Bancos portugueses são quase duas vezes mais rentáveis do que os europeus
No primeiro semestre, a rendibilidade dos capitais próprios saltou para o valor histórico de 13,71% e a margem financeira atingiu 2,38 vezes os ativos dos bancos. Na Zona Euro, este rácio é de 1,37.
A banca nacional está a atravessar um período como há muito não vivia com níveis de rentabilidade históricos. No espaço de um ano, os bancos portugueses passaram de uma faturação de 149 euros em junho do ano passado com o diferencial das taxas de juro por cada 100 euros de ativos, para faturarem 258 euros no final do segundo trimestre deste ano. É quase o dobro dos 137 euros que os bancos da Zona Euro faturam com os mesmos 100 euros de ativos.
“A diferença na evolução da margem financeira entre Portugal e a área do euro deveu-se, sobretudo, ao maior aumento em Portugal do diferencial entre a taxa de juro do crédito concedido e a taxa de juro dos depósitos, tanto para famílias como para sociedades não financeiras”, refere o Banco de Portugal no Relatório de Estabilidade Financeira apresentado na quarta-feira.
Os números revelados pela entidade liderada por Mário Centeno mostram também que o balanço dos bancos está sólido. É disso exemplo o aumento homólogo de 0,44 pontos percentuais da rendibilidade dos ativos (ROA na sigla inglesa) para os 1,16% no final do primeiro semestre. Trata-se do valor mais elevado desde pelo menos 2010 (início da série do Banco de Portugal).
“A melhoria do ROA alicerçou-se na subida expressiva da margem financeira em percentagem do ativo de 1,49% para 2,58% (contributo de 1,01 ponto percentual), que decorreu do aumento acentuado das taxas de juro de mercado interbancário e da transmissão diferenciada às taxas de juro do crédito e dos depósitos, com estas últimas a registar um ajustamento mais gradual e parcial”, explica o Banco de Portugal no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro.
Segundo o Banco de Portugal, somente nos primeiros seis meses do ano, a margem financeira dos bancos atingiu 8,3 mil milhões de euros com o diferencial entre as taxas de juro ativas (cobrada nos créditos) e as taxas de juro passivas (oferecidas nos depósitos). Um ano antes, entre janeiro e junho de 2022, a margem financeira da banca não chegava aos 5 mil milhões de euros.
Risco da taxa de juro deve deixar banqueiros em alerta
A banca nacional atravessa um “momento único” na sua história, como descreveu o governador do Banco de Portugal no início de novembro. Isso também é visível pelo rácio de transformação de 80% em junho (abaixo da média da Zona Euro) e pela quase triplicação da rendibilidade dos capitais próprios nos últimos três anos, passando de 5,41% em 2021 para 13,71% no final do primeiro semestre deste ano, como revela o regulador no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro.
No entanto, este quadro solarengo não deixa apagar uma série de desafios que o setor tem pela frente. “O sistema bancário português continua a exibir concentração no imobiliário e em títulos de dívida que representam 50% do ativo total”, destaca o Banco de Portugal.
A exposição ao imobiliário representava 35,4% do ativo em junho de 2023, refere o regulador, continuando os empréstimos a particulares garantidos por imóveis a ser a componente mais relevante (26,2% do ativo). Por sua vez, a carteira de títulos de dívida pública representava 15,5% do ativo dos bancos no final do primeiro semestre, com 40% desta exposição a ser garantida por títulos de dívida da República.
Este quadro de exposição, tanto ao imobiliário como a títulos de dívida, acarreta riscos para o setor num período como o atual, marcado pela expectativa de as taxas de juro manterem-se elevadas por um período longo e pela ocorrência de um abrandamento da economia.
É muito importante que o setor bancário planei os seus buffers, construa as almofadas necessárias, porque o ciclo pode mudar, vai mudar. Não sabemos quando será, mas temos de estar preparados.
Se, por um lado, a permanência das taxas de juro nos níveis atuais pressionar os títulos de dívida e levar ao aumento do incumprimento de créditos, sobretudo por parte das famílias mais vulneráveis, por