Empresários pedem a Marcelo para dar tempo à direita antes das eleições
Com Belém a prometer “a melhor solução para o esclarecimento dos portugueses”, a maioria dos empresários defende as eleições a 30 de janeiro para serenar e clarificar a alternativa política.
Acelerar o calendário eleitoral e realizar a votação em meados de janeiro de 2022 ou fazer um compasso de espera adicional, de duas a três semanas, para permitir aos partidos da direita – sobretudo ao PSD, que mantém as diretas agendadas para 4 de dezembro – legitimarem os atuais presidentes ou elegerem novas lideranças antes das legislativas? A maioria dos empresários ouvidos pelo ECO prefere a ida às urnas a 30 de janeiro ou a 6 de fevereiro para que o eleitorado possa decidir com todos os dados – leia-se, equipas e programas – em cima da mesa.
O Presidente da República (PR) vai falar ao país esta quinta-feira, um dia após a reunião do Conselho de Estado, para comunicar a sua decisão sobre a dissolução do Parlamento e sobre a data das eleições no início do próximo ano. Embora garanta que não vai ter em conta o calendário das disputas internas à direita, Marcelo Rebelo de Sousa deixa todas as hipóteses em aberto, ao dizer que irá escolher “a data mais razoável” e “a melhor solução para o esclarecimento dos portugueses e para a tomada de decisão em termos eleitorais”.
Emília Vieira, cofundadora e presidente da Casa de Investimentos, sediada em Braga, lembra que, tendo havido uma proposta de Orçamento do Estado (OE) que “não foi aprovada pelos partidos que vinham a conseguir entender-se, era, de facto, importante dar um pouco mais de tempo para que à direita as coisas ficassem mais clarificadas e, quando se fosse a votos, poder haver uma escolha mais clara”.
“Já sabemos que os períodos de incerteza não são bons para as pessoas nem para as empresas porque adiam decisões e adiam investimentos. Mas não acredito que sejam dois ou três meses que vão deitar as coisas a perder. Aliás, vemos em muitos países da Europa que estas coisas demoram o seu tempo. Portanto, não vejo drama nenhum nisso. Era bom que pensassem mais no bem do país e do seu povo do que em si próprios, como se vê fazerem. E isso é transversal a todos os partidos”, acrescenta a empresária.
Nas audições com os partidos no Palácio de Belém houve quase consenso, à esquerda e à direita, sobre a realização de eleições logo a 16 de janeiro. Inclusive por parte de Rui Rio (PSD) e de Francisco Rodrigues dos Santos (CDS), que estão a tentar adiar as disputas internas antes das eleições legislativas. Só a Iniciativa Liberal apontou para 30 de janeiro, com João Cotrim de Figueiredo a relevar que, de outra forma, esta “campanha eleitoral [seria] demasiado curta” e não seria dado tempo aos partidos que estejam em processo de alteração de liderança.
Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, sublinha que “o processo eleitoral é demasiado importante para ser atabalhoado” e que “o país tem a ganhar em ter um processo mais sólido”, ainda que seja ligeiramente mais demorado. “A importância de termos uma legislatura que garanta estabilidade, para quatro anos, justificava perfeitamente que se aloque mais duas semanas para que o sistema partidário esteja sereno”, resume.
O processo eleitoral é demasiado importante para ser atabalhoado. A importância de termos uma legislatura que garanta estabilidade, para quatro anos, justificava perfeitamente que se aloque mais duas semanas para que o sistema partidário esteja sereno.
“É importante que haja uma definição do calendário político e que aconteça o mais brevemente possível para que tenhamos um Governo e um Orçamento no mais curto espaço de tempo possível, mas o PR também deve ter em conta o que se está a passar no maior partido da oposição neste momento. É salutar para a democracia que esteja definido como vai estar o PSD para que as eleições possam ser esclarecedoras. Essencialmente para que exista um debate esclarecedor para a população”, concorda Ricardo Costa, presidente da AEMinho – Associação Empresarial do Minho.
O empresário sustenta que o próximo Executivo vai ser “um dos mais importantes da história”, por entrar na ressaca do “período muito complicado” da pandemia, com uma crise energética e das matérias-primas que “em breve vai afetar toda a produção nacional também” e com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030 para executar. “Esse governo vai ter a responsabilidade de fazer a recuperação económica e social do país. Deve haver cuidado para que haja um debate esclarecedor e para que os próprios partidos se possam organizar de forma a estarem preparados para as eleições”, completa.
O próximo governo vai ter a responsabilidade da recuperação económica e social. Deve haver cuidado para que haja um debate esclarecedor e para que os partidos se possam organizar de forma a estarem preparados para as eleições.
Muito antes da concretização do chumbo do Orçamento, Marcelo veio dizer que, caso isso acontecesse, iria dissolver a Assembleia da República. Ricardo Costa, que é também CEO do Grupo Bernardo da Costa, dá nota positiva à pressão de Belém para um entendimento que evitasse “esta crise política de que o país não precisava” e concorda igualmente que “o cenário de eleições antecipadas é o único viável neste momento”. Apresentar um novo OE? “Houve muitas tentativas. O Governo fez as suas cedências, mas verificou-se que esta solução governativa não era assim tão estável”. Ficar a governar em duodécimos? “Não faz sentido absolutamente nenhum. Se este OE não passou, seguramente o de 2023 não iria passar”.
