar das coincidências e acasos referidos pelos envolvidos, não é possível afastar a relação potencial entre o financiamento na CGD da aquisição de participações sociais por decisão de quem veio a transitar diretamente para a administração do BCP (Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e Vítor Fernandes).”
O triangulo nefasto
Sugestão do PSD: “Conclui-se que em Portugal existe e subsiste um grupo restrito de pessoas e empresas que beneficia e concede entre si tratamentos privilegiados, constituindo posições de vantagem para si, que se tornam em sacrifícios e desvantagens para os restantes agentes económicos e para os portugueses em geral”. Esta conclusão também consta do relatório final.
Acrescenta-se ainda a referência a um “triângulo nefasto” composta por figuras do poder empresarial, político e financeiro, que encobriu financiamentos e créditos de favor. Não se mencionam nomes.
- “Um grupo que nesta comissão parlamentar de inquérito reproduziu um padrão de encobrimento mútuo, através de defesa coletiva, do silêncio, da concertação de narrativas e mesmo da falta de memória. Um encobrimento mútuo de práticas de concessão de financiamentos e créditos de favor e de créditos especulativos com condições mais favoráveis, num processo que envolveu um triângulo nefasto de figuras do poder empresarial, político e financeiro.
Estado mais presente na vida da Caixa
Nas recomendações, os deputados procuraram reforçar o papel do Estado enquanto acionista do banco público no ajustamento ao relatório. Se a versão preliminar dizia que “não pode bastar [à tutela] nomear a administração e aferir resultados quantitativos”, acrescentou-se na versão final que o Estado deve promover “uma avaliação regular que possa apreciar de forma adequada e em toda a sua extensão”.
Este foi apenas um acrescento a uma das recomendações que tinham sido apresentadas por João Almeida. Há duas novas recomendações. Uma delas tem a ver com o reforço do diálogo entre Estado e banco público. “Introduzir, na CGD, mecanismos sistemáticos e formais, de diálogo e relacionamento efetivo com a tutela, de modo a evitar decisões casuísticas relativamente a aspetos estratégicos” foi uma das novas sugestões incluídas.
Num âmbito mais geral, a comissão de inquérito deixou ainda a recomendação de que “devem ser instituídos novos mecanismos de transparência na gestão do sistema bancário, contribuindo para que a ocultação de informação de interesse público deixe de ser um fator de impunidade”.
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