Duarte Cordeiro chega a ministro do Ambiente em pleno “choque energético”
O seu futuro antecessor, João Pedro Matos Fernandes, admitiu que estava preparado para ser ministro do Ambiente por mais dois anos, "levando políticas até ao fim". Mas sai pelo próprio pé.
Diz-se que António Costa quer premiar o seu ex-secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, e agradecer-lhe a maioria absoluta nas eleições, que deu aos socialistas mais quatro anos no poder. Afinal, foi ele o principal “arquiteto” da campanha eleitoral que levou o PS à vitória.
Para isso, vai promovê-lo a ministro e deverá entregar-lhe uma das pastas que tem vindo a ganhar mais visibilidade ultimamente, de tal forma que o seu futuro antecessor já foi mesmo apelidado de “super ministro”, tão longa é a lista de dossiês que tutela.
A começar pela desafiante secretaria de Estado da Energia, onde cabe a eletricidade, o gás e os combustíveis, e os seus preços em alta, mas também as renováveis, o hidrogénio, o lítio, e tanto mais.
No próximo Governo, Duarte Cordeiro, de 42 anos, ficará assim no lugar de João Pedro Matos Fernandes, 54 anos, como ministro do Ambiente e da Ação Climática. Muitos discutirão se esta é realmente uma promoção ou um “presente envenenado”, já que o ex-secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares vai chegar ao gabinete no meio de um furacão, em pleno contexto de choque energético a nível europeu, que vinha já a desenhar-se no pós-pandemia e acabou por explodir por completo com a invasão da Ucrânia pela Rússia e o cenário de guerra no continente.
À semelhança dos 12 Trabalhos de Hércules, os de Duarte Cordeiro não serão menos penosos:
- Terá de continuar a entender-se com Espanha para convencer a UE a mudar o funcionamento dos mercados grossistas de eletricidade europeus;
- Garantir que França não recua na construção das interconexões de gás com a Península Ibérica;
- Manter o investimento nas renováveis, através de leilões, e agilizar as autorizações das centrais solares, para que sejam construídas, entrem em funcionamento e injetem energia verde na rede;
- Não deixar cair as ambições de Portugal no hidrogénio verde, seja para o mercado interno ou para exportação para o norte da Europa, como substituto do agora inimigo público nº1 gás natural;
- Desenvolver uma cadeia de valor das baterias de lítio em solo nacional, desde a extração à refinação (com a construção da primeira refinaria em solo europeu), até à própria fábrica de gigabaterias;
- Tudo isto enquanto garante que as metas de reciclagem nacionais são cumpridas, o plástico de uso único é reduzido ao mínimo, as emissões de CO2 caem a pique, o número de carros elétricos a circular nas estradas aumenta e ainda tem de lidar com as permanentes críticas dos ambientalistas.
Duarte Cordeiro nasceu em 1979 em Lisboa. É licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. E Pós-Graduado em Direção Empresarial pelo ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa. Foi vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (onde esteve ao lado de Costa) e deputado, integrando a Comissão Parlamentar de Economia.
Dele, diz um perfil publicado pela revista Visão (acesso pago), que é “discreto mas mobilizador”, um “negociador implacável”, um jovem que se tornou “num dos indispensáveis de Costa, contando com a confiança do primeiro-ministro. Dentro do PS está na ala mais à esquerda, diz a revista, que o retrata como “a sombra de Pedro Nuno Santos” que agora ganha vida própria.
Além dos desafios do choque energético e das transições climática e energética em curso, Duarte Cordeiro vai ter a enorme responsabilidade de substituir um ministro que está no cargo há seis anos, um verdadeiro recorde de longevidade.
Um ministro do Ambiente a favor do crescimento económico
Matos Fernandes faz parte do Governo desde 2015, primeiro como ministro do Ambiente e a partir de 2018 como ministro do Ambiente e da Transição Energética, que depois passou a Ação Climática. Ele próprio faz as contas, citado pela Lusa: “São seis anos e quatro meses”
Questionado recentemente se gostaria de continuar no Governo, João Pedro Matos Fernandes (que odeia que lhe troquem o nome por José Pedro) admitiu que estava preparado para ser ministro por mais dois anos, “levando políticas até ao fim”.
“Vai falar o povo [nas eleições], depois vai falar o Dr. António Costa, depois falarei eu. Sobretudo, eu acho que a coisa mais normal do mundo, em qualquer momento, é deixar de ser ministro”, disse em entrevista à CNN. E mesmo abandonando o palacete da Rua do Século, “nunca o deixará” de acompanhar os projetos do MAAC, “onde quer que esteja”.
Fala agora do fim de ciclo por “decisão própria” e de “um sentimento de dever cumprido”. Não faz balanços, mas lembra a primeira luta no cargo: impedir a privatização do Metro do Porto e de Lisboa, da STCP e da Carris.
Em 2018, quando a pasta da Energia transitou da Economia para o Ambiente e Matos Fernandes acumulou mais um complicado dossiê e um controverso secretário de Estado, João Galamba, chegaram a chamá-lo super ministro de um mega ministério.
“Não sou nenhum mega ministro, sou um ministro a quem foi atribuída mais uma responsabilidade. Sendo este o ministério responsável pela política climática, faltava-lhe uma ferramenta fundamental, que é a política energética”, disse na altura.
Natural de Águeda, licenciado em engenharia civil, pela Universidade do Porto, com um mestrado em Transportes no Instituto Superior Técnico, antes de chegar a ministro Matos Fernandes foi presidente da empresa Águas do Porto, depois de ter gerido o porto de Nacala, em Moçambique, com passagens também pelos portos do Douro e Leixões e do Porto e Viana do Castelo.
Greves dos motoristas de matérias perigosas, protestos contra as minas de lítio, secas severas e extremas, aeroporto do Montijo, braços de ferro com a EDP, a venda da barragens do Douro, foram apenas alguns dos desafios que enfrentou. Lamenta não ter ido mais longe no restauro dos ecossistemas e na valorização do capital natural.
Do seu currículo ninguém lhe tira a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, e a última COP26, em Dublin, o anúncio que Portugal será neutro em emissões de dióxido de carbono em 2050 (foi o primeiro país do mundo a fazê-lo) e o encerramento de duas centrais a carvão, tornando o país livre deste combustível poluente, entre outros feitos.
Dono de um sentido de humor “refinado”, que muitos deputados não apreciavam, foi um ministro do Ambiente atípico, sempre às “turras” com o PAN ou os Verdes no Parlamento, que o acusavam de ser muito pouco ecologista e ambientalista. Costumava dizer que “a um ministro do Ambiente não lhe pode ser pedido que seja contra o crescimento económico”.
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