Vacina, máscara e ventilação. A “receita” dos especialistas para um Natal seguro
Peritos dizem que é preciso acelerar o reforço da 3.ª dose e manter os cuidados habituais para travar a subida de casos até ao Natal. Impacto nos hospitais é diferente ao período pré-vacinação.
Portugal está a registar uma tendência crescente do número de infeções por Covid-19 e pode estar já a enfrentar a quinta vaga da pandemia. Mas as consequências deste aumento para os serviços de saúde são bastante diferentes face ao período pré-vacinação. Os especialistas ouvidos pelo ECO defendem, ainda assim, que é preciso acelerar o reforço da 3.ª dose para os mais idosos e manter os cuidados habituais, como o uso de máscara e a ventilação nos espaços fechados, para evitar uma subida significativa de casos no Natal.
Nos últimos sete dias, Portugal registou uma média semanal de 1.353 casos por dia, sendo que este indicador está já a aumentar há cinco semanas consecutivas. Ainda assim, “a pressão dos hospitais está a ser muito mais suave” do que no ano passado, “dado o efeito protetor da vacinação”, sublinha Raquel Duarte, pneumologista e ex-secretária de Estado da Saúde, que liderou a equipa de peritos que aconselhou o Governo no processo de desconfinamento.
Não podemos chegar ao Natal com um número muito alto de casos, porque, sabendo que o Natal está associado a uma grande mobilidade das pessoas e de grande proximidade, corremos o risco de ter novamente uma situação explosiva”.
A investigadora reforça, no entanto, que “a pandemia não acabou”, pelo que há duas condições “fundamentais” para evitar que voltemos a ter uma “situação explosiva” no Natal: uma administração “célere” e “rápida” da dose de reforço contra a Covid para as pessoas mais vulneráveis e, simultaneamente, a manutenção das “medidas de proteção individuais que todos nós já conhecemos”, como o uso de máscara em ambientes fechados, a higienização das mãos, o distanciamento físico e não sair de casa ao mínimo sintoma suspeito, adianta.
“Hoje em dia conhecemos a receita. Conhecemos os ingredientes necessários para controlar a doença e, mais uma vez, tudo depende de nós”, graceja Raquel Duarte. Estas são, aliás, duas ideias também defendidas pelo epidemiologista Manuel Carmo Gomes e pelo engenheiro Carlos Antunes, num ensaio publicado no site da Faculdade de Ciências de Lisboa, no qual os peritos apontam que a manter-se esta trajetória ascendente, o país possa “chegar aos 2.000 casos diários na primeira metade de dezembro”.
Nesse sentido, a especialista alerta que Portugal não pode “chegar ao Natal com um número muito alto de casos”, dado que esta época festiva está associada “a uma grande mobilidade das pessoas e de grande proximidade” e, portanto, o país corre “o risco de ter novamente uma situação explosiva”, atira.
À semelhança da pneumologista, também Bernardo Gomes, médico de saúde pública, lembra que “outubro correu relativamente bem”, com os internamentos a rondar os 300, dos quais 60 em cuidados intensivos, reforçando ainda que a elevada taxa de cobertura vacinal em Portugal coloca o país com “alguma vantagem competitiva relativamente a outros países”, afirma, em declarações ao ECO.
No entanto, com a chegada do Inverno, mais propícia a um maior número de infeções respiratórias e os habitais festejos de Natal e Ano Novo, o perito avisa que o reforço da vacina para os mais idosos tem que “ser consolidado antes do Natal” e que “não devemos depositar todo o esforço de controlo” da pandemia nas vacinas. Assim, além da “receita” passada por Raquel Duarte, o investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto acrescenta que dado que a Covid é transmitida maioritariamente por aerossóis, os cidadãos devem “planear atividades ao ar livre” e, quando não for possível, “ventilar bem os espaços”.
Nesse contexto, Bernardo Gomes sugere, por exemplo, apostar em “filtros, caixas de ventilação ou medidores de dióxido de carbono dentro das salas”. “Não tratamos a qualidade do ar como tratamos a qualidade da água e isso custa caro, não só para a Covid-19, mas também para a transmissão de outras doenças e para a performance cognitiva“, atira.
