Cimeira social é o “momento alto” da presidência portuguesa
Quatro anos após o acordo sobre o pilar dos direitos sociais em Gotemburgo, o Porto acolhe a cimeira social para planear os próximos 10 anos. Este é o "momento alto" a presidência portuguesa da UE.
Foi em novembro de 2017 que as instituições europeias e os Estados-membros assinaram o acordo sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, reforçando a cooperação numa área em que a competência é maioritariamente nacional. Quatro anos depois e com pandemia pelo meio, a qual agravou a desigualdade e criou problemas sociais, a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia tenta dar um passo em frente na cimeira social, o “momento alto” destes seis meses em que Portugal esteve à frente dos assuntos europeus.
Esta também seria a primeira vez em que todos os chefes de Estado iam estar juntos fisicamente desde que a presidência portuguesa começou, mas a pandemia voltou a trocar as voltas: a chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro holandês Mark Rutte estão entre os líderes europeus que tiveram de cancelar a sua viagem ao Porto, assim como o primeiro-ministro de Malta, Robert Abela. Também o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, não estará presente no encontro UE-Índia que se segue à cimeira social por causa da difícil situação que se vive na Índia, participando por videochamada.
“O Governo português deu uma grande prioridade à questão social na sua agenda“, diz Margarida Marques, eurodeputada do PS ao ECO, concordando que este é o “momento alto” da presidência portuguesa. Isto se for alcançado um “compromisso político” relativo ao plano de ação proposto pela Comissão Europeia para concretizar o pilar europeu dos direitos sociais, apesar da “diversidade das políticas sociais” entre os Estados-membros — esse é o caso da Suécia, que albergou em Gotemburgo a cimeira social em 2017, em que a relação laboral é decidida maioritariamente no diálogo social.
Paulo Sande, ex-candidato do Aliança às eleições europeias, corrobora que esta é a “grande aposta” do Governo português e que, em simultâneo, “este é um momento importante em termos europeus” por se “transformar” o pilar em “objetivos concretos”. “A Europa não tem competências em políticas sociais (é uma responsabilidade nacional), mas procura colmatar esse problema“, explica o especialista em temas europeus, assinalando que não se trata de “harmonização legislativa” mas sim de objetivos comuns, o que não de ser uma “ambição grande”.
Em causa está o compromisso à volta de três objetivos, os quais deverão fazer parte da “Declaração do Porto” que os líderes europeus vão assinar: ter pelo menos 78% da população empregada, 60% dos trabalhadores a receberem formação anualmente e menos 15 milhões de pessoas, cinco milhões das quais crianças, em risco de pobreza e exclusão social na União Europeia. Pela primeira vez, os parceiros sociais da Europa também estarão incluídos na discussão, os quais deverão assinar o “Compromisso do Porto”. Estes dois documentos serão os dois “marcos” da cimeira.
Se estes documentos forem assinados, os “Estados-membros têm a obrigação de trabalhar para atingir esses objetivos“, diz Margarida Marques, notando que a Comissão Europeia “irá monitoriza os progressos feitos” nestes objetivos globais partilhados por todos os países. Paulo Sande assinala que haverá uma reavaliação da situação em 2025, admitindo que estamos perante uma “quadratura do círculo” onde se faz o “possível numa matéria onde há divergências”.
“Esta é uma tentativa de ir mais longe na resposta a problemas que existem e estão definidos no pilar europeu dos direitos sociais, mas os passos têm de ser dados tendo em conta as limitações decorrentes das competências e as visões diferentes entre os países”, sintetiza Sande, notando que há “uma grande vantagem que é ter objetivos bem quantificados”.
11 países resistem à “europeizição da política social”
Duas semanas antes da cimeira social, 11 Estados-membros assinaram um non-paper, segundo o Politico.eu, em que deixavam um aviso para que as iniciativas europeias neste domínio não fossem longe demais. O objetivo é preservar a autonomia dos países na definição da política social, ainda que admitindo coordenação e complementaridade por parte da União Europeia, e não dar mais poder à Comissão Europeia.
Confrontado com esta resistência de países como a Suécia — que acolheu em 2017 a cimeira social em Gotemburgo –, o ministro dos Negócios Estrangeiros reconhece as divergências, mas considera que a posição destes Estados-membros não é contrária à cimeira social ou ao plano de ação da Comissão Europeia. Apenas “vinca que a política social é competência dos Estados-membros e que deve continuar a ser”, nota.
“A preocupação não foi contrariar a realização da cimeira social, não foi contrariar os projetos que estavam em preparação, pelo contrário… Foi lembrar que a política social é uma competência de cada Estado-membro”, argumenta, assinalando que o objetivo da presidência portuguesa é “tentar atingir a máxima coordenação possível” mas sem colocar em causa a “tradição” de cada país.
“Vários Estados-membros entendem que não devemos seguir um caminho da ‘europeizição’ da política social“, reconheceu, dando o exemplo concreto do salário mínimo em que Portugal defende que haja uma diretiva europeia enquanto esses países preferem que não haja intervenção europeia a esse nível. Para o Governo português seria “vantajoso” aumentar a coordenação das políticas sociais na UE ao nível legislativo, mas não é isso que estará em causa nesta cimeira social.
Contestação à esquerda “é natural”
Fora do Centro de Congressos da Alfândega e do Palácio de Cristal, locais do Porto onde a cimeira social decorrerá, haverá contestação nas ruas com o Bloco de Esquerda e a CTGP a lançarem críticas ao Governo português e à União Europeia. “Quando se discute o pilar europeu dos direitos sociais mas o trabalho continua a não ser valorizado, temos de lutar para inverter o rumo do País e reafirmar as nossa reivindicações”, disse recentemente Isabel Camarinha, a secretária-geral da CGTP. Do lado do Bloco de Esquerda, Sérgio Aires, candidato do partido à câmara nortenha, explicou que a “organização desta contra-cimeira tem intenção de demonstrar a nossa insatisfação com aquilo que se prevê que sejam os resultados da Cimeira Social do Porto, nomeadamente no avanço dos direitos sociais”.
“É natural que as esquerdas queiram ter uma palavra a dizer em matéria de políticas sociais”, comenta a eurodeputada do PS. Já Paulo Sande considera que “não serve para grande coisa” dado que estes problemas têm de ser resolvidos “com delicadeza”. Mas Margarida Marques faz questão de deixar uma mensagem à contestação à esquerda: Portugal (e outros países) não vai diminuir a sua “ambição” nas políticas sociais pelo que ficar acordado na cimeira. O objetivo é uma base comum partilhada pelos países europeus para garantir o mínimo de proteção social em toda a União Europeia, mas isso não deve inibir avanços mais significativos em cada país, argumenta.
O mesmo argumento é dado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, o qual desvaloriza as manifestações. “É uma dinâmica que é positiva na democracia. Precisamos todos uns dos outros”, concluiu.
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