Até onde pode o Governo “esticar” os serviços mínimos da greve dos motoristas?
Os sindicatos propuseram serviços mínimos de 25%, enquanto a ANTRAM sugeriu 70%. Contudo, quem decide é o Governo, que já disse estar disposto a "tomar medidas até ao limite".
Sem um entendimento à vista, a greve dos motoristas de matérias perigosas mantém-se agendada para 12 de agosto e por tempo indeterminado. O Governo deverá decretar serviços mínimos até 48 horas antes do início da greve e o objetivo é alargá-los “até ao limite”. Mas, afinal, até onde é que o Executivo pode “esticar” os serviços mínimos?
O ECO foi falar com dois especialistas em direito laboral para perceber se há um limite de serviços mínimos — como deu a entender o primeiro-ministro António Costa — e o que acontece se os sindicatos não concordarem com os serviços mínimos decretados pelo Governo.
A “batata quente” está, agora, do lado do Governo. No pré-aviso para a greve, os dois sindicatos de motoristas envolvidos no protesto avançaram com uma proposta de serviços mínimos para vigorar aquando da paralisação. A sugestão dos sindicatos é de 25%, uma percentagem, contudo, muito inferior à proposta pela Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM).
Para os patrões, o valor avançado pelos sindicatos é “completamente desajustado”, tendo em conta o impacto que esta nova greve terá no país. Assim, quando questionado sobre a percentagem de serviços mínimos que a ANTRAM considera aceitável, André Matias de Almeida, porta-voz da ANTRAM, disse não ser ainda possível adiantar esse valor. Mais tarde, o Expresso adiantou que a proposta dos patrões será a de exigir 70% dos serviços mínimos.
Entre as propostas do sindicato e da ANTRAM situa-se o limite definido pelo Governo a meio da greve de abril. Na altura, o Governo decretou serviços mínimos de 40% em Lisboa e no Porto. O que não se sabe, desta vez, é se o Executivo vai repetir a percentagem. Aliás, de acordo com as declarações do primeiro-ministro, a haver alterações será sempre para cima. Esta sexta-feira, António Costa afirmou que o Governo admite adotar “todas as medidas até ao limite do que a lei e a Constituição permitem” para mitigar o impacto da greve na vida dos portugueses.
Mas o que é “o limite do que a lei e a Constituição permitem”?
Luís Gonçalves da Silva, advogado e consultor na Abreu Advogados, afirma que, ainda que não seja quantificável, o limite de serviços mínimos “consta do quadro legal e decorre do princípio da proporcionalidade”, acrescentando que este princípio diz que é preciso harmonizar um direito com o outro. De acordo com o número 5 do artigo 538.º do Código do Trabalho, “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”.
Neste sentido, “a intervenção do Governo tem de ser necessária, adequada e proporcional”, refere o advogado, salientando que a fixação da percentagem de serviços mínimos assume “uma certa flexibilidade”. Isto porque, para definir serviços mínimos, o Governo terá de avaliar os setores que serão afetados pela greve dos motoristas e, a partir daí, estabelecer a percentagem proporcional.
A intervenção do Governo tem de ser necessária, adequada e proporcional.
“É este o exercício mental que o Governo tem de fazer”, diz Luís Gonçalves da Silva. Um exercício que, para o advogado, será, por si só, um enorme desafio para o Governo. “Sinceramente, tenho dificuldade em pensar num setor que não seja afetado” por esta greve agendada para 12 de agosto e por tempo indeterminado, diz, acrescentando que o Executivo terá, certamente, “alguma dificuldade em estabelecer os serviços afetados”.
A advogada especialista em direito laboral Carla Naia, da Nuno Cerejeira Namora, admite também que “não há quantificações [na lei] de serviços mínimos”, o que é “completamente abstrato”. “São tudo conceitos genéricos para serem adaptados às situações em particular (…) tal como a lei deve ser”, remata.
E se os sindicatos discordarem do valor estabelecido pelo Governo?
Depois de o Executivo decretar serviços mínimos — e, sobretudo, se a percentagem for mais elevada do que os 25% propostos –, os sindicatos têm direito a impugnar a decisão do Governo. Para isso, “podem recorrer ao Tribunal Administrativo”, explica o advogado e consultor na Abreu Advogados. Nesse caso, a decisão é do tribunal, que já, por outras vezes, deu razão aos sindicatos. “Há mecanismos de controlo (…), mas isto não é uma folha de Excel ou matemática”, relembra Luís Gonçalves da Silva.
Já os trabalhadores convocados para serviços mínimos deverão, de facto, cumprir esses mesmos serviços. Caso contrário, poderão ser sujeitos a punições. De acordo com Carla Naia, “há uma resposta direta na lei” para esta questão e chama-se responsabilidade disciplinar.
“A ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada”, lê-se no número 1 do artigo 541.º do Código do Trabalho. Quer isto dizer que, se um trabalhador for convocado para serviços mínimos e faltar ao trabalho, pode valer-lhe uma falta disciplinar”, explica a advogada.
O mesmo artigo, no número 3, estipula, ainda, que, “em caso de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos em legislação específica”. A lei refere-se à requisição civil, um recurso que pode ser usado durante a greve, caso seja verificado o incumprimento dos serviços mínimos decretados.
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