Vacinas e inflação nos pratos da balança para decidir se faz sentido “sell in may”
Ações estão em terreno positivo no ano. Apesar de a inflação alterar as perspetivas dos bancos de investimento, a vacinação deverá impulsionar o crescimento económico e os resultados empresariais.
Maio é — tipicamente — o mês de vender. O conselho subjacente ao adágio sell in May and go away, and come on back on St. Leger’s Day é evitar a volatilidade sazonal entre maio e setembro. Mas este ano (tal como o anterior) é tudo menos típico. Após os primeiros quatro meses de 2021 terem positivos para as bolsas, os investidores vão agora pesar o impulso da vacinação e os riscos da inflação.
O ambiente tem sido favorável com as ações a beneficiarem das injeções de liquidez causadas por políticas monetárias e orçamentais fortemente expansionistas. Se na viragem do ano o entusiasmo com estes apoios era refreado pela situação epidemiológico, a aceleração da vacinação (especialmente nos EUA) inverteu a situação.
Entre janeiro e abril, as principais bolsas mundiais — MSCI World, Stoxx 600 ou S&P 500 — acumularam ganhos próximos de 10%, sendo que, em Portugal, o ganho do PSI-20 é mais modesto, nos 3,5%. Nos Estados Unidos, este período incluiu os primeiros 100 dias do Presidente Joe Biden na Casa Branca, que deu ao S&P 500 e ao Dow Jones o melhor desempenho comparável desde 1933, quando Franklin D. Roosevelt chegou à Sala Oval.
"A Europa pode estar atrasada apenas alguns meses até que as campanhas de vacinação recuperem, mas representa uma diferença significativa, tal como acontece com a escala comparativa de estímulos orçamentais que estão em vigor.”
Biden assinou um número recorde de 15 ordens executivas e duas ações executivas, reverteu a saída do Acordo de Paris decidida pelo antecessor Donald Trump e lançou um plano com 1,9 biliões de euros para impulsionar a economia até setembro. No combate à pandemia, o país está a administrar três milhões de vacinas por dia, tendo já ultrapassado as 200 milhões de doses. Mas nem todos os países têm conseguido fazer o mesmo.
“Os diferentes padrões traduzir-se-ão em recuperações económicas divergentes. A China e os EUA lideram o crescimento, neste último caso ajudados por grandes quantidades de estímulos governamentais promovidos pela administração Biden. A Europa pode estar atrasada apenas alguns meses até que as campanhas de vacinação recuperem, mas representa uma diferença significativa, tal como acontece com a escala comparativa de estímulos orçamentais que estão em vigor”, alertam Jan Lambregts, head of research, e Michael Every, global strategist, da divisão de estudos do RaboBank.
Neste cenário, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu este mês em alta as projeções para a economia global, que espera que expanda 6% em 2021 (contra 5,5% previstos em janeiro), em grande parte devido aos estímulos orçamentais e aos Estados Unidos. O país deverá crescer mais que a média (6,4%), enquanto a Zona Euro poderá ficar-se pelos 4,5%. Ainda assim, a região da moeda única irá recuperar.
"Os bancos centrais já alertaram para o facto de que as taxas de juro deverão permanecer baixas por muito tempo, que a inflação atual não será suficiente para atuarem e que não estão preocupados com o estado atual das curvas das obrigações soberanas.”
Se os estímulos monetários e orçamentais e as projeções para a economia são o combustível para os mercados, são também uma das causas para um dos receios que assola nos últimos meses os investidores. Com dinheiro barato e abundante, a vacinação a avançar e as perspetivas de crescimento económico a melhorarem, as pressões inflacionistas têm feito soar alarmes.
Se o crescimento for sincronizado, a vacinação bem-sucedida e a poupança acumulada das famílias for usada para o consumo (em vez de investimento ou desalavancagem), o cenário poderá ser de inflação moderada. No entanto, é possível que haja um segundo cenário de estagflação da economia caso haja um reajuste das cadeias de fornecimento com agravamento de custos para empresas, escassez do abastecimento de matérias-primas devido ao subinvestimento, maior alavancagem das empresas causada por excesso de estímulos e se a oferta não conseguir corresponder ao consumo.
“Os índices do mercado acionista parecem estar a posicionar-se em torno do cenário 1, ao passo que, o aumento das yield das obrigações soberanas poderá ser um sinal do mercado obrigacionista de que um cenário em que a estagflação acabe por se impor, não seja totalmente de descartar”, aponta Hugo Gerald Freitas, responsável de produtos de investimento do Abanca Portugal.
"Esperamos ganhos sólidos, especificamente por causa da retoma dos resultados empresariais. Antecipamos um bom desempenho dos mercados acionistas, mas que a liderança mude para setores ciclos em vez da tecnologia.”
A inflação penaliza o poder de compra das famílias e os custos de financiamento de países e empresas (e, consequentemente, o mercado obrigacionista). Por outro lado, o ouro, as obrigações vinculadas à inflação e algumas ações podem sair beneficiadas. Isto se não chegar a níveis preocupantes, mas “os bancos centrais já alertaram para o facto de que as taxas de juro deverão permanecer baixas por muito tempo, que a inflação atual não será suficiente para atuarem e que não estão preocupados com o estado atual das curvas das obrigações soberanas”, aponta.
No mercado acionista, a inflação dá força não só a empresas com capacidade de fixação de preços (face às que não conseguem passar o aumento dos custos e têm margens diminuídas), mas também uma rotação setorial de growth — títulos com desempenho acima do mercado como a tecnologia — para value — tendencialmente mais baratos e que poderão gerar retorno a mais longo prazo como utilities. Essa perspetiva do Abanca é partilha pelo JP Morgan.
“Acreditamos que a recuperação será mais robusta que o esperado e, no que diz respeito às ações, somos pró-risco. Esperamos ganhos sólidos, especificamente por causa da retoma dos resultados empresariais. Antecipamos, por isso, um bom desempenho dos mercados acionistas [no segundo trimestre do ano], mas que a liderança mude para setores ciclos em vez da tecnologia”, explica Elena Domecq, responsável para Portugal e Espanha do banco de investimento.
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