Despesa pública militar deve subir na UE, mesmo se guerra acabar
O regresso da guerra na Europa volta a levantar a discussão sobre a despesa dos Estados na defesa. Um economista que estudou os gastos públicos em guerras anteriores diz que é provável um aumento.
Na União Europeia todos desejam o fim da invasão russa na Ucrânia. Contudo, mesmo que a paz volte ao Velho Continente, muito terá mudado no espaço de poucos dias. Perante a desconfiança que existe com a Rússia, o mais provável é que os países europeus, incluindo Portugal, aumentem a despesa pública em defesa, diz ao ECO Ricardo Ferraz, economista que estudou os gastos do Estado português na Guerra Colonial e na Primeira Guerra Mundial.
“Mesmo que a guerra da Rússia com a Ucrânia termine nos próximos dias, e todos desejamos que assim seja, já se percebeu que os países da UE vão começar a investir mais neste setor estratégico – houve algumas declarações nesse sentido [como é o caso da Alemanha onde o tema era tabu] – e Portugal terá também que o fazer. Esta será no curto prazo uma das principais consequências do conflito armado no Leste“, afirma o autor do livro “Grande Guerra e Guerra Colonial – Custos para os cofres Portugueses”.
O próprio Governo já sinalizou que tal acontecerá. Na segunda-feira, em entrevista à RTP, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, admitiu aumentar o orçamento das forças armadas nos próximos anos, sem referir-se especificamente ao Orçamento para 2022 que será entregue no Parlamento em abril pelo novo Governo. A expectativa de Cravinho é que todos os países da NATO reforcem o investimento militar uma vez que o conflito na Ucrânia mudou “radicalmente” os pressupostos de segurança na Europa.
O economista Ricardo Ferraz concorda e até admite que a ambição possa ser maior agora: “Recordo que em 2018, numa cimeira da NATO, o primeiro-ministro António Costa assumiu que a despesa militar portuguesa atingirá os 2% do PIB até 2024. Acredito que, tendo em conta a nova conjuntura, é provável que esta meta venha a ser revista em alta“, acrescenta o também professor do ensino superior e investigador académico.
Isto depois de décadas de desinvestimento na área da defesa. “Atualmente a despesa militar portuguesa é bastante baixa tanto em percentagem do PIB como em percentagem da despesa total do Estado”, relata o economista, explicando que “desde o início da nossa democracia que tem existido uma perda progressiva da importância do setor da Defesa em Portugal”.
O trabalho académico realizado por Ferraz mostra como a atual despesa pública militar em Portugal é bastante baixa comparando com o histórico, principalmente em percentagem do total da despesa do Estado. A perda de importância do setor público da defesa é visível nos números, como expõe este gráfico do research article do economista — “The Portuguese Military Expenditure from a Historical Perspective” — publicado em setembro de 2020 na revista Defence and Peace Economics, da editora internacional Taylor & Francis:
A despesa pública militar foi durante muito tempo uma das principais fatias do Orçamento do Estado em Portugal, mas desde a guerra colonial que caiu a pique, situando-se agora em mínimos históricos de, pelo menos, a segunda metade do século XIX. Os picos dos gastos em defesa foram naturalmente atingidos durante a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial (em que o Governo português, em termos oficiais, se manteve neutro) e a Guerra Colonial.
Em percentagem do PIB, a figura não muda muito. Neste caso, os picos são iguais, mas os valores atuais aproximam-se dos números registados no período da história em que Portugal não esteve envolvido em guerras de grande dimensão.
“Não só estamos num patamar inferior ao do passado como também estamos num nível inferior ao da maior parte dos nossos parceiros“, lembra Ricardo Ferraz, referindo-se a dados do Eurostat. Em 2020, a despesa pública em defesa fixou-se nos 1,3% do PIB na UE, mas no caso de Portugal ficou abaixo dos 1%.
Os números da NATO, segundo um relatório feito em junho de 2021, são diferentes, mas a realidade não muda muito: Portugal está entre os países com menos gastos militares, abaixo do objetivo de 2% do PIB fixado pelos aliados, apesar de ser visível um aumento nos últimos anos (entre 2014 e 2021).
Num estudo que publicou em 2019, o economista estimativa que Portugal gastou, em média, 21% do Orçamento do Estado em cada um dos 14 anos da Guerra Colonial (1961-1974), o que corresponde a 3,1% do PIB à época por cada ano.
Somando as duas guerras, o custo ascendeu a 26,5 mil milhões de euros a preços correntes, o que correspondia a 13,2% do PIB de 2018, dos quais 82% terá sido gasto com a Guerra Colonial (10,8% do PIB) e 18% com a Grande Guerra (2,4% do PIB).
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