Web Summit em risco de sair de Portugal após Câmara e FIL falharem acordo
Prazo de negociações entre a Câmara de Lisboa e a Fundação AIP chegou ao fim sem acordo. Contrato entre o Web Summit e o Governo português poderá entrar em incumprimento já em 2022.
Terminou o prazo para a Câmara de Lisboa e a Fundação AIP chegarem a acordo sobre as obras de requalificação da FIL no Parque das Nações, mas as negociações nem sequer foram encetadas. Sem acordo relativamente ao contrato entre as duas entidades para estudar e avaliar a expansão das instalações, Portugal arrisca-se a violar o contrato celebrado com a empresa organizadora do Web Summit.
O contrato assinado entre o Web Summit — que se mudou para Lisboa em 2016 — e Portugal partiu de um acordo entre a empresa irlandesa, o Governo nacional e a autarquia lisboeta. As duas partes nacionais tinham, entre outras coisas, de garantir o espaço indicado para realizar o evento o que dadas as dimensões, restringe a escolha a apenas uma localização: a FIL e o Altice Arena, em Lisboa.
A negociação formal do contrato deveria ter ficado concluída até ao final do primeiro semestre deste ano. Mas devido à pandemia, não houve quaisquer negociações, apurou o ECO. Por isso, a permanência do evento em Portugal pode estar em risco. Em cima da mesa dos irlandeses estará mesmo a mudança de localização do maior evento de tecnologia e empreendedorismo do mundo para uma cidade espanhola.
Contactados pelo ECO, nem a Câmara de Lisboa nem a Fundação AIP quiseram fazer comentários.
Hola? de nuevo, Paddy
Em 2018, durante o período da renegociação entre Portugal e o Web Summit — que efetivou a mudança do evento para Lisboa por mais dez anos –, Paddy Cosgrave esteve em Berlim e Amesterdão, em Milão, depois em Paris. Nessa altura, em cima da mesa, além de Lisboa, havia várias opções: Espanha concorreu com um pacote triplo — Madrid, Valência e Bilbau –, o Reino Unido foi a jogo com Londres, França com Paris e a Alemanha, além da óbvia Berlim, ofereceu ainda Munique e Hamburgo.
Na altura, os espanhóis começaram por anunciar, a nível local, a candidatura de Valência mas, entretanto, a estratégia de nuestros hermanos mudou. A candidatura espanhola passou a ser feita por três cidades — Valência, Madrid e Bilbau –, em bloco, suportada pelo Governo central e com um argumento de peso: o Mobile World Congress, maior evento de tecnologia de comunicações, em Barcelona, que costuma acontecer no final de fevereiro (a edição de 2019 é entre 25 e 28 desse mês).
Com uma assistência de mais de 107 mil participantes, o congresso foi, em 2018, um dos trunfos espanhóis neste duelo ibérico. “O Governo apoia as três candidaturas para trazer para Espanha o maior congresso europeu de tecnologia digital”, segundo a informação à imprensa, acrescentando o “empenho total e apoio institucional” do Executivo, sublinhando que Espanha aspira tornar-se numa “referência mundial nas novas tecnologias”.
O que está em causa?
O complexo da FIL pertence à Fundação AIP desde 2011, e inclui, além dos quatro pavilhões da Feira Internacional de Lisboa — com um total de 40 mil metros quadrados de área –, a Praça Sony, nome que data da Expo 98. Além destes dois espaços, o Web Summit tem usado ainda o Altice Arena, antigo Pavilhão Atlântico, comprado pelo consórcio de Luís Montez, dono da produtora Música no Coração, e Álvaro Ramos, da Ritmos&Blues, em 2012. O contrato com o Web Summit prevê que esta área disponível chegue aos 90 mil metros quadrados em 2022.
O Governo e a autarquia estariam, na época, alinhados com os dois proprietários privados para a remodelação do espaço pensada, segundo Fernando Medina, “não apenas para realizar o Web Summit como para atrair outros eventos internacionais” para um espaço que, até agora, não existe em Portugal. No entanto, o presidente da Fundação AIP reconhecia, em antecipação ao evento do ano passado, que o modelo que estava pensado para o crescimento da Feira Internacional de Lisboa (FIL) não estava preparado para a área total pretendida pelo Web Summit, isto é, o crescimento das instalações estava previsto num horizonte de dez anos, mas Paddy Cosgrave quer que tal melhoria seja antecipada até 2022. “A antecipação significa qualquer coisa como 90 milhões de euros”, adiantava, na altura, Jorge Rocha de Matos.
De acordo com a informação avançada pela organização do Web Summit em outubro de 2018, as primeiras obras de requalificação estariam agendadas para 2019. O plano de expansão inclui uma primeira fase de transformação e abertura dos pavilhões já existentes, de maneira a aproveitar o espaço vazio entre eles para, numa segunda fase, avançar com obras de construção, nos pavilhões já existentes e na própria Praça Sony. Foi nesta fase que a negociação terá bloqueado e não chegado a bom porto.
Em meados do ano passado, foi tornado público o braço de ferro entre Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, e a Fundação AIP. Na altura, a autarquia lisboeta andaria, pela região, à procura de novas potenciais localizações. A acompanhar a equipa estaria Paddy Cosgrave, que deu nota disso mesmo na altura, através de uma publicação no Twitter, assim como “o maior construtor e operador de conferências e exposições do mundo”, uma vez que havia “uma oportunidade por explorar” em Lisboa.
Nessa altura, Fernando Medina não confirmou se acompanhou o líder do Web Summit nesta visita, limitando-se a responder que “a CML colaborou no levantamento de possíveis locais e discutiu com a equipa as conclusões” do mesmo, que foi “realizado com o apoio de consultores internacionais”.
Em 2019, as contas da Fundação AIP, dona da FIL, melhoraram devido ao Web Summit. O evento, que garantiu a circulação de mais de 70 mil pessoas pela zona do Parque das Nações, em Lisboa, e um retorno financeiro de cerca de 300 milhões de euros ao país, contribuiu para um resultado antes de impostos de 4,6 milhões de euros em 2019 da Fundação. O resultado reflete uma melhoria de 30% face ao ano anterior, já contabilizando o impacto de eventos como o Web Summit, que deverá continuar a ajudar as contas da instituição nos próximos anos.
A permanência do Web Summit em solo nacional, acordada até 2028, prevê um investimento anual de 11 milhões de euros, repartido entre o Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa e o Ministério da Economia e que se mantém este ano, adiantou o ECO, mesmo com a realização do evento em formato 100% digital.
Em entrevista ao ECO, em maio do ano passado, Paddy Cosgrave dizia que o crescimento do Web Summit em Portugal dependia precisamente das obras de ampliação da FIL. “A minha previsão é que sim, está a crescer, mas a escala do Web Summit até ao alargamento da FIL vai ser a mesma, talvez durante dois ou três anos. O que para nós é uma oportunidade de respirar e fazer uma série de melhoramentos. Se o evento fica maior, obviamente que o impacto cresce, mas isso dependerá do venue. Não há maneira de agora o fazer maior”, assinalava, em conversa com o ECO em Toronto.
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