Emissão de dívida do Crédito Agrícola gera dúvidas legais
Economista João Costa Pinto e docente de Direito Comercial Filipe Cassiano Santos apontam eventuais falhas na emissão de obrigações convertíveis em capital realizada pelo Crédito Agrícola em novembro.
A última emissão de obrigações realizada pelo Crédito Agrícola levanta dúvidas legais ao conferir aos detentores dos títulos a possibilidade de converterem a dívida em capital, o que vai contra a lei das cooperativas, consideram o antigo presidente do grupo João Costa Pinto e o professor de Direito Comercial da Universidade de Coimbra Filipe Cassiano dos Santos.
Por conta de exigências do regulador, a Caixa Central liderada por Licínio Pina realizou em novembro uma emissão de obrigações no valor de 300 milhões de euros no âmbito dos requisitos MREL — o requisito mínimo de fundos próprios e passivos elegíveis para serem absorvidos para compensar perdas e restaurem o capital, minimizando o risco de utilização de fundos públicos.
“As informações que existem são parciais, mas o que conheço deixa-me enormes dúvidas até de natureza legal”, atirou Costa Pinto, que liderou a Caixa Central na década de 2000, durante a sua intervenção na conferência da Agrimútuo, organizada pelo ECO e que teve lugar esta sexta-feira em Torres Vedras.
“Esta dívida que foi emitida dá aos investidores que a adquiriram o direito por sua decisão autónoma deles, de transformar a dívida em capital da Caixa Central. Eu não vejo como isto é compatível com os princípios cooperativos, não sei se o regulador terá refletido sobre isto ou não”, acrescentou.
Numa outra intervenção, o professor Filipe Cassiano Santos foi mais assertivo quanto à legalidade da operação. “Das duas uma: ou a Caixa Central acha que é uma SA [Sociedade Anónima] e que as obrigações podem ser convertidas em ações, ou a Caixa Central despreza ostensivamente um aspeto relevante do regime legal das cooperativas: refiro-me a uma proibição legal, não é apenas dos princípios, quanto à emissão de obrigações por cooperativas, que proíbe que estas seja convertidas ou convertíveis em capital. Está chapado na lei”, reforçou o docente de Universidade de Coimbra.
Isto para depois concluir: “Qualquer que seja a resposta a Caixa central está fora da lei que a rege e comporta-se como uma não cooperativa”.
“Nem a lei inglesa salva”
Para Filipe Cassiano dos Santos, a Caixa Central seguiu “uma linha criativa” nesta operação ao colocar a emissão na bolsa de Dublin e escolhendo a lei inglesa para a reger.
“Tentou, com este expediente, escapar à aplicação da lei portuguesa sobre a emissão por entidades cooperativas. Isto é, tentou escapar à aplicação do código cooperativo, do código das sociedades comerciais e do código de valores mobiliários, que são os diplomas que confluem aqui, numa tentativa que, no meu juízo de jurista, é absolutamente ineficaz e não tem outro efeito que não iludir os credores obrigacionistas em causa”, disse.
Explicou de seguida este ponto: a Caixa Central não optou por emitir dívida subordinada que teria uma “elegibilidade inequívoca” para efeitos de MREL, tendo escolhido antes atribuir contratualmente um privilégio de pagamento aos seus novos credores sobre os restantes credores.
Porém, “o privilégio colocado no contrato não tem outro efeito que não seja iludir os novos credores com um privilégio que não lhes será reconhecido pelos tribunais portugueses quanto ao património da Caixa Central situado em Portugal”, disse. “Nem a lei inglesa salva”.
Custo da emissão imputado às caixas
Pela emissão dos 300 milhões de euros em obrigações para os requisitos de MREL os investidores exigiram uma taxa de juro de 2,5%, um custo que, segundo Costa Pinto, está a ser imputado às caixas associadas do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo (SICAM). “É um passo extraordinário” e um “golpe no futuro do SICAM”, considerou o antigo vice-presidente do Banco de Portugal.
Costa Pinto explicou depois que a Caixa Central, que “que tem utilizado a especulação sobre dívida soberana” para obter receitas, vai ser afetada com a inversão da política monetária e que, sem receitas estáveis para “financiar a sua megaestrutura”, “depositou esse dinheiro que foi obter através de dívida nas caixas, obrigando-as a pagarem juros idênticas às que pagam”.
“Isto é um absurdo, não percebo se o regulador está a ver as implicações a prazo disto”, afirmou.
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