Embaixada da Rússia não enviou dados de manifestantes a Moscovo
O embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto contra o governo de Putin realizado em Lisboa.
O embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou esta sexta-feira que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto contra o governo de Putin realizado em Lisboa, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.
“Se fôssemos conservar esses dados, iríamos ter uma biblioteca de dados. Por isso repito: não conservámos, não mandámos a Moscovo, porque isso não interessa, são umas coisas minúsculas que passam”, declarou Kamynin. O embaixador falava no Palácio de Sant’Ana, em Ponta Delgada, depois de ter sido recebido pelo presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro.
Os jornais Expresso e Observador noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
O embaixador da Rússia em Portugal reforçou que os dados dos manifestantes foram eliminados e que a partilha de informações “não é um caso único”. “Para nós, é um processo normal e claro que qualquer instituição que recebe determina o que fazer com esses dados. No nosso caso, lemos e retiramos, porque não representa para nós nenhuma importância”, afirmou.
E reforçou: “Claro [que apagamos dos dados], porque não os conservamos. Não temos nenhum banco de dados de organizadores de manifestações, porque as tarefas da embaixada aqui são outras”.
Numa conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu “desculpas públicas” e assumiu que foi “um erro lamentável que não podia ter acontecido”. O autarca socialista anunciou também que pediu uma auditoria sobre a realização de manifestações no município nos últimos anos, tendo em conta que a câmara lidera o processo desde 2011, depois da extinção do cargo de governador civil.
O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos, nomeadamente do PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, Livre e Volt Portugal. Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.
O PSD e o CDS-PP anunciaram que vão chamar Fernando Medina ao parlamento, com os sociais-democratas a estenderem esse pedido ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. A Comissão Nacional de Proteção de Dados confirmou que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.
Bastonário dos Advogados defende alteração rápida de lei sobre manifestações
O bastonário da Ordem dos Advogados defendeu hoje que a legislação que regula manifestações deve ser alterada rapidamente para evitar situações como a dos ativistas identificados pela Câmara de Lisboa às autoridades russas. “É muito importante que, rapidamente, o parlamento aproveite esta situação para rever este diploma e fazer uma efetiva lei para o exercício do direito de manifestação que estabeleça com muita clareza quem é que tem que ser notificado, qual é o tratamento que é preciso estabelecer relativamente aos dados dos organizadores e alterar toda esta situação, é fundamental que isso ocorra”, declarou Luís Menezes Leitão à agência Lusa.
Menezes Leitão referiu que a lei seguida pela Câmara é o decreto-lei 406/74, “um diploma do governo de Vasco Gonçalves” que prevê a identificação de três organizadores de qualquer manifestação. Na sua redação original, previa que seriam os governos civis – entretanto extintos – a recolher essa informação e a fazer uma comunicação sobre a manifestação “às autoridades e demais entidades”, uma competência que em 2011 passou para as autarquias.
“Só que não diz que entidades são, dizendo no entanto que há que ter especial cuidado relativamente a manifestações feitas junto de embaixadas“, indicou o bastonário. “Já se devia ter feito uma alteração a este decreto-lei, porque não podemos estar no século XXI a utilizar um decreto-lei de 1974, criado no âmbito de uma situação militar” de processo revolucionários em curso, reforçou Menezes Leitão.
Os ativistas russos já anunciaram que vão apresentar queixa da autarquia pelo sucedido, mas Menezes Leitão escusou-se a adiantar se poderá ter havido algum ilícito. “A lei que executou o regulamento de proteção de dados prevê vários ilícitos, quer a título de contraordenação quer a título de crime, mas não podemos pronunciar-nos sobre isso sem saber exatamente em que termos ocorreu a situação”, referiu, apontando a ambiguidade do decreto 406/74, que torna difícil concluir se a ação da câmara poderá ter “enquadramento sancionatório”.
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