Falta de trabalhadores ameaça retoma da indústria portuguesa
Do têxtil ao calçado, da construção ao mobiliário, os industriais queixam-se da dificuldade em recrutar mão-de-obra e do “estigma” que afasta os jovens dos chamados setores tradicionais.
A falta de trabalhadores está a ameaçar a recuperação dos setores mais “tradicionais” da economia portuguesa, do têxtil ao calçado, construção ou mobiliário, num problema que não é novo, mas se agravou com a retoma pós confinamento.
Em declarações à agência Lusa, representantes de várias associações setoriais defenderam a urgência de políticas de incentivo à contratação de profissionais, para que a escassez de recursos humanos não ponha em causa a recuperação económica daquelas atividades, a par de campanhas de valorização destes setores, muito afetados por “estigmas” e “estereótipos” que os tornam pouco atrativos para os mais jovens.
Segundo o diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), “o cluster debate-se com uma grande dificuldade de atração de talento, registando-se um preocupante envelhecimento da mão-de-obra atualmente empregada nestes setores”.
“Além do desafio atual, que leva já dezenas de empresas a recusarem encomendas por ausência de colaboradores que permitam dar resposta, prevemos um agravamento deste cenário pela incapacidade de renovação de geração atual por jovens especializados”, refere Gualter Morgado.
Embora “as dificuldades sejam transversais”, o responsável precisa que “têm particular incidência em posições que exigem alguma especialização, nomeadamente marcenaria, tornearia e estofagem, entre outros”. “As consequências imediatas são a recusa de encomendas e de novos clientes o que, inevitavelmente, provoca constrangimentos ao crescimento das empresas e do próprio setor”, refere.
As consequências imediatas são a recusa de encomendas e de novos clientes o que, inevitavelmente, provoca constrangimentos ao crescimento das empresas e do próprio setor.
O dirigente associativo alerta para que, numa fase de retoma como a que se vive atualmente, em que o setor se está novamente a promover internacionalmente nos grandes fóruns internacionais, “é muito preocupante que, depois, não possa ser dado o devido seguimento aos contactos e pedidos de encomenda”.
“A fileira tem uma reputação muito positiva a nível global, estamos em cada vez mais mercados e não podemos desperdiçar esta confiança que demoramos muitos anos a conquistar”, disse Gualter Morgado à Lusa.
Apesar de ser “extremamente difícil para uma empresa abordar e resolver autonomamente” esta situação, a APIMA elenca algumas ações a tomar para aumentar a atratividade do setor, como “o investimento no marketing, na modernização da marca e na capacidade de comunicar eficazmente as condições oferecidas e o progresso realizado ao longo dos últimos anos”.
“A nível global, acreditamos que terá de existir um esforço concertado entre os vários players, desde logo no que concerne ao ensino. É essencial que a oferta educativa se adeque àquilo que são as necessidades das empresas, melhorando substancialmente a relação atual entre a oferta e a procura de talento”, defende.
Já ao nível legislativo, a APIMA diz ter vindo a propor algumas medidas às entidades regulatórias, nomeadamente a realocação dos reformados, que acredita que “assegurarão, pelo menos a curto prazo, uma melhor capacidade de resposta às empresas”.
Calçado reforça comunicação com centros de emprego
Também no setor do calçado “a escassez de mão-de-obra qualificada é, desde há muito, um problema”, que, contudo, se “agravou nos últimos meses, por via do aumento significativo das encomendas”.
“O setor praticamente esgotou a mão-de-obra disponível nas zonas de forte concentração da indústria de calçado, obrigando as empresas a contratar novos profissionais nos concelhos limítrofes”, avançou à Lusa o diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS).
Segundo Paulo Gonçalves, “existem vários estereótipos relacionados com a indústria que importa combater”, mas “isso só se fará se forem desenvolvidas iniciativas de grande escala que permitam sensibilizar os mais jovens e os seus familiares”.
Citando dados da Comissão Europeia, a APICCAPS salienta que, nos setores da moda, “serão precisos na próxima década 500 mil novos colaboradores para que a indústria europeia permaneça na vanguarda”, o que levou mesmo o executivo comunitário a desenvolver uma campanha específica, que a associação integrou, designada Open Your Mind.
Para a APICCAPS, urge “reforçar a comunicação com os centros de emprego, com vista a identificar profissionais desempregados em idade ativa”, assim como “todos os mecanismos de formação à medida das empresas, procurando requalificar trabalhadores”. Adicionalmente, impõe-se “a realização de campanhas de sensibilização de grande espetro, que permitam combater os estigmas e as ideias preconcebidas”.
Têxtil garante que “não é uma questão salarial”
Na fileira da moda, também os setores têxtil e do vestuário se debatem com a escassez de trabalhadores, garantindo a associação empresarial que “não é, como se julga, uma questão salarial”, mas antes “uma questão de imagem” que afeta toda a indústria dita “tradicional”.
Segundo o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, “o setor já antes da pandemia se defrontava com carências de mão-de-obra, sobretudo em determinadas profissões mais orientadas para a parte produtiva, como costureiras ou operadores de algumas máquinas, ou no apoio à produção, como afinadores ou técnicos de manutenção”.
São profissões que carecem de muita formação profissional e só ao final de vários anos e muita formação e investimento é que se consegue ter profissionais competentes, eficientes e que trazem mais-valia às organizações.
Esta situação voltou agora “a florescer com a retoma da atividade, agravada por uma maior inconstância e disrupção na cadeia de abastecimento e pelo facto de as marcas tomarem cada vez mais decisões de última hora, procurando respostas cada vez rápidas”.
O dirigente associativo realça que “estas são profissões que carecem de muita formação profissional e só ao final de vários anos e muita formação e investimento é que se consegue ter profissionais competentes, eficientes e que trazem mais-valia às organizações”.
Por isso, sustenta, “a formação profissional deve continuar a ser valorizada e promovida” e “todos, incluindo o Governo e a comunicação social, devem fazer um esforço para valorizar a indústria e as suas profissões, de forma a atrair jovens profissionais, rejuvenescendo o setor e atraindo outras competências igualmente importantes e essenciais, por exemplo, para a transição climática e digital”.
“Importa dar a conhecer junto da sociedade, dos consumidores e das famílias, a inovação, I&D [Investigação & Desenvolvimento], tecnologia, criatividade que está presente todos os dias nas nossas empresas. Temos empresas fantásticas a ganhar prémios de inovação e sustentabilidade, com excelentes práticas, por exemplo, ao nível da responsabilidade social e essa informação acaba por apenas ser disseminada num circuito muito fechado ou não ser conhecida de todo”, defende.
Mário Jorge Machado diz também que tem sido crescente no setor o recurso à contratação de mão-de-obra estrangeira, “cada vez mais disponível no mercado e com vontade de trabalhar e de fazer a formação necessária”.
Construção procura 70 mil trabalhadores
A escassez de recursos humanos é também, há vários anos, recorrentemente apontada como um “problema grave” no setor da construção, na sequência da saída para o estrangeiro de milhares de trabalhadores durante a última crise, e continua atualmente a condicionar o crescimento da atividade:
“Além do problema das matérias-primas, temos o problema grave da mão-de-obra e não sei qual deles é pior”, afirmou recentemente o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), em declarações à Lusa.
Salientando que “o setor precisa de 70 mil trabalhadores”, mas “neste momento não há mão-de-obra”, Manuel Reis Campos questiona o porquê de, segundo os dados oficiais, estarem registados no fundo de desemprego “32 mil trabalhadores da construção”. “Não se percebe porquê, mas é verdade”, lamenta.
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