O que acontece com o Orçamento do Estado após a demissão de Costa?
Após a demissão de António Costa, caso o Presidente decida dissolver o Parlamento, o Orçamento do Estado para 2024 fica sem efeito. Maioria das medidas não avança.
O primeiro-ministro demitiu-se, após ser “surpreendido” com uma investigação autónoma pelo Supremo Tribunal de Justiça por causa dos negócios do lítio e do hidrogénio verde. É ainda incerto qual será o cenário a seguir, já que o Presidente da República só vai falar ao país na quinta-feira, depois de reunir com os partidos e o Conselho de Estado. No entanto, o mais certo é que o Orçamento do Estado para 2024, que ainda estava sob apreciação na Assembleia da República, fique pelo caminho – e com ele, algumas das medidas mais emblemáticas, como a redução do IRS ou o aumento do IUC.
Existem agora alguns cenários, sendo que Marcelo Rebelo de Sousa pode decidir demitir o Governo mas manter a Assembleia. Mas pode também decidir dissolver o Parlamento e convocar eleições, sendo que aí o Orçamento do Estado não avança e o país fica em duodécimos.
O que isto significa é que se pode gastar o máximo de 1/12 por mês do total orçamentado para 2023 – ou seja, tem disponível para gastar o mesmo que teve no ano anterior.
O Orçamento para 2024 apenas tinha sido aprovado na generalidade, com os votos a favor do PS, abstenção do PAN e Livre e voto contra dos restantes. Estava agora na fase de especialidade, com as audições dos vários ministros, ao que se seguia a votação das propostas de alteração e toda a proposta do Governo, culminando na votação final global a 29 de novembro. Agora, a evolução do processo é incerta, sendo que falta ainda perceber os timings que Marcelo Rebelo de Sousa vai determinar para a saída de António Costa – e, consigo, dos restantes membros do Governo – e a eventual dissolução do Parlamento.
Se o Presidente dissolver apenas depois da votação final global, existem dúvidas sobre se o Orçamento pode entrar em vigor – isto segundo o entendimento de alguns constitucionalistas, bem como do coordenador da UTAO, Rui Nuno Baleiras, segundo declarações à Lusa. No entanto, Jorge Bacelar Gouveia e Fernando Condesso destacam, ao ECO, o artigo 167º da Constituição da República Portuguesa que indica que “as propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo“, pelo que a proposta de Orçamento deveria caducar também com a queda do Governo.
Nesse caso, há várias bandeiras do OE que não vão avançar, pelo menos por agora. É o caso da redução de IRS, no valor de 1.300 milhões de euros, ou o reforço do IRS jovem. O aumento do IUC e de vários impostos indiretos, com destaque para as bebidas alcoólicas e do tabaco, também fica “congelado”, já que são questões que têm de ir ao Parlamento para serem aprovadas.
O OE previa ainda um reforço do abono de família, com um aumento de 25% a 30%, bem como a internalização do apoio de 15 euros por criança ou jovem. Além disso, estava também previsto o alargamento da gratuitidade das creches para as crianças que ingressam até ao 3º ano de creche, em setembro de 2024.
Estava adicionalmente previsto o alargamento da gratuitidade das creches para as crianças que ingressam até ao 3º ano de creche, em setembro de 2024. Esta medida abrange a rede do setor social e solidário, e complementarmente o setor lucrativo, tendo um universo de beneficiários de 120 mil crianças.
Para as empresas, grande parte das medidas assentava também na área fiscal e ficam agora dependentes de nova aprovação. Estavam previstas mudanças nos incentivos à capitalização e nas regras dos benefícios fiscais ao investimento, bem como a redução das tributações autónomas na compra de viaturas e a isenção de IRS e de descontos para a Segurança Social na distribuição de lucros aos trabalhadores e também na renda da casa paga pela empresa.
A taxa de IRC das startups ia baixar para 12,5% em 2024, além de que o Governo ia alargar o regime fiscal aplicável às stock options (pacote de ações atribuído pelas empresas) aos membros de órgãos sociais e estende-o às entidades que tenham criado esse plano “no ano da sua constituição ou no primeiro ano de atividade”. Estas medidas, caso avance a dissolução, ficam sem efeito até um novo orçamento ser aprovado.
Por outro lado, há medidas que apesar de terem impacto orçamental e serem mencionadas agora, podem avançar mesmo sem um Orçamento do Estado em vigor. É o caso do aumento das pensões, que depende da lei e não do orçamento – já que o Governo se comprometeu ao cumprimento da fórmula de atualização das pensões.
Outro caso é o aumento do salário mínimo, que poderá avançar porque é determinado por decreto do Governo – ainda que não seja completamente certo. A questão também se colocou em 2022, quando tinha sido chumbado o Orçamento em outubro de 2021, e foi possível o aumento entrar em vigor a 1 de janeiro de 2022. No próximo ano, a remuneração mínima estava prevista subir para 820 euros.
É de salientar, no entanto, que o Governo não vai estar (em princípio) na mesma situação que na altura, já que não houve demissão em 2021, mas apenas a dissolução. Desta vez, será um governo em gestão, que tem poderes limitados. O que diz na Constituição é que “o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, sendo que a interpretação destes poderá ser flexível. No entendimento do constitucionalista Jorge Pereira da Silva, o Governo poderá aprovar este decreto, até porque é um processo na fase final e já teve acordo na concertação social.
Uma questão diferente são os aumentos da Função Pública, sendo que tudo dependerá da disponibilidade orçamental. O Governo poderá gastar 1/12 do orçamentado em 2023, sendo que foi um ano em que para além da atualização anual, houve um aumento intercalar pelo que poderá existir margem para pagar os salários.
No ano passado, o Governo decidiu mudar a lei orçamental para que fosse possível pagar o subsídio de férias aos funcionários públicos, mesmo que sem um novo Orçamento do Estado para 2022 em vigor. De salientar também que o Governo chegou a incluir no regime transitório dos duodécimos uma exceção às verbas do Plano de Recuperação e Resiliência. Mas tudo dependerá do espaço de manobra, dependendo da situação do Governo que acabar por ser decidida.
É de sinalizar que se se avançar para a dissolução do Parlamento, as eleições legislativas antecipadas têm de se realizar nos 60 dias seguintes à data da dissolução. Existe também outra condicionante no próximo ano, que se prende com as eleições europeias, que estão marcadas para junho.
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