Qatar gastou mais do que o próprio PIB para erguer o Mundial e diversificar economia

O Qatar gastou mais de 200 mil milhões de dólares para erguer o Mundial de 2022, mais do que o PIB do ano passado. Uma soma que fica muito longe do impulso que a prova dará à economia.

As somas astronómicas gastas na organização de grandes provas desportivas internacionais, como os Jogos Olímpicos, são há muito motivo de crítica. O Qatar não poupou, no entanto, nos gastos para organizar o Mundial de Futebol. Com um custo estimado superior a 200 mil milhões de dólares em infraestruturas, será o mais caro de sempre. Uma soma que fica muito longe dos 17 mil milhões que o campeonato vai acrescentar ao PIB.

O FMI prevê, no seu último World Economic Outlook, que a economia do Qatar acelere graças à organização do Mundial de Futebol, com o crescimento a passar de 1,6% em 2021 para 3,4% este ano. O país do Golfo Pérsico, que tem uma população de apenas 2,7 milhões de pessoas segundo a estimativa mais recente das Nações Unidas, deverá receber 1,2 milhões de turistas. Ou seja, quase metade do número de pessoas que lá reside.

Há, por outro lado, o efeito da construção das infraestruturas para receber a prova. Sete dos oito estádios onde se vão defrontar as 32 seleções foram construídos de raiz. Além disso, o aeroporto Hamad International foi alvo de extensas obras, uma linha de metro de superfície, uma nova estação em Doha, novas estradas e uma ponte entre a capital e o Bahrain.

Segundo um relatório divulgado no início do ano pela Oxford Economics, o investimento no Mundial e o evento em si deverão levar a um crescimento de 7,6% da economia que não está dependente do petróleo e do gás natural, a principal exportação do país, que mesmo assim deverá pesar 37% no PIB este ano. Há uma década era de cerca de 50%, o que indica que o esforço de diversificação da economia, que também é um objetivo do país liderado pelo emir Tamim bin Hamad com a organização da prova, está a ser conseguido.

Os efeitos vão sentir-se além do Qatar. “O Mundial está a reforçar a dinâmica de crescimento das viagens e turismo no Qatar e em toda a região do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), compensando o impacto das divisas indexadas a um dólar forte e sublinhando a recuperação do setor não petrolífero”, afirma a Oxford Economics, apontando para crescimentos de 4,9% em 2022 e 3,4% em 2023 no conjunto do bloco.

As infraestruturas modernas em conjunto com as reformas têm o potencial para revigorar os fluxos de investimento direto estrangeiro após um período de desinvestimento.

Oxford Economics

A Oxford Economics está também otimista quanto aos impactos mais duradouros da prova: “as infraestruturas modernas em conjunto com as reformas têm o potencial para revigorar os fluxos de investimento direto estrangeiro após um período de desinvestimento”. O que poderá ser potenciado pela melhoria das relações com os estados vizinhos. O FMI espera que a evolução do PIB arrefeça para 2,4% em 2023.

Os ganhos económicos vêm, no entanto, com uma pesada fatura. As estimativas do próprio Qatar apontam para uma soma acima de 200 mil milhões de dólares (193 mil milhões de euros, ao câmbio atual). O Front Office Sports, uma consultora norte-americana, aponta para um custo de 220 mil milhões de dólares (212 mil milhões de euros). Ambas as cifras superam o total do produto interno bruto do país em 2021: 180 mil milhões de dólares.

A soma ofusca ainda os 11,6 mil milhões de dólares gastos pela Rússia para organizar a prova em 2018 ou os 15 mil milhões investidos pelo Brasil quatro anos antes. O reforço de 17 mil milhões de dólares que o Qatar espera para o PIB — um valor revisto em baixa face aos originais 20 mil milhões, — fica também muito longe do custo estimado.

Porquê gastar tanto? Prestígio internacional. O Qatar será a primeira nação Árabe a acolher uma fase final do Mundial de Futebol, onde nunca chegou desde que compete na prova, e é também o país mais pequeno a fazê-lo. A FIFA estima que cerca de cinco mil milhões de pessoas assistam a pelo menos parte do torneio, mais de metade da população mundial, que as Nações Unidas dizem ter ultrapassado os oito mil milhões esta semana.

A prova está, no entanto, envolvida em polémica desde a primeira hora. A atribuição da organização do Mundial ao Qatar, em 2010, foi marcada por casos de corrupção envolvendo a FIFA. Segundo o The Guardian, 6.500 trabalhadores migrantes, sobretudo oriundos da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka terão morrido desde que a prova foi atribuída. A violação dos direitos humanos no país tem sido denunciada por várias organizações internacionais.

A garantia da FIFA e do Qatar de que o Mundial de 2022 — que tem estádios com ar condicionado alimentados com energia solar — será o grande evento desportivo mais sustentável de sempre tem enfrentado críticas. A própria associação internacional de futebol estima a pegada em 3,63 milhões de toneladas de CO2, muito acima dos 2,16 milhões de toneladas que contabilizou para o campeonato na Rússia.

Segundo uma análise publicada em maio pela Carbon Market Watch, uma associação sem fins lucrativos especializada no mercado de carbono, “a pegada total do evento parece ter sido subestimada e os créditos de carbono considerados para compensar as emissões têm o risco de uma baixa integridade ambiental”. Um dos exemplos apontados é a construção dos estádios, que segundo da Carbon Market Watch terá gerado a emissão de 1,6 milhões de toneladas de CO2 e não as 200 mil toneladas apontadas.

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