“Constituir comunidades de energia num prédio ou num bairro, é este o modelo do futuro”
Durante a 4.ª edição da Enertech Sabugal – Feira das Tecnologias foram debatidas ideias inovadoras no setor energético. Para Rui Rodrigues, CEO da BeOn Energy, a “democratização solar” é o caminho.
Os recursos gerados no interior do país, nomeadamente os energéticos, estão a ser esgotados por apenas cinco grandes municípios portugueses. Foi esta a ideia-chave que, na sexta-feira, abriu a conferência “Energias do Futuro”, inserida na 4.ª edição da Enertech Sabugal – Feira das Tecnologias para a Energia, iniciativa que reuniu, naquele município da Guarda, um conjunto de especialistas nacionais e internacionais ligados às energias renováveis.
“Uma das coisas fundamentais para aprender aqui é que não somos culpados pela desertificação. Qual é o cancro de Portugal? Onde são consumidos todos os recursos e energia [produzidos no interior]? É aqui nos concelhos do interior? Não é. Os concelhos do interior são sintomas e não a doença. Os cancros estão em cinco concelhos do país: Lisboa, Sintra, Cascais, Vila Nova de Gaia e Porto. É lá que se estão a consumir os recursos energéticos e, no fim da palavra, está o sumir”, lançou, em jeito de provocação, o físico Carvalho Rodrigues, que é também comissário daquela feira.
“Aqui, na Enertech, procuramos soluções. As grandes fontes de problema no país são levar a água até ao 13.º andar nas Torres das Amoreiras, em Lisboa, não é falhar a água no Sabugal. Levar água para aqueles andares todos não é sustentável. Temos de olhar o país de outra forma, se acreditarmos que há um problema energético e ambiental”, destacou Carvalho Rodrigues. “Ninguém gosta de ter cancro, mas onde este se instala é onde se consomem todas as energias. Na Enertech é de onde saem ideias, é a semente. Que o Sabugal seja um centro de um velhíssimo pensamento: tratar das causas e não dos efeitos. A causa é o cancro, os efeitos são a desertificação”, completou este doutorado em engenharia eletrónica, ‘pai’ do primeiro satélite português.
E foram várias as sementes lançadas para debate nesta conferência. Alguns projetos apresentados já deram frutos, como é o caso da BeOn Energy, fabricante de microinversores e pioneira na criação de kits de painéis solares plug & play. Esta empresa, criada em 2015, com sede em Ponte de Sor, Portalegre, revolucionou o mercado energético com a criação de painéis solares que, para gerarem energia, basta estarem ligados a uma qualquer tomada elétrica já existente. “Um só painel pode abastecer três frigoríficos, ou cinco computadores”, ilustrou Rui Rodrigues, CEO daquela que é a startup de energia mais galardoada do mundo, contando com 10 prémios internacionais.
Em três anos, a BeOn já instalou 100 mil kits, evitando que 200 mil toneladas de CO2 poluíssem o ambiente. A maior parte dos clientes são nacionais, destacando-se empresas como a Iberdrola, EDP, Vodafone ou Ikea. Para esta forte procura dos kits de painéis fotovoltaicos contribui o facto de a legislação portuguesa ser “a mais favorável à ligação à tomada de dois ou três painéis” numa só habitação.
O objetivo de Rui Rodrigues é promover a “democracia solar”, permitindo que qualquer pessoa possa produzir a sua própria energia, criando uma comunidade. “Se toda a gente produzir energia renovável, vamos poder ter acesso à troca de energia”, destacou o CEO da BeOn, indo mais longe e lembrando que as próprias autarquias poderiam ser produtoras e venderem energia aos munícipes e vice-versa.
“Quando não estou em casa [a consumir energia], poderia vender o excedente porque não compensa armazenar em baterias. Esta é uma maneira de ficar independente de empresas elétricas. Vai ser possível constituir comunidades de energia num prédio ou num bairro. É este o modelo do futuro”, perspetivou o empresário, lembrando que “Espanha foi o primeiro país na Europa a conseguir [esse modelo]”.
"Se toda a gente produzir energia renovável, vamos poder ter acesso à troca de energia.”
Para já, em Portugal ainda não é possível materializar este modelo, mas a BeOn está a trabalhar nisso. “Vender energia ao meu vizinho ainda é um bocado ficção científica porque é necessário muita tecnologia, mas é isso que já estamos a fazer. O objetivo é ligar os meus painéis aos do meu vizinho, ter todos os painéis interligados, todos saberem qual a energia disponível. A nossa aplicação (app) só terá de encontrar quem quer vender e quem quer comprar e o dinheiro é transferido de uma conta para a outra”, saindo mais barato do que comprar a uma empresa de distribuição elétrica, partilhou Rui Rodrigues.
