Exclusivo Berardo defende-se com Mourinho e CR7 para não perder as condecorações
O ECO teve acesso à carta de Joe Berardo para Mota Amaral onde identifica seis casos de cidadãos que, segundo o investidor, estiveram a braços com a Justiça mas não perderam a condecoração.
Foi no passado dia 30 de setembro que deu entrada na Presidência da República, onde funciona a Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesa, uma carta de Joe Berardo na qual o investidor apresenta os seus argumentos e sua defesa para não perder as condecorações que recebeu de Ramalho Eanes e Jorge Sampaio.
O ECO teve acesso à carta da defesa dirigida ao instrutor do processo disciplinar na qual o ainda comendador dá vários exemplos de casos de outros cidadãos que estão ou estiveram a braços com a Justiça e que mesmo assim não perderam as condecorações. Um dos exemplos dados é o de cidadãos portugueses que têm “processo penais tributários, em jurisdição estrangeira, que culminaram com a condenação do arguido por fraude fiscal”.
A defesa de Berardo diz que estes casos são públicos, mas que por uma questão de “lisura” não identifica as pessoas em causa. O ECO sabe que a defesa do comendador está a referir-se aos casos concretos de José Mourinho e Cristiano Ronaldo, duas personalidades do mundo de futebol que, além de condecoradas, estiveram a braços com a Justiça espanhola. Mas o empresário madeirense dá mais exemplos.
Berardo diz que não sabe do que é que está a ser acusado
Na carta, assinada pelo seu advogado Paulo Saragoça da Matta, a defesa começa por argumentar que na nota de culpa que Joe Berardo recebeu, em momento algum, descreve-se quais são os deveres que foram violados pelo arguido e, como tal, Berardo “não pode sequer exercer um verdadeiro e próprio contraditório”.
Escreve ainda que Mota Amaral não o acusa de violar nenhum dever e apenas o remete para o vídeo de cinco horas que foi o depoimento que Joe Berardo fez no Parlamento no dia 10 de maio, no âmbito da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.
Foi essa comissão que, depois de afirmações polémicas, — tais como “Eu, pessoalmente, não tenho dívidas” e de algumas gargalhadas ‘Ah! Ah! Ah!’ que irritaram os deputados — enviou ao Conselho das Ordens Nacionais um parecer a pedir que houvesse uma avaliação para aferir se Joe Berardo não estaria a violar “os deveres legais dos membros das Ordens”.
Foi no âmbito deste pedido que o Conselho das Ordens Nacionais decidiu instaurar um processo disciplinar contra Joe Berardo que em 1985 recebeu das mãos de Ramalho Eanes o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e, mais tarde, em outubro de 2004, recebeu de Jorge Sampaio a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
A capacidade oratória do arguido
Na carta de defesa a que o ECO teve acesso, a defesa de Joe Berardo justifica algumas declarações mais polémicas do empresário madeirense no Parlamento com o facto de ter sido, durante cinco horas seguidas, alvo de “uma critica permanente à sua conduta”, com “dureza e agressividade” e um “permanente juízo negativo” por parte dos deputados. E, escreve Paulo Saragoça da Matta, “o arguido não é dotado das especiais e elevadas capacidades oratórias e retóricas” dos políticos.
“Não obstante, o arguido é agora confrontado com o presente processo disciplinar, processo esse que se afigura ser singular, quer quanto à sua finalidade, quer quanto à sua falta de fundamento, porquanto se desconhece que outros cidadãos em idênticas ou mais graves situações tenham sido objeto de processos similares“, lê-se na carta de defesa de Joe Berardo.
E que cidadãos condecorados são esses a que se refere Joe Berardo? O empresário madeirense não os identifica, “por ora” e por uma questão de “lisura”, mas refere que “são do conhecimento público”. Depois descreve as situações em que esses cidadãos estão envolvidos, o que nalguns casos torna fácil a identificação das personalidades em causa. A carta identifica seis casos:
- “Processos que redundaram na indiciação dos visados, por corrupção ativa, passiva e participação económica em negócio”;
- “Processos penais tributários, em jurisdição estrangeira, que culminaram com a condenação do arguido por fraude fiscal”;
- “Processos que tiveram como objeto a suposta prática de crimes de natureza sexual”;
- “Processo que tem por objeto a prática (suposta) de crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção passiva e tráfico de influências”;
- “Perdões de dívida em montante superior a 100 milhões de euros”; e
- “Processos que culminaram na inibição para o exercício de cargos em instituições financeiras e na condenação do arguido por crime de manipulação de mercado”.
