O lado B do relatório da comissão de inquérito da TAP, segundo a oposição
Dos incidentes no Ministério das Infraestruturas à reunião preparatória da ex-líder da TAP com o grupo parlamentar do PS, oposição está unida nas críticas ao relatório preliminar da CPI.
“Este é um relatório sobre a TAP. Não pretende ser um “diário” da CPI. É um relatório sobre a gestão da empresa e a gestão da tutela política da TAP. E aqui importa ter presente que foi isso que nos foi exigido. Procurou-se assim evitar a exposição, e até mesmo alguma contaminação do relatório, a um conjunto de ações, situações e discussões que foram sendo arrastadas para a Comissão de Inquérito da TAP, que nos ocuparam bastante tempo, mas que efetivamente não constituem o seu objeto e, em alguns casos, são matérias que exigirão análise e atuação noutras sedes que não esta comissão.”
As frases acima constam da introdução do relatório preliminar entregue na noite de terça-feira pela deputada socialista Ana Paula Bernardo. O documento ainda não é o final mas esteve debaixo das críticas da oposição ao longo desta quarta-feira. A ausência dos acontecimentos com o ex-adjunto Frederico Pinheiro no Ministério das Infraestruturas, o papel de João Galamba na demissão da ex-líder da TAP e a inexistência de conferência de imprensa para os lucros de 2022 da companhia aérea são os principais problemas apontados pelos partidos.
A relatora do PS defende-se e entende que a não inclusão dos acontecimentos “não desvaloriza a sua pertinência ou relevância”. Ana Paula Bernardo considera que os factos “devem ser analisados e apurados e, se for esse o entendimento, assumidas as correspondentes ações corretivas pelas entidades, organismos ou órgãos competentes e apropriados para o efeito”.
Na oposição choveram críticas: o PSD falou em “relatório levezinho” para o primeiro-ministro e admitiu apresentar um relatório alternativo; o Iniciativa Liberal considerou o documento uma “obra de ficção”, anunciando que não vai apresentar qualquer proposta de alteração por não participar em “farsas”; o Chega alega que o relatório “foi escrito pelo Governo e enviado para o grupo parlamentar do PS ontem à noite”; o PCP lamentou que o texto desenvolvido sirva para “tentar justificar a privatização da TAP”; o Bloco de Esquerda considera que “há vontade de ajustar o relatório a consequências políticas que não serão tiradas”.
A saída “agressiva” do ex-adjunto
Os acontecimentos de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas que envolveram Frederico Pinheiro, antigo adjunto de João Galamba e membros do seu gabinete, bem como a recuperação do computador pelo SIS, não são incluídos na versão preliminar do relatório, apesar de terem sido objeto de várias audições. “O caso foi já remetido para as entidades policiais relevantes, do qual resulta a abertura de inquérito no Ministério Público. Este inquérito decorrerá independentemente e para lá dos trabalhos desta comissão”, justifica Ana Paula Bernardo.
Naquela noite, Frederico Pinheiro, já exonerado pelo ministro das Infraestruturas, deslocou-se ao ministério para ir buscar o computador de trabalho, onde tinha registado dezenas de notas de reuniões, inclusivamente em duas reuniões preparatórias da antiga líder da TAP antes de comparecer numa audição na comissão de Economia, a 18 de janeiro, sobre a indemnização à antiga administradora Alexandra Reis.
No entanto, houve problemas no processo. Frederico Pinheiro disse na sua audição que foi agredido e manietado por quatro pessoas e sequestrado no ministério no dia 26 de abril em que tentou ir buscar o seu computador de trabalho. “Não agredi ninguém, libertei-me em legítima defesa e chamei a polícia”, afirmou. Já Eugénia Correia defendeu que “quando se está perante um roubo tenta-se que a pessoa não concretize esse ato”. É assim que justifica a tentativa de retirar o computador ao ex-adjunto do ministério.
Intervenção do SIS
Frederico Pinheiro acabou por sair do edifício com o computador, que tinha informação classificada, como o plano de reestruturação da TAP. O SIS (Serviço de Informações e Segurança) foi chamado pela chefe de gabinete de João Galamba para recuperar o computador.
