Juíza do caso EDP pediu escusa. E agora, o que acontece ao julgamento?
Tribunal da Relação de Lisboa irá apreciar o pedido de escusa da magistrada em 30 dias. Caso aceite, o julgamento que envolve Salgado, Pinho e Alexandra Pinho pode ou não continuar?
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) vai agora decidir se a magistrada que julga Manuel Pinho e Ricardo Salgado – no âmbito do processo EDP – tem ou não condições para se manter no julgamento, que já conta com seis sessões.
Em causa, o facto de a juíza-adjunta do julgamento do Caso EDP, que foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES), ter apresentado na segunda-feira um incidente de escusa para que o Tribunal da Relação decida se deve ou não continuar no coletivo.
Este tribunal superior dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre esta escusa. “Tendo a Juiz Presidente do coletivo considerado os atos urgentes, o julgamento continuará, sem o afastamento da Juiz em questão, até à decisão do TRL”, explica fonte oficial do Conselho Superior da Magistratura, em declarações ao ECO/Advocatus.
Diz o CPP que “depois de apresentados o requerimento, o juiz visado pratica apenas os atos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência”. Neste caso, o julgamento é considerado um ato urgente.
Antes de se iniciar a sexta sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa – e após se saber que as defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho apresentaram um requerimento para que a juíza avalie a sua imparcialidade, avançando que o ex-marido de Margarida Ramos Natário terá recebido 1,2 milhões de euros através da sociedade ES Enterprises, considerado o ‘saco azul’ do GES – a magistrada decidiu anunciar este pedido à Relação.
“Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz, não que considere que tenha mudado muita coisa. Perante as notícias que têm saído desde quinta-feira, acho que se impõe que suscite de modo próprio o incidente de escusa e que a Relação decida. Fá-lo-ei, não porque considere que algo mudou”, disse Margarida Ramos Natário.
E agora, o que pode acontecer ao julgamento, caso a Relação aceite a escusa?
“Agora, cabe ao Tribunal da Relação de Lisboa avaliar este pedido de escusa. Mas que deverá ser indeferido, já que é o que acontece com a quase totalidade dos pedidos de escusa”, explica o penalista Paulo Saragoça da Matta, em declarações ao ECO/Advocatus. “Mas, caso venha a ser aceite, será nomeado outro juiz/juíza. E nada deverá acontecer ao que até agora foi feito em sede de julgamento, já que foram apenas ouvidos os arguidos e ainda não foi feita a prova testemunhal. Considera-se que a declaração dos arguidos, sendo gravada, pode ser posteriormente ouvida pelo novo juiz”.
O advogado Dantas Rodrigues diz que “no âmbito do pedido de escusa, não se pode sindicar a atividade jurisdicional da Juíza, ou seja, não interessa apurar se as decisões desta são ou não são justas, equilibradas e conformes ao direito”. Por isso, o advogado relembra que toda a prova produzida em que a mesma esteve presente, “essa apreciação não é objeto de análise no pedido de escusa. Portanto a mesma não será repetida ou expurgada dos autos”. Mas se os advogados de defesa os quiserem pôr em causa, podem fazê-lo mas “em momento posterior e reservado aos recursos”.
O advogado concluiu que no pedido de escusa “apenas se averigua se ocorre alguma situação objetiva que, por fragilizar a independência ou a imparcialidade do Juiz, possa justificadamente minar a confiança pública na administração da justiça”.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, “deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos”.
O que diz a lei?
Escreve o Código de Processo Penal (CPP) que a” intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Acrescentando que “o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir” quando se verificarem as condições referidas.
O CPP explica ainda que os atos processuais praticados por juiz que tenha pedido escusa “até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo”. E acrescenta que “os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo”.
Diz ainda a lei que uma das formas de garantir a imparcialidade dos magistrados consiste em estabelecer um conjunto de circunstâncias “que obstam, ou podem obstar, a que um juiz exerça funções num determinado processo por poder estar em causa a sua imparcialidade”. Essas circunstâncias reconduzem-se a duas categorias distintas: os impedimentos e as suspeições. Os impedimentos mais flagrantes, diz a lei, pode passar por:
- O juiz ser ou ter sido cônjuge, unido de facto, ascendente, descendente, parente até ao 3.º grau, tutor ou curador, adotante ou adotado de uma das pessoas envolvidas no processo (por exemplo, um arguido);
- O juiz ter tido intervenção no processo noutra qualidade que não a de juiz (por exemplo, na de magistrado do Ministério Público, de órgão de polícia criminal, de perito, etc.) ou ter sido ou dever vir a ser ouvido como testemunha;
- E ter ainda tido intervenção no mesmo processo, na qualidade de juízes, cônjuges, unidos de facto, parentes ou afins até ao 3.º grau (neste caso, apenas um dos juízes poderá exercer funções).
O que alegam as defesas dos arguidos?
De acordo com o requerimento das defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho submetido ao tribunal, António Miguel Natário Rio Tinto, ex-marido da magistrada que integra o coletivo deste julgamento, “foi remunerado através de uma conta sediada no estrangeiro titulada pela Enterprises Management Services Ltd., que, segundo a acusação, constituía o ‘saco azul do GES’”, enquanto era quadro superior da instituição liderada pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado.
“Foi por essa mesma conta que, segundo a acusação, foi remunerada a Tartaruga Foundation de que era beneficiário o arguido Manuel Pinho (…), ou seja, o mecanismo utilizado para efetuar pagamentos no estrangeiro ao arguido Manuel Pinho e ao Eng.º Rio Tinto é precisamente o mesmo”, lê-se no documento, acrescentando que estes pagamentos, por regra, não eram declarados fiscalmente.
Os advogados Ricardo Sá Fernandes e Manuel Magalhães e Silva – que representam Manuel Pinho e Alexandra Pinho, respetivamente – asseguraram ainda que terão existido outros pagamentos ao ex-marido da juíza, feitos através do Banque Privée por outras empresas do Grupo Espírito Santo (GES), embora descartem qualquer juízo de valor sobre a conduta de António Miguel Natário Rio Tinto.
Apesar de defenderem que “não se põe em causa a idoneidade” da juíza-adjunta e que “não se duvida que a mesma julgue genuinamente que pode participar no julgamento com inteira imparcialidade”, as defesas deixaram um alerta para a forma como esta situação pode ser percecionada pelos cidadãos.
“A questão resume-se ao risco de, a partir da factualidade em causa, se gerar uma suspeita sobre a imparcialidade, objetivamente apreciada, da Dra. Margarida Ramos Natário, ditada por circunstâncias de que a meritíssima Juíza até se pode ainda não ter apercebido, mas que são suscetíveis de lançar essa dúvida para um observador externo, o que é atendível à luz de um critério de transparência e isenção que a comunidade dos cidadãos – o povo – tem direito a ver respeitado”, vincaram.
As defesas citaram também declarações da juíza no âmbito de outro processo judicial, no qual Margarida Ramos Natário testemunhou que se divorciaram em agosto de 2014, mas continuaram a viver em união de facto e que o divórcio teria ocorrido por “precaução” e para “salvaguarda dos filhos”, pelo que “dividiram património” face à situação que se vivia então no BES, com o colapso do banco.
Da parte da defesa de Ricardo Salgado, o advogado Francisco Proença de Carvalho disse que não poderia revelar a sua estratégia devido ao segredo profissional mas esclareceu que não assinou este pedido dos seus colegas.
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