Os casos de Mourinho, CR7 e João Pereira Coutinho
No segundo ponto existe uma clara alusão aos casos de José Mourinho e de Cristiano Ronaldo, ambos condecorados, sendo que ambos também estiveram a braços com a Justiça espanhola num caso de alegada fuga ao Fisco.
No caso de Cristiano Ronaldo — que foi condecorado em 2004 como Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 2014 como Grande Oficial da mesma ordem e em 2016 com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito — o Conselho das Ordens Honoríficas chegou a analisar a condenação em Espanha por fraude fiscal a 23 meses de prisão com pena suspensa e uma multa de 18,8 milhões de euros, mas considerou que não se justificava a abertura de um processo disciplinar.
José Mourinho também aceitou, em fevereiro, cumprir um ano de pena suspensa e pagar uma multa de 3,3 milhões de euros devido aos crimes de fraude fiscal. O treinador de futebol recebeu das mãos de Jorge Sampaio o Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, na altura, considerou a distinção como “o prémio mais bonito e mais importante” da sua carreira.
No ponto cinco, em que Berardo se refere a um cidadão que teve um “perdão de dívida em montante superior a 100 milhões de euros”, a defesa estará a referir-se ao caso de João Pereira Coutinho que vendeu a Sociedade de Importação de Veículos Automóveis (SIVA) à Porsche por um euro e conseguiu um perdão de 116 milhões de euros por parte da banca. João Pereira Coutinho recebeu a Ordem de Mérito em 2006.
Berardo, o filantropo
Além de ausência de uma acusação concreta e de apontar o dedo a outros condecorados que não perderam as respetivas comendas, a defesa dedica duas páginas da carta enviada a Mota Amaral a explicar o porquê de considerar que Berardo merece continuar com a comenda.
Escreve que Berardo “tem colocado ao dispor dos seus concidadãos um acervo de bens culturais de valor incalculável e que não têm fácil expressão pecuniária“. O comendador é dono da coleção de arte contemporânea que está exposta no Centro Cultural de Belém (CCB) e está atualmente numa disputa com a banca que quer penhorar a coleção para recuperar o empréstimo de quase mil milhões de euros feito ao empresário.
Para demonstrar o que chama de “espírito abnegado” do arguido, a defesa recorda ainda as “quase dezasseis mil bolsas atribuídas, pela Fundação Berardo, a estudantes madeirenses para que estes pudessem prosseguir os seus estudos superiores”.
O advogado Paulo Saragoça da Matta termina a carta a pedir que seja “arquivado o processo disciplinar sem aplicar qualquer sanção”.
Admoestação ou expulsão? Defesa admite ir a Tribunal
Depois de ter apresentado a sua defesa, revelada agora pelo ECO, Joe Berardo terá de aguardar pela decisão do Conselho das Ordens Nacionais que, segundo noticiou o Público esta semana, deverá tomar uma posição antes do Natal.
O investidor madeirense está a ser acusado de violar o ponto n.º 1 do artigo 55º da Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas. E o que diz esse ponto?
“Sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do Chanceler do respetivo Conselho.”
E que deveres são esses? São deveres dos membros titulares das Ordens Honoríficas Portuguesas:
- Defender e prestigiar Portugal em todas as circunstâncias;
- Regular o seu procedimento, público e privado, pelos ditames da virtude e da honra;
- Acatar as determinações e instruções do Conselho da respetiva Ordem;
- Dignificar a sua Ordem por todos os meios e em todas as circunstâncias.
E que penalização pede sofrer Berardo? Se o Conselho das Ordens considerar que Joe Berardo violou a lei, “é imposta ao arguido, conforme a gravidade da falta e do desprestígio causado à Ordem, a sua admoestação ou irradiação”.
O ECO falou com a defesa de Joe Berardo que afirmou que neste último cenário o processo poderá ir parar a Tribunal: “Qualquer decisão desfavorável ao Sr. Comendador será sempre objeto de impugnação”.
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