O ex-adjunto relatou que após ter recebido o telefonema do ministro a demiti-lo e ter ido buscar o computador de trabalho, no dia 26 de abril, enviou um email aos serviços informáticos, com conhecimento do ministro e da chefe de gabinete, Eugénia Correia, às 23h02 a disponibilizar-se para entregar o computador e o telemóvel de serviço. Poucos minutos depois recebeu o contacto de um número desconhecido, com o interlocutor a identificar-se como sendo um agente do SIS, que lhe estava a ligar para a devolução do computador.
O computador seria recuperado pelo SIS, cuja intervenção suscitou polémica, ao ser considerada desproporcionada ou mesmo ilegal. “A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, competente em razão da matéria, já ouviu o diretor do SIS e a Secretária-Geral do SIRP, tendo já sido prestados esclarecimentos sobre a situação”, considera a relatora.
O PSD contestou a análise desta ponto: “Um Governo em democracia indicou os serviços de informação para fazer a recolha do computador. Um facto de gravidade muito grande na democracia nas instituições, na confusão e na ingerência das instituições é completamente apagado. Isso é inadmissível”, lamentou Paulo Moniz.
A reunião preparatória
Ainda ausente do relatório está a reunião preparatória de deputados do PS, entre os quais Carlos Pereira, com Christine Ourmières-Widener na véspera da audição parlamentar na comissão de Economia. A relatora remeteu a avaliação do caso para o parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, que concluiu que o encontro não feriu qualquer regra ou princípio aplicável ao comportamento dos deputados. Carlos Pereira acabaria por sair da comissão de inquérito em meados de abril.
No documento, Ana Paula Bernardo contesta o prolongamento da CPI para audições adicionais. “Não tendo posto em risco o cumprimento do mandato, a inquirição sobre factos e acontecimentos “externos” ao nosso mandato, acabou por estender desnecessariamente os trabalhos da CPI, sem que tal tivesse dado contributo válido, por vezes antes pelo contrário, para o aprofundamento das matérias relacionadas com a gestão da TAP”.
A saída de Alexandra Reis
Nas conclusões sobre o processo que deu origem à comissão parlamentar de inquérito (CPI) – a indemnização de 500 mil euros brutos pagos a Alexandra Reis –, o relatório salienta não “existirem evidências de que a tutela acionista da TAP, o Ministério das Finanças, tivesse tido conhecimento do processo de saída” da antiga administradora. “O Ministério das Finanças teve conhecimento no momento da publicação no site da CMVM do comunicado enviado pela TAP no dia 4 de fevereiro”, sublinha.
Já a tutela setorial, o Ministério das Infraestruturas e Habitação, teve conhecimento do processo, mas nem o ministro, Pedro Nuno Santos, nem o secretário de Estado, Hugo Mendes, “conheciam o clausulado do acordo, ainda que conhecessem a discriminação das várias parcelas englobadas no montante da indemnização”. Salienta que Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes “assumiram as suas responsabilidades políticas na gestão deste processo, tendo apresentado as suas demissões em 28 de dezembro de 2022”.
Esta conclusão é “incompreensível” para o Bloco de Esquerda, que entende que Pedro Nuno Santos e Hugo Santos Mendes “assumiram as suas responsabilidades” mas depois o relatório indica que o processo “foi apenas conduzido pela ex-líder” da TAP.
Os partidos com assento na CPI têm até dia 10 de julho para apresentar propostas de alteração ao relatório da responsabilidade da deputada socialista Ana Paula Bernardo. A apresentação e discussão da versão final está agendada para dia 13. Segue-se a apreciação do documento no plenário da Assembleia da República, prevista para dia 19.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP, mas abordou também a privatização de 2015, a recompra de parte do capital pelo Estado em 2017, a compra da participação de David Neeleman em 2020, o plano de reestruturação aprovado em 2021 ou a demissão da antiga CEO.
Ao longo de três meses realizaram-se 46 audições presenciais, que duraram cerca de 170 horas, foram pedidos dez depoimentos por escrito e dezenas de documentos ao Governo, à TAP e a outras entidades.
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