Pagava um salário mínimo de 750 euros? Fomos perguntar a nove empresários
Nem todos concordam, mas a maioria está confortável com o aumento do salário mínimo para os 750 euros. No entanto, os empresários ouvidos pelo ECO pedem contrapartidas e ganhos de produtividade.
O primeiro-ministro, António Costa, anunciou no sábado que pretende aumentar o salário mínimo nacional para 750 euros até 2023. O ECO falou com nove empresários para perceber se estão disponíveis e têm capacidade para pagar este valor e que contrapartidas “exigem”.
As empresas António Meireles, AMF, 4 Teams, Ecoinside, Continental Advanced Antenna Portugal, HellTread, Castelbel e a startup Monttra concordam com o aumento do salário mínimo para 750 euros. Na grande maioria, os empresários concordam com este aumento salarial mas defendem que é necessário implementar benefícios fiscais para as empresas, de forma a aliviar a “sobrecarga fiscal”.
Albano Fernandes, fundador da AMF, empresa de calçado que emprega 145 funcionários, destaca que “um país que é desenvolvido e quer ser competitivo tem de ter salários mínimos mais interessantes”. Também Bernardino Meireles, presidente do conselho de administração da António Meireles, confessa que esperava um anúncio deste tipo. “Já era expectável que este ano o salário mínimo se aproximasse do salário mínimo da função pública (630 euros), mas a médio prazo não tínhamos ainda nada planeado ou pensado relativamente aos próximos quatro anos do mandato deste novo Executivo”.
Apesar de a maioria das empresas concordarem com o aumento, os empresários consideram necessária a implementação de outras medidas, como a diminuição da carga fiscal. “Existe a necessidade de implementar algumas medidas que beneficiem as empresas com esta eventual subida do salário mínimo para os 750 euros”, destaca Gonçalo Simões Henriques, CEO da HellTread.
Com a mesma opinião surge Pedro Santos, CEO da 4 Teams: “O aumento do salário mínimo deve acontecer de forma gradual e acompanhado de medidas urgentes de apoio às empresas que ajudem a minorar os impactos negativos”.
Com uma posição diferente surge o fundador da Calvalex, César Araújo, que vê este assunto com preocupação. “Um aumento de 25% nos custos salariais em quatro anos não é sustentável para a maioria das empresas que exportam“, refere, em declarações ao ECO.
As contrapartidas e o aumento da produtividade
Um dos desafios apontados pelos empresários para a implementação de um aumento do salário mínimo de 600 para 750 euros até 2023 prende-se com o impacto que esse custo terá nas empresas e a forma como o Estado pode, através de outras medidas, ajudar a aliviar esse encargo extra no balanço.
“A questão é fiscalmente como conseguimos enquadrar isto de forma a que o prejuízo não fique todo do lado das empresas”, refere Albano Fernandes, fundador da AMF. “A partilha dos custos desse aumento salarial não pode ser só da parte das empresas, o Estado tem de apoiar-nos de alguma forma. Caso contrário vai ser muito difícil porque não vamos conseguir competir com mercados como a Albânia e a Roménia, para não falar dos mercados asiáticos”, acrescenta.
O CEO da 4 Teams partilha da mesma opinião do fundador da AMF e considera que “o setor do têxtil e do calçado têm uma concorrência bastante apertada devido à entrada dos mercados asiáticos na Europa” e destaca que é necessário agir nesse sentido.
Além disso, vários empresários abordaram a questão da produtividade e defendem que o aumento do salário mínimo deve estar indexado a este indicador.
As empresas só podem pagar o aumento do salário mínimo nacional se a produtividade também aumentar.
O presidente do conselho de administração da António Meireles explica ao ECO que a produtividade das empresas portuguesas ronda os 64%, o que, na sua ótica, reflete uma “fraca” representação do indicador. O responsável defende ainda que “todos os salários podem ser sustentáveis desde que haja crescimento de produtividade. A variável do aumento do salário mínimo ou dos salários intermédios tem de estar sempre dependente de um acrescento de produtividade por parte dos colaboradores”.
César Araújo partilha da mesma opinião de Bernardino Meireles e destaca que “as empresas só podem pagar esse aumento do salário mínimo se a produtividade também aumentar. Quando falamos em salário mínimo temos de falar em produtividade e em custos do trabalho”, defende. O fundador da Calvelex, que emprega 700 colaboradores, refere que “Portugal tem os custos de trabalho mais elevados da Europa e é preciso ter em atenção que, se as pessoas ganham 14 salários, as empresas pagam 14 vezes à Segurança Social. Quando somamos isso tudo não é de um salário mínimo que estamos a falar”, acrescenta.
Verificámos que, nestes últimos cinco anos, o salário mínimo subiu 15% enquanto os salários intermédios dos quadros subiu apenas 2%. Existe uma degradação do salário médio dos quadros mais competentes em benefício de salários mínimos, que cresceram bastante.