“Mesmo que fosse possível funcionar em duodécimos, não me parece que pudesse dar ao país a estabilidade de que precisa a médio e longo prazo. Mais cedo ou mais tarde voltaríamos a ter novamente uma crise política. É preferível assumir desde já esta questão do que estar a adiar uma situação que não é nada favorável para o país. Mais vale assumir a dor no imediato e com isso ganhar uma estabilidade maior para os próximos anos”, corrobora Raul Santos, diretor geral da SunEnergy. Em matéria de calendário, diz “[confiar] no bom senso do PR no sentido de encontrar uma data que melhor sirva os interesses do país”.
O presidente executivo da Euromex Facility Services, sediada em Matosinhos, também recusa a tese de que Marcelo estaria a fazer uma cedência ao partido que liderou – e a Paulo Rangel, que recebeu no Palácio na semana passada – se empurrasse as eleições para “uma data política razoável entre o final de janeiro e o início de fevereiro, para que as empresas e as famílias consigam perceber o que cada um propõe para a economia, o trabalho e as finanças”.
“Há naturalmente uma mudança de ciclo e, por isso, as pessoas têm de ser esclarecidas. Depois de um período tão conturbado no último mês, é preciso dar tempo aos partidos para explicar ao que vêm e o programa político que trazem. Para os debates entre os líderes partidários, para haver uma campanha minimamente esclarecedora. (…) E há turbulência também à esquerda, houve um entendimento que se desvaneceu”, sublinha Ricardo Gonçalves Cerqueira.
Dar tempo à “viragem” em curso
O CEO do BPI alertou esta terça-feira para o eventual impacto da crise política na economia, sobretudo quando o país está ainda a recuperar da pandemia, mas será dos últimos a chegar ao nível que tinha em 2019. João Pedro Oliveira e Costa disse na apresentação de resultados dos primeiros nove meses do ano que é preciso ter “muita atenção” à duração do impasse político e ao “impacto na confiança” dos agentes económicos.
Para Luís Aranha, CEO da Mike Davis, o Presidente da República “tomou a decisão correta de abrir uma nova fase da vida política”, desvalorizando nesta fase a perspetiva de poder sair das urnas uma solução que envolva uma maioria estável: “Encaro isso com naturalidade, se queremos ter democracia e que as pessoas manifestem a sua opinião”.
No entanto, não tem dúvidas em aconselhar o chefe de Estado a “dar algum tempo aos partidos para falarem internamente e se reorganizarem”, frisando que “todos, sem exceção, têm problemas de liderança” neste momento. “Já que andámos este tempo todos com isto [geringonça] às costas, não é por um mais um mês ou dois que as coisas vão mudar”, resumiu o acionista da cadeia de vestuário Mike Davis, que tem 27 lojas de norte a sul do país.
O Presidente da República deve dar tempo para os partidos se reorganizarem, pelo menos até ao final de janeiro. Não é favorecer ninguém; é interesse nacional [que assim seja].
A ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas já considerou que o chumbo do OE abre a “oportunidade” no país para se privilegiar “a competitividade assente na produtividade e na responsabilidade financeira”. Sem se referir diretamente às prováveis eleições antecipadas que deverão realizar-se no início do próximo ano, Teodora Cardoso espera que haja uma “viragem” para compensar o “tempo perdido”.
É também isso que espera Tita Sousa Fernandes, administradora da Mofitex, lamentando que “ao fim de 40 e tal anos [de democracia], tenhamos o país dependente de um comité central do PCP”. “O PR deve dar tempo para os partidos se reorganizarem, pelo menos até ao final de janeiro. Se houver uma alteração no PSD, Paulo Rangel não teria tempo de se organizar, de fazer um programa e as listas de deputados. E isso também não é justo. Não é favorecer ninguém; é interesse nacional [que assim seja]”, declara a responsável da empresa gráfica de Vila Nova de Gaia.
Trio quer acabar com o “recreio”
No entanto, entre os gestores ouvidos pelo ECO, há também uma minoria que argumenta que “o país não pode continuar neste impasse” e que “as pessoas votam em programas políticos que já são conhecidos”. É o caso de Vasco Falcão, diretor geral da Konica Minolta Portugal e Espanha. “Se fosse num cenário sem pandemia, sem o PRR, podíamo-nos dar ao luxo de esperar, mas neste caso não existem condições para perder mais tempo a clarificar quem é a pessoa A ou a pessoa B. Isso vai mudar muito pouco naquilo que são as políticas que cada partido tem para apresentar”, alega.
Não existem condições para perder mais tempo a clarificar quem é a pessoa A ou a pessoa B. Isso vai mudar muito pouco naquilo que são as políticas que cada partido tem para apresentar.
Miguel Ribeirinho, responsável pelo desenvolvimento de negócios internacionais na Delta, corrobora, em nome individual, que “os interesses partidários não se podem meter à frente dos interesses da nação, das pessoas e das empresas” e que “quanto mais depressa sejam marcadas as eleições, melhor para o país”. E não ganharia o país em ir às urnas com uma alternativa consolidada à direita? “Quem tem que se adaptar são os partidos. A agenda do país não pode estar condicionada à agenda de determinadas situações internas”, riposta o gestor.
Do Alentejo para o Minho, Fortunato Frederico, líder do grupo Kyaia, socorre-se de paralelismos na área educativa para atirar que “os estudantes [partidos] devem pôr de parte a Queima das Fitas e começar a trabalhar em prol do país”. “O recreio deve acabar e deve-se começar a trabalhar para o futuro do país. As eleições têm de ser feitas o quanto antes. Caso contrário, a brincadeira continua e mais tempo demora a recuperação”, considera o empresário do setor do calçado.
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