O CEO da BeOn acredita ainda que, neste modelo, apesar de continuarem a existir custos de transmissão de energia, irá ser mais razoável a aquisição de energia elétrica, passando esta a ser cobrada consoante a distância. “Se comprar ao vizinho de cima trata-se de uma linha interna, em que não pagarei quase nada”, referiu.
No mesmo painel foi ainda apresentada, por José Luís Pascual, diretor geral do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT)Duero-Douro, a comunicação “Do auto-consumo à independência energética: propostas e projetos no Território Duero-Douro”. O AECT Duero-Douro constituiu, em 2017, a cooperativa transfronteiriça Efi-Duero Energy, agregando cerca de 200 municípios e outras entidades de Portugal e Espanha, com o intuito de comercializar a energia elétrica ao preço de custo. Na sua apresentação, José Luís Pascual sublinhou que, ao contrário de Portugal, em Espanha já existe o auto-consumo partilhado. “A energia solar pode ser partilhada. Se os consumidores tiverem rede própria partilhada não têm de comprar energia”, referiu.
Abrangendo uma população de 73.328 habitantes portugueses e de 46.815 espanhóis, em que 73% dos municípios possui menos de 500 habitantes, a cooperativa Efi-Duero Energy acaba por ser a primeira europeia cujo objetivo é a comercialização da energia elétrica através do cooperativismo, oferecendo aos consumidores finais o melhor serviço de consumo elétrico com o menor custo. “Somos poucos, mas merecemos a atenção dos governos e da União Europeia”, destacou José Luís Pascoal. Desde 2018, a Efi-Duero Energy tem já 100 contratos nas províncias de Zamora e Salamanca, beneficiando de uma legislação mais favorável em Espanha. “Em Portugal não comercializamos energia elétrica porque Portugal modificou a legislação e a fiança para operar cá é de 200 mil euros, o que cria dificuldades para operarmos no mercado português”, lamentou o responsável pelo AECT Duero-Douro.
Deste projeto inovador faz parte a ideia de o AECT Duero-Douro arrendar a cada município ou freguesia os telhados dos locais públicos para a instalação de sistemas de painéis solares. Em contrapartida, o município receberá o pagamento desse aluguer em poupança no pagamento da fatura elétrica. Segundo as contas de José Luís Pascual, “em seis anos amortizam os gastos com a instalação”. Quando questionado sobre quem paga a gestão da rede elétrica, o diretor geral do AECT foi assertivo: “Já a pagámos todos. Todas as empresas que construíram a rede já receberam dos governos”.
Durante a conferência, Susana Serôdio, da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), destacou que a energia renovável representa 53% da produção elétrica nacional e que a meta até 2030 é de que se chegue aos 80%. Segundo o estudo apresentado por esta engenheira, é expectável que o impacto no PIB venha a ser na ordem dos 10 mil milhões de euros e que sejam gerados 119 mil empregos direta e indiretamente e 952 milhões de euros para a Segurança Social. Segundo a apresentação de Susana Serôdio, “estes cenários são possíveis, mas com desafios pela frente”, nomeadamente ao nível da implementação do Plano Nacional Energia e Clima 2030, da estabilidade regulatória e financeira, da simplificação do licenciamento, do agregador de mercado, para que o pequeno produtor possa atuar, e em termos de expansão e adequação da rede.
Nesta iniciativa, houve ainda espaço para abordar a temática da produção de hidrogénio a partir de biomassa. Paulo Brito, da Ap2h2-Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio, expressou que “se olharmos para a Europa, todos os países apresentam projetos ligados ao hidrogénio, à exceção de Portugal e Malta”.
Lamentando que no nosso país não se dê ainda a devida atenção a esta energia alternativa, este especialista, doutorado em engenharia química, lembrou que “estamos muito focados na energia elétrica, mas temos também uma componente muito forte, que é a dos combustíveis. Temos de olhar para combustíveis alternativos, como os resíduos florestais”.
“Os projetos podem passar pelo aproveitamento da biomassa, das micro algas, podemos usar resíduos sólidos municipais que estão a ir para aterros, ou material de demolição e construção ou olhar para a atividade agro-industrial e agro-alimentar. Temos matéria-prima para produzir biogás em todo o interior do país”, salientou ainda Paulo Brito.
Para exemplificar que o diesel não fica mais económico que o hidrogénio, este académico referiu que com 1 Kg de hidrogénio se consegue fazer 100 quilómetros de automóvel, o que significa gastar oito euros por kg. “Estou convencido de que a produção de metano e hidrogénio será o futuro”, vaticinou o especialista.
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