Calçado quer empresários com estudos e a subcontratar mais no estrangeiro até 2030
Plano estratégico do calçado dá prioridade à qualificação de industriais e atração de “novos protagonistas e projetos”. Setor olha para sourcing internacional e aposta no “empreendedorismo de marca".
Com pessoas e empresas mais qualificadas, com produtos e processos sustentáveis, com maior flexibilidade e rapidez na resposta; e com uma presença ainda mais ativa nos mercados internacionais. Assim será a indústria portuguesa do calçado em 2030, se forem cumpridos os quatro eixos traçados no novo plano estratégico do setor, desenhado pela associação empresarial (APICCAPS) em parceria com a Universidade Católica, que vai ser apresentado esta terça-feira em Vila Nova de Gaia.
Constituído atualmente por 1.500 empresas, responsáveis por 40 mil postos de trabalho, exporta mais de 95% da produção para 172 países. Desde a apresentação do primeiro plano setorial em 1978, o emprego triplicou, a produção quintuplicou e as exportações foram multiplicadas por 13. Neste 7º documento estratégico, os industriais inscrevem 24 medidas e 113 ações concretas para “reposicionar o setor na cena competitiva internacional” – e adicionam cinco projetos âncora para dar resposta direta a necessidades diagnosticadas pelo cluster.
As exportações devem continuar alicerçadas numa base produtiva nacional, seja por motivos sociais (emprego), de reputação junto dos consumidores ou pelos benefícios em termos de sustentabilidade, devido à proximidade aos principais mercados. Porém, dada a escassez de mão-de-obra e a subida dos custos de produção em Portugal, o acréscimo de produtores concorrentes com custos laborais mais baixos e moedas nacionais desvalorizadas, a APICCAPS adverte que devem ser explorados “ganhos de eficiência nas cadeias de abastecimento, recorrendo à subcontratação internacional, total ou parcial, de produtores que possam garantir menores custos”.
“É importante que as empresas portuguesas de calçado não se circunscrevam à mera atividade fabril, ganhando competências de gestão das cadeias internacionais de valor. É um caminho em que a maioria dos nossos principais concorrentes europeus vai bastante mais adiantado”, lê-se no documento, a que o ECO teve acesso, notando que isso também pode passar por “um número mais restrito de empresas [e] por atividades de internacionalização a jusante, por exemplo, através da criação ou aquisição de lojas ou marcas”. E no capítulo da internacionalização, insiste que não devem “descurar as oportunidades para o sourcing internacional de determinados componentes ou até da produção de determinadas gamas de produto”.
Apesar de já ter reduzido para 10% a quota de trabalhadores não qualificados, o cluster assume que falta ainda qualificar 34% dos seus ativos e modernizar muitos dos já qualificados para fazer face a novos desafios tecnológicos e organizacionais. Porém, o plano defende que “é por cima, ao nível da empresa e da sua gestão, que tem de começar o esforço de qualificação”, pois é nas lideranças que “tem mais potencial para fazer a diferença”. É que, se a capacitação técnica e operacional é relevante, “o futuro do cluster do calçado depende, acima de tudo, das opções que os seus empresários e gestores venham a tomar”.
“Contribuir para a capacitação da gestão empresarial é, provavelmente, o principal contributo que o plano estratégico pode dar para o sucesso do cluster. O extremo dinamismo do mundo contemporâneo coloca empresários e gestores permanentemente perante novos desafios que requerem o reforço das suas competências e qualificações”, resume. Desafios acrescidos num tecido de pequenas e médias empresas, cujas estruturas de gestão leves fazem com que não tenham tanto tempo disponível e obrigam a encontrar outras soluções, como a formação à distância, que permitam compatibilizá-la com a permanência no local de trabalho.
Um terço das 100 maiores empresas fabricantes de calçado em Portugal foram fundadas nos anos 1980. Passadas mais de três décadas, os fundadores precisam de preparar a sucessão geracional na liderança.
Por outro lado, a qualificação do cluster não se pode fazer só com quem já o integra, sendo necessários “novos protagonistas e novos projetos”, adverte a APICCAPS. A experiência e o conhecimento dos atuais empresários são indispensáveis, mas o setor precisa de renovar os seus atores, que passa igualmente pela sucessão geracional na liderança. Um terço das 100 maiores empresas fabricantes de calçado foram fundadas nos anos 1980 e, volvidas três décadas, muitos dos fundadores estão no final da carreira profissional e precisam de passar a pasta às novas gerações.
“Empreendedorismo de marca” para a projeção internacional
Esgotado o prazo do último plano (Footure 2020) e depois da atualização a que a pandemia obrigou, este exercício em que contou com a colaboração direta de 70 empresários, além dos académicos da Católica, é apresentado por Luís Onofre como um “choque estratégico” que prepara o setor para “uma nova década de crescimento”. Mais do que uma visão, sublinha o dirigente associativo, é “um compromisso do setor para aprofundar a sua competitividade no plano internacional e continuar a gerar valor para o nosso país”.
Numa altura em que a principal preocupação passa por aumentar o preço médio à saída da fábrica, que no último ano subiu apenas 5%, a APICCAPS continua a colocar na lista de prioridades a diversificação de destinos na exportação – os principais são França, Alemanha, Países Baixos (funciona como plataforma de acesso a outros mercados) e Espanha, que concentram perto de dois terços das vendas. Até setembro, os indicadores mais recentes do INE, Portugal exportou 61 milhões de pares de calçado, no valor de 1.537 milhões de euros, o que representa um crescimento de 22,5% face a igual período de 2021.
No plano estratégico traçado até ao fim da década, período em que a APICCAPS prevê um investimento de 600 milhões de investimento (140 milhões estão em curso com fundos do PRR), são apontados como consumidores potenciais do calçado português os que têm um rendimento per capita igual ou superior à média dos países da OCDE (cerca de 38.500 dólares), o que leva a associação sediada no Porto a mostrar num mapa as 145 cidades no mundo que devem ser consideradas prioritárias para a indústria nacional, 63% delas concentradas na Europa e nos Estados Unidos.
Outro destaque neste plano é a valorização da oferta portuguesa através da criação de marca, que viu a sua importância como argumento competitivo reforçado pela ascensão do comércio eletrónico. Segundo dados do Gabinete de Apoio à Propriedade Intelectual do Centro Tecnológico do Calçado, na última década foram criadas mais de 300 novas marcas de calçado no país. No entanto, reconhece a associação do setor, a criação da marca é “apenas o início de um processo e, em muitos casos, há todo um trabalho a desenvolver para assegurar a sua projeção internacional”.
A APICCAPS assume a dianteira com a criação do programa “Empreendedorismo de marca”, que vai apoiar o desenvolvimento de projetos de negócio assentes na utilização de marca própria, que terá de incluir um conjunto articulado de instrumentos:
- Apoios ao empreendedorismo inicial com concursos de ideias, acompanhamento de projetos com apoios para a realização e implementação dos primeiros planos de ação ou com consultadoria especializada;
- Mobilização de instrumentos de capital semente ou capital de risco para alavancar o processo de crescimento;
- Disponibilização de apoios financeiros para os investimentos em promoção internacional dirigida aos clientes finais;
- Programa de formação de quadros, de capacitação da gestão do topo e de mobilidade internacional com intercâmbio em diferentes áreas que permitam a redução do grave défice de competências de Portugal em todas as áreas de gestão ligadas às marcas.
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