Aquiles Barros, fundador da Castelbel, que emprega atualmente 200 colaboradores, não tem dúvidas de que o salário mínimo deve aumentar e considera que “os trabalhadores ganham pouco” e que “um trabalhador satisfeito produz muito mais do que um insatisfeito”.
Fernando Veloso, CEO da startup Monttra, partilha da mesma opinião. “O aumento do salário mínimo para 750 euros até 2023 é pouco ambicioso”. Refere ainda que “para as pessoas se sentirem motivadas, têm de ter um ordenado digno. Setecentos e cinquenta euros, hoje em dia, é muito pouco. Novecentos seria um número mais razoável. Quando as pessoas ganham mais também gastam mais, o que acaba por contribuir para o desenvolvimento da economia”, defende.
“Empresas já pagam esse valor com os impostos”
Grande parte dos empresários concorda com um aumento do salário mínimo desde que seja acompanhado de medidas urgentes como a diminuição da carga fiscal. “Reduções ao nível do IRC, da TSU, aumento do apoio à contratação, medidas efetivas em matéria de flexibilização das leis laborais, de modo a que possamos manter-nos competitivos face à concorrência estrangeira, nomeadamente Marrocos e Turquia, que se constituem grandes ameaças à industria têxtil portuguesa, são algumas das contrapartidas”, destaca Pedro Santos, CEO da 4 Teams.
Albano Fernandes, fundador da AMF, explica ao ECO que “as empresas já pagam esse valor depois da média pós-impostos e que, depois dos impostos incluídos, as empresas pagam mais que esse valor”. O empresário considera ainda que tem de existir um “ajuste fiscal por parte do Governo para que as empresas possam ser apoiadas para se manterem competitivas”, acrescentando que “a dedução do valor do IRS dos funcionários poderá ser uma solução, assim como a redução do TSU ou do próprio IRC”.
“As empresas têm uma carga fiscal enorme o que, por vezes, não permite que sejam competitivas”, salienta César Araújo, acrescentando que a redução da TSU poderá ser parte da solução mas que existe muito caminho a ser feito, uma vez que “os impostos estão a estrangular as empresas”.
Também Ricardo Marques, diretor comercial da Ecoinside, empresa de energia que conta com dez colaboradores, partilha da mesma opinião e defende o aumento do salário mínimo a troco de medidas de incentivo: “Tudo o que represente um aumento dos rendimentos dos funcionários é positivo, mas devem existir medidas de incentivo, tais como apoio à contratação de novos funcionários, a que os contratos a termo passem a contratos sem termo”.
Precisamos de estabilidade fiscal. Temos de ter a garantia que o regime fiscal não está constantemente a mudar.
Na mesma linha de pensamento está Gonçalo Simões Henriques, CEO da HellTread, que destaca que “é preciso lembrar que a tributação das empresas em Portugal é muito elevada”. Por isso, o empresário considera que devia existir um “alívio fiscal sobretudo para quem cria emprego, para quem cresce e exporta”.
Com uma opinião contrária em relação ao benefícios fiscais surge Miguel Pinto, diretor geral da Continental Advanced Antenna Portugal, empresa de Vila Real que emprega 550 colaboradores. “Mais importante que os benefícios fiscais é a estabilidade fiscal. Temos de ter a garantia de que o regime fiscal não está constantemente a mudar. Precisamos de estabilidade fiscal porque, até para novos investidores pode ter um efeito dissuasor”.
O fundador da Castelbel partilha da mesma opinião. “Existem empresários que vivem do apoio do Estado permanente e isso não me parece um bom princípio. Aumentar o salário dos funcionários tendo por base a contrapartida dos benefícios fiscais é uma maneira errada de ver o problema”, constata, sublinhando que “existem empresas que precisam de apoio, outras nem tanto” e que, por isso, “é necessário considerar que os setores não são todos iguais”.
Aumenta-se o salário mínimo, ajusta-se o médio
O presidente do conselho de administração da António Meireles, empresa que conta com 188 colaboradores, explica ao ECO que “nestes últimos cinco anos, o salário mínimo subiu 15% enquanto os salários intermédios dos quadros subiu apenas 2%. Existe uma degradação do salário médio dos quadros mais competentes em benefício de salários mínimos, que cresceram bastante”.
Assim, o empresário considera que a o aumento do salário mínimo deve ser acompanhado de um crescimento do salário médio, uma vez que “quando ajustarmos o mínimo, temos de ajustar os restantes escalões”.
Pedro Santos, CEO da 4 Teams, que emprega 94 colaboradores, corrobora com a ideia de Bernardino Meireles e refere que esta “será uma consequência lógica”. O fundador da AMF partilha da mesma opinião: “O salário médio tem que acompanhar, quando ajustarmos o salário mínimo vamos ter que ajustar todos os escalões”.
“A tendência será que todos os salários se vão ajustando — isso seria o ideal –, mas acho difícil que as empresas, particularmente as PME, tenham essa capacidade de atualizar os salários. O que vai acontecer é uma aproximação do salário mínimo ao salário médio”, defende o diretor comercial da Ecoinside.
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