Juro de 4% e amor à camisola pode dar milhões ao Benfica. Venda de dívida arranca hoje
SAD encarnada avança com empréstimo obrigacionista de 35 milhões de euros, com uma taxa de juro de 4%. Prazo para subscrever, pelo menos, 100 títulos começa esta segunda-feira e dura até 10 de julho.
O Benfica está de regresso ao mercado de dívida para o retalho. Apesar do risco associado à situação financeira por todo setor e dos elevados custos deste tipo de investimento, a expetativa é que a SAD do clube encarnado consiga arrecadar os 35 milhões de euros em obrigações a três anos. O investimento emocional deverá ser a chave para o sucesso da emissão.
A período de subscrição das obrigações Benfica SAD 2020-2023 arranca esta segunda-feira e dura até 10 de julho. Em plena crise provocada pela pandemia, o clube propõe-se a pagar, aos investidores de retalho, uma taxa de juro bruta de 4%. Na última emissão, realizada em maio do ano passado, a SAD encarnada pagou um juro de 3,75%.
“Este incremento da taxa de juro face à ultima emissão é justificado pelo aumento do risco resultante da pandemia da Covid-19, que terá um impacto negativo nas contas da empresa, uma vez que haverá uma quebra nas receitas desportivas de venda de jogadores que é uma das principais fontes de rendimento do clube”, diz David Silva, analista da corretora Infinox.
No prospeto de 127 páginas da operação enviado pela SAD à Comissão do Mercado de Valores (CMVM), 15 destas estão relacionadas exatamente com os riscos que fazer este investimento acarreta. Há os tradicionais alertas sobre resultados desportivos e financeiros, mas, desta vez, há um grande alerta sobre os impactos da pandemia. Admite que podem ser significativamente adversos tendo em conta que deverá levar a que não haja, este ano, grandes negócios na época de transferências.
"O estado fundamental dos clubes não é bom e o rendimento de 4% revela também um aumento no nível de risco destas obrigações. A situação do FCP e do SCP também não está famosa, embora haja clubes estrangeiros em piores lençóis”
“É conhecimento geral que a Covid-19 teve um impacto particular nas finanças dos clubes de futebol europeus, especialmente no que toca ao valor dos clubes e dos seus jogadores. Esta urgência da SAD benfiquista pode ser indicador da situação interna da empresa”, aponta André Neto Pires, analista da corretora XTB. “O estado fundamental dos clubes não é bom e o rendimento de 4% revela também um aumento no nível de risco destas obrigações. A situação do FCP e do SCP também não está famosa, embora haja clubes estrangeiros em piores lençóis”, refere, apontando para o exemplo do adiamento do reembolso de obrigações do Porto por um ano devido ao vírus.
Investimento emocional deverá ignorar efeito Covid
O próprio presidente da SAD benfiquista, Luís Filipe Vieira, já admitiu o buraco. No início do mês, o líder dos encarnados avançou que o clube já acumulava uma perda de 20 a 25 milhões de euros de forma direta, a que acrescem 200 milhões de euros em vendas de dois jogadores que não se concretizaram.
Mesmo perante os desafios financeiros criados pelo coronavírus, o CFO Domingos Soares de Oliveira garantiu que os lucros do clube não estão em risco. Mas os analistas destacam que, no caso específico das SAD, os resultados financeiros ficam em segundo plano.
“Tratando-se de decisões mais emocionais que racionais, penso que o seu sucesso vai depender mais da força mediática do que da solvabilidade financeira“, admite Carlos Pinto, senior investment manager da Optimize. “Quando falamos em emissões das SAD, observamos que a generalidade das decisões são primordialmente emocionais, muitas vezes imbuídas em espírito de missão para ajudar a própria instituição que se é adepto”.
"Quando falamos em emissões das SAD, observamos que a generalidade das decisões são primordialmente emocionais, muitas vezes imbuídas em espírito de missão para ajudar a própria instituição que se é adepto.”
Paralelamente, a indústria é sui generis já que a maioria do capital é detida pelos próprios sócios, sendo estes que elegem os gestores das respetivas SAD. “Os interesses desportivos acabam por ter um peso demasiado elevado face ao peso financeiro condicionados pelo fervorismo dos seus adeptos. Com isto quero dizer que estamos perante uma indústria em que os seus gestores têm como principal prioridade gerar resultados desportivos, deixando muitas vezes, os financeiros para segundo plano”, afirma.
Juro é atrativo, mas comissões pesam
Os analistas são, assim, consensuais na expectativa que o clube consiga fechar com sucesso a operação, na qual pretende arrecadar uma receita global líquida de 33,8 milhões de euros. Até 8 de julho, a SAD benfiquista pode decidir aumentar o montante da oferta, consoante a sua necessidade de fundos e a dinâmica da procura. Os resultados serão apurados a 13 de julho.
“O Benfica conta com um exército de adeptos que poderão apreciar a emissão destas obrigações. Embora o momento pareça arriscado, julgo que a procura não sofrerá um impacto comprometedor. Inclusive, caso a operação corra bem, a SAD poderá desejar aumentar o número desses títulos“, espera Neto Pires.
Da mesma forma, Silva lembra que “é principalmente nestes períodos de pandemia ou de maior risco que se encontram boas oportunidades” de investimento. “Creio que esta emissão obrigacionista não fugirá àquilo que tem sido as últimas emissões (em que a procura é superior à oferta), e deveremos ter uma boa procura por estes títulos”.
"É principalmente nestes períodos de pandemia ou de maior risco que se encontram boas oportunidades de investimento, pelo que, creio que esta emissão obrigacionista não fugirá àquilo que tem sido as últimas emissões.”
Pinto — que também antevê uma revisão em alta do montante da oferta — concorda que o juro é atrativo, especialmente ponto em contexto. “Num ambiente de taxas de juro 0% ou até mesmo negativos, não é fácil encontrar alternativas que não representem riscos elevados”, diz. Tratando-se de investidores de retalho, recomenda que ativos high yield tenham uma peso “muito residual” numa carteira de investimento bem diversificada, ou seja inferior a 2% para mitigar o risco de crédito específico do emitente.
Alerta ainda que dada a baixa dimensão da emissão e o reduzido número de oferentes no mercado secundário, estas obrigações têm baixa liquidez, sendo que nesta conjuntura de incerteza, os investidores tendem a procurar ativos que consigam desfazer-se em qualquer altura para colmatar necessidades de curto prazo. “Além do mais, os custos bancários para custodiar e receber os cupões devem ser tidos em conta“, acrescenta sobre os custos cobrados pelos bancos, que podem ser consultados no simulador da CMVM.
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