Por outro lado, o médico de saúde pública realça ainda a importância do reforço da testagem da Covid, defendendo que “um dos grandes erros cometidos em outubro” foi o fim da comparticipação dos testes rápidos à Covid, tal como o ECO avançou. Também Raquel Duarte defende que a testagem é um dos pilares no controlo da doença, pelo que deve ser garantido o “acesso aos testes quer para diagnóstico, quer para rastreio”.
Em contrapartida, o virologista Pedro Simas defende, que, face à elevada taxa de cobertura vacinal, o foco neste momento não deve ser a subida do número de infeções, mas antes acompanhar a evolução dos internamentos e cuidados. “Estamos numa fase endémica”, e, por isso, a subida do número de infeções, por si só “não deve ser uma linha vermelha, neste momento”, assinala, em declarações ao ECO, acrescentando, no entanto, que é importante continuar a monitorizar os indicadores.
Nesse sentido, o também diretor do Católica Biomedical Research Center explica que “um adulto tem entre duas a três infeções respiratórias por ano”, pelo que se multiplicarmos por 10 milhões, o virologista estima que existam “entre 20 a 30 milhões de infeções por ano” em Portugal, o que dividido por 365 dias dá entre cerca de 55 mil a 82 mil infeções por dia. Mas, segundo, o especialista deste total, os coronavírus são responsáveis “entre 10 a 15% do total das infeções”. Assim 15%, desde 30 milhões de infeções (para fazer as contas máximas), dividido por 365 dias do ano, “dá cerca de 12.330 infeções diárias”, sinaliza.
É talvez quase mais importante dar [reforço] para a gripe do que para a Covid porque para a Covid as pessoas têm uma imunidade celular muito recente, há volta de um ano, enquanto que para a gripe interrompeu-se”.
O também investigador do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa socorre-se deste exemplo para explicar, que, se estes cálculos baterem certo, ter um número elevado de infeções não é problemático, desde que as pessoas estejam já vacinadas, dado que com 86% da população vacinada não se espera que haja um impacto significativo nos hospitais, uma vez que a esmagadora maioria das pessoas adquiriu imunidade celular contra o vírus. “Estamos numa fase em que requer alguma prudência, mas não podemos cair no extremo de encarar a subida de infeções como no passado”, reitera.
Não obstante, Pedro Simas sinaliza ainda a importância do reforço da vacina contra a Covid para os maiores de 65 anos, bem como para a gripe. “É talvez quase mais importante dar [reforço] para a gripe do que para a Covid porque para a Covid as pessoas têm uma imunidade celular muito recente, há volta de um ano, enquanto que para a gripe interrompeu-se”, conclui.
“Volatilidade política” não favorece aplicação de medidas mais duras
Apesar do aumento de casos de infeção, tanto Raquel Duarte como Bernardo Gomes descartam, para já, qualquer medida mais musculada por parte do Governo, colocando a tónica na responsabilidade individual e avaliação de risco dos cidadãos.
Numa altura em que o país se prepara para ir a eleições antecipadas, o médico de saúde pública sublinha que dada a “volatilidade política toda e qualquer interpelação pública” poderia ser mal interpretada, pelo que neste momento os profissionais de saúde e os decisores políticos estão “hoje numa posição mais delicada”.
Para termos uma maior probabilidade de não precisarmos de medidas restritivas e para estarmos mais confortáveis é preciso comunicar claramente, assertivamente e fazer recomendações simples”.
Por isso, Bernardo Gomes refere ainda que é preciso apostar “claramente e assertivamente” na comunicação, fazendo “recomendações genéricas” sobre os cuidados que os cidadãos devem ter, chamando ainda a atenção para o reforço das medidas às populações de terminadas regiões ou zonas, já que há algumas zonas do país onde o índice de transmissibilidade está “mais acelerado”, como é o caso da região Centro.
Perante a subida de casos, o Governo está a desdobrar-se em apelos para reforçar a importância da toma do reforço da vacina nas populações mais idosas, mas não descarta medidas mais duras, se necessário. Questionada na passada sexta-feira sobre a possibilidade de o país voltar a confinar, a ministra da Saúde disse que “não o desejamos”, mas defendeu que “os cenários têm de estar todos em aberto”.
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