Afinal, porque é que os combustíveis estão tão caros?
Abastecer o automóvel está agora bem mais caro, com o preço da gasolina e do gasóleo em máximos de oito e nove anos. Da OPEP+ aos impostos, o ECO explica porquê.
Há mais de oito anos que o gasóleo e a gasolina não estavam tão caros. Se há um ano abastecer o carro custava entre 55 a 65 euros, hoje custa dez euros mais. O preço da matéria-prima (o petróleo) está em máximos, mas não é só isso que explica o disparo na fatura dos contribuintes. Os impostos aplicados aos combustíveis e, sobretudo, as margens cobradas pelas gasolineiras também têm um peso significativo. Indo à raiz da questão (ao petróleo) há uma explicação e indo o ao produto final (as gasolineiras) há outra. Entenda tudo o que está em causa.
Em julho do ano passado, em média, abastecer o carro a gasóleo custava 55,6 euros e 65,61 euros com gasolina (assumindo um depósito de 45 litros). Hoje, encher o mesmo depósito com gasóleo custa 65,48 euros e 77,8 euros com gasolina. Contas feitas, um litro de gasóleo simples custava 1,235 euros e hoje custa 22 cêntimos mais (17,8%). Já um litro de gasolina 95 custava 1,458 euros e custa hoje mais 27 cêntimos.
Os dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) mostram que os preços dos combustíveis estão em máximos de mais de oito anos, estando a subir há sete semanas consecutivas. O gasóleo não estava tão caro desde fevereiro de 2013 (1,457 euros por litro) e a gasolina desde abril de 2012 (1,731 euros por litro). Mas porque é que isto acontece?
Emirados Árabes Unidos querem produzir mais petróleo. OPEP+ não quer
Uma das explicações está na fonte, ou seja, nos próprios produtores de matéria-prima. Quem decide quanto petróleo se produz é OPEP+, grupo formado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960 pelos cinco maiores produtores de ouro negro do mundo — Arábia Saudita (líder), Venezuela, Irão, Iraque e Kuwait –, e outros dez países aliados, entre os quais a Rússia e os Emirados Árabes Unidos.
Evolução da cotação do Brent desde 2017
Em abril, devido à pandemia, a OPEP+ acordou cortar a produção de petróleo em 9,7 milhões de barris por dia, durante dois meses e a partir de 1 de maio, de forma a estabilizar o mercado. Estamos a meio de julho e, com esse acordo prestes a terminar, a OPEP+ propôs no início do mês aumentar a produção de petróleo em dois milhões de barris diários, mas manter os cortes restantes (até 5,8 milhões de barris por dia) até ao final de 2022.
Mas os Emirados Árabes Unidos não concordam. Abu Dhabi diz que apenas dá “luz verde” à extensão do acordo se o valor base de referência para a produção for revisto. Atualmente, os Emirados atualmente podem produzir 3,168 milhões de barris de petróleo por dia, mas querem aumentar esse valor base para 3,8 milhões de barris diários. “Os Emirados pedem um aumento da produção, uma medida que o mercado exige”, disse Suhail al-Mazrouei, ministro da Energia e das Infraestruturas dos Emirados, em declarações à Bloomberg Television.
Este interesse dos Emirados em aumentarem a produção de ouro negro tem a ver com os investimentos que o país tem feito. “Queremos uma maior participação no mercado, para rentabilizar o máximo que pudermos as nossas reservas, especialmente quando gastamos milhares de milhões para as desenvolver“, disse um executivo sénior do setor petrolífero dos Emirados, em declarações ao The Wall Street Journal (conteúdo em inglês).
Mas a Arábia Saudita, apoiadas pelos demais países, incluindo a Rússia, recusa ceder a esse pedido. “Temos de entender. O atual contexto do acordo deixa muitas pessoas extremamente confortáveis. É importante para o mercado”, disse Abdulaziz bin Salman, ministro da Energia e príncipe saudita, em declarações à Bloomberg Television. Os membros da OPEP+ estão neste impasse desde início de junho, contando-se já algumas reuniões em que não foi possível chegar a um consenso.
E este impasse acontece numa altura pouco favorável. Isto porque, de acordo com a Agência Internacional de Energia (EIA, na sigla em inglês), a procura mundial pela matéria-prima está a recuperar, ao mesmo tempo que o stock de petróleo que se acumulou durante a pandemia já acabou, estando agora abaixo dos níveis médios. Ou seja, a procura está prestes a superar a oferta.
Num relatório mensal divulgado esta semana, a AIP refere que este impasse dentro da OPEP+ ameaça provocar um “défice de abastecimento cada vez maior”, com o “potencial aumento dos preços dos combustíveis a fazer subir a inflação e a prejudicar uma frágil recuperação económica”. “O crescimento económico mundial robusto, o aumento das taxas de vacinação e as medidas de redução do distanciamento social vão combinar-se para sustentar uma procura mundial de petróleo mais forte no resto do ano“.
ENSE atribui subida dos preços aos impostos e às margens de comercialização
O valor base do combustível está em máximos, é um facto. Mas há outros fatores que pesam no bolso dos contribuintes. Para a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), “os preços médios de venda ao público estão em máximos de dois anos, em todos os combustíveis”, mas essa subida “é mais justificada pelo aumento dos preços antes de impostos e das margens brutas do que pelo aumento da fiscalidade“.
De acordo com um estudo do regulador, “durante os meses críticos da pandemia, os preços médios de venda ao público desceram a um ritmo claramente inferior à descida dos preços de referência”, o que significa que “as margens dos comercializadores atingiram, assim, em 2020, máximos do período em análise”. Na gasolina, essa margem atingiu os 36,8 cêntimos por litro e no gasóleo os 29,3 cêntimos por litro, em meados de março.
Esta quarta-feira, o Governo avançou com um diploma para travar as “subidas duvidosas” das margens de comercialização nos combustíveis. O objetivo, explicou o ministro do Ambiente, é “atuar sobre as margens de comercialização dos combustíveis, de forma a que o mercado de combustíveis reflita os seus verdadeiros custos”. A ideia é que sempre que o preço do petróleo desça, essa descida “seja sentida e apropriada pelos consumidores ao invés de apropriada pelas margens de comercialização, evitando, ainda, subidas bruscas e, potencialmente, injustificadas”.
Como se calcula o preço dos combustíveis?
Os valores que estão afixados nos postos de combustível não são, efetivamente, o valor do combustível. O cálculo base vem do preço do barril de Brent, negociado em Londres e que serve de referência às importações nacionais. Atualmente, o Brent está a valorizar 0,24% para 75,34 dólares, o valor mais alto desde outubro de 2018. Mas o valor final a cobrar aos contribuintes é severamente influenciado pelos impostos e outras taxas.
Ao valor base do combustível aplica-se o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP) — que inclui a Taxa de Contribuição Rodoviária e a Taxa de Carbono –, os custos de incorporação dos biocombustíveis (substitutos do gasóleo e gasolina responsáveis pela redução de emissões de gases com efeito de estufa), os custos com o transporte e armazenamento e, por fim, o IVA (23%), aplicado a todas as componentes que compõem o preço, incluindo o ISP.
Componentes do preço de venda ao público dos combustíveis
Usando como referência uma média neste mês de julho, o litro de gasóleo custou 0,668 euros, mas chegou às gasolineiras por um preço bastante superior, isto porque ao valor base lhe foram aplicados 0,513 euros de ISP e outras taxas e 0,272 euros de IVA. O total: 1,453 euros por litro de venda ao público. Ou seja, um aumento de 117,5% face ao valor base.
Já no caso da gasolina, o valor base médio de julho foram 0,778 euros, mas na fatura dos contribuintes vem marcado 1,779 euros, ou seja, 128,7% a mais. Isto porque lhe foram aplicados 0,333 euros de IVA e 0,668 euros de ISP e outras taxas.
Apetro aponta o dedo à elevada carga fiscal. Governo fala em “oligopólio informal”
A Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) admite que as margens de comercialização subiram, mas recusa usar isso como justificação para a subida do preço dos combustíveis. “O que está, neste momento, a pressionar mais o preço são as cotações nos mercados internacionais”, disse António Comprido, secretário-geral da Apetro, em entrevista à RTP3.
Para o responsável, a elevada carga fiscal é a principal razão. “Houve efetivamente um agravamento da fiscalidade” em 2020 e 2021 devido à “atualização da taxa de carbono”, disse, afirmando que “Portugal tem uma carga fiscal superior à média europeia” e que “a margem que sobra para as companhias e sobre a qual têm poder para mexer é muito pequena”.
Mas o ministro da Economia descarta a ideia de que o preço alto dos combustíveis face a outros países europeus se deve à fiscalidade nacional. “Os impostos sobre os combustíveis não foram alterados”, disse Pedro Siza Vieira, durante uma audição, afirmando que a solução para este problema está na redução do “diferencial de preços entre os produtores portugueses e os produtores estrangeiros”.
Também o ministro do Ambiente apontou o dedo às gasolineiras. Em entrevista ao ECO/Capital Verde, Matos Fernandes afirmou que “quando dizem que, porque se reduz a procura, têm de se aumentar as margens, isso só funciona em oligopólio”. Daí o Governo ter avançado com o diploma para travar as “subidas duvidosas” das margens de comercialização nos combustíveis.
Os dados mais recentes da Apetro indicam que o valor cobrado pelo Estado em impostos corresponde a 0,977 euros por litro (59%), sendo que o preço base dos combustíveis (valor da cotação do Brent) corresponde a apenas 27% do valor final da gasolina e 30% do valor final do gasóleo.
Além disso, dados divulgados no início do mês pela Comissão Europeia, e citados no relatório da ENSE, indicam que Portugal tem a 3.ª gasolina mais cara da União Europeia (1.652 euros por litro) e o 6.º gasóleo mais caro (1,448 euros por litro).
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