Vida financeira de insolventes passa a estar limitada apenas por três anos

Do Processo Especial de Revitalização (PER) à redução do prazo de exoneração do passivo restante, conheça as novas regras de insolvência e para a reestruturação de empresas, já a partir de abril.

A situação económica do País e do mundo, agravada com a pandemia, tem causado problemas nas contas bancárias tanto dos cidadãos como das empresas, que se veem de “mãos e pés atados”. Em último caso, alguns são mesmo forçados a declarar insolvência, nas situações em que o devedor tem prestações a cumprir superiores aos seus rendimentos.

Ora, a insolvência pessoal pode ser feita através de dois meios: com o pedido da exoneração do passivo restante — libertação definitiva do devedor das dívidas — ou com o plano de pagamentos judicial, que suspende as ações executivas contra o devedor e impede a liquidação do património do devedor, caso o plano de pagamentos venha a ser aprovado pelos credores.

Mas há novas regras de insolvência e para a reestruturação de empresas que entram em vigor em meados de abril de 2022, de acordo com uma lei publicada no dia 11 de janeiro e que reduz de cinco para três anos o período de insolvência pessoal.

Atualmente, a legislação determina que, durante cinco anos, pessoas que se apresentem à insolvência ficam limitadas na sua vida financeira. Um prazo agora reduzido para três anos, findo o qual termina o período de cessão de rendimento disponível, libertando-se das restantes dívidas.

“Estas alterações resultam da transposição da diretiva europeia de insolvência, publicada em junho de 2019. Infelizmente, o Governo tratou sempre este dossiê com desinteresse, tendo demorado dois longos anos para apresentar, afinal, um diploma feito em cima do joelho, ao que se seguiu uma aprovação apressada no Parlamento, quase clandestina. E no dia em que o Ministério da Justiça realizava a primeira conferência sobre a proposta de lei, esta era aprovada no Parlamento. Um episódio francamente caricato e lamentável“, critica Paulo Valério, sócio da VFA.

Antes das novas alterações, as pessoas que estivessem em situação de insolvência pessoal teriam a sua vida financeira limitada durante o período de cinco anos. A partir de abril, este prazo reduz-se para três anos. Ou seja, após estes três anos todas as dívidas que ainda perdurem passam a ser inexistentes.

A exclusão das dívidas tributárias em muitas situações poderá constituir um óbice a esse recomeço, mitigando (…) a proteção do insolvente singular.

Sandra Alves Amorim

Advogada da RSA-LP

“A alteração introduzida pela Lei 9/2022, de 11 de janeiro ao instituto da exoneração do passivo restante vem reduzir o período de cessão de rendimentos para três anos e tem aplicação imediata, coma entrada em vigor da referida lei, aos processos de insolvência que se encontram pendentes, nos quais tenha já sido deferido liminarmente a exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimentos em curso já tenha completado três anos àquela data”, explica Sandra Alves Amorim.

A advogada da RSA-LP sublinha, no entanto, que este instituto exclui as dívidas tributárias, “o que em muitas situações poderá constituir um óbice a esse recomeço, mitigando desta forma o princípio que está subjacente a este regime e, por esta via, a proteção do insolvente singular”.

Já o advogado e coordenador da comissão de insolvência da JALP Paulo Valério considera que esta alteração não comporta qualquer “inovação” ou “iniciativa do Governo”. “Esta regra só se aplica a pessoas singulares, únicas a quem está reservado o instituto da exoneração do passivo restante. O problema aqui é que, como este período continua a ser contabilizado a partir do encerramento do processo de insolvência, dependendo da duração deste, o prazo de três anos pode, na prática, transformar-se de novo em cinco, em oito ou mesmo em dez anos”, acrescenta.

Quais são as outras alterações?

Além dessa redução do prazo, é também prevista a possibilidade de apreensão ou venda de bens no final da liquidação do ativo do devedor e depois de ser encerrado o processo de insolvência, tendo em vista entregar o valor dos bens aos credores.

Outra das alterações é relativa ao Processo Especial de Revitalização (PER). Quando uma determinada empresa acione este mecanismo, passa a ter quatro meses para negociar um plano com os credores. Durante este período ficam suspensas as execuções de dívidas.

Este período de quatro meses pode ser prorrogado por mais um mês através da apresentação de um requerimento fundamentado pela empresa, credor ou administrador judicial provisório, desde que deduzido no prazo de negociações. Mas é necessário que tenham existido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação, caso seja imprescindível para garantir a recuperação da empresa ou a continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.

Relativamente aos contratos de execução continuada, estes passam a deixar de ser revogados durante o período de suspensão das medidas de execução. Neste caso, todos os contratos de fornecimento que sejam essenciais ao exercício da atividade ficam impossibilitados de revogação, uma vez que prejudicaria o normal funcionamento da empresa.

Outra das novidades é que os credores passam a beneficiar com o financiamento a empresas em processo de recuperação. Desde que disponibilizem capital para a revitalização da empresa, os credores passam a usufruir de um crédito sobre a massa insolvente até um valor correspondente a 25% do passivo não subordinado da empresa à data da declaração de insolvência, desde que aconteça no prazo de dois anos.

“Pelo caminho, perdeu-se a oportunidade de fazer uma verdadeira revisão ao código de insolvência, dando-lhe maior coerência, sentido e clareza. Perdeu-se, também, a oportunidade de melhorar a coordenação entre a Segurança Social e a Autoridade Tributária nestes processos e, especialmente, de reabilitar verdadeiros instrumentos de recuperação de empresas, como o RERE ou o PER, no momento em que as empresas mais precisam”, concluiu o advogado Paulo Valério.

Perdeu-se, também, a oportunidade de melhorar a coordenação entre a Segurança Social e a Autoridade Tributária nestes processos.

Paulo Valério

Sócio da VFA

A nova lei foi aprovada na Assembleia da República a 19 de novembro com votos a favor de PS e PAN e a abstenção do PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV, IL e das duas deputadas não inscritas. Entra em vigor em abril para todos os novos casos. Também se aplica aos processos pendentes, mas com um regime transitório que permite que algumas mudanças se apliquem apenas aos processos especiais de revitalização instaurados após a entrada em vigor da lei.

Quanto aos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da lei, nos quais tenha sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da nova lei, “considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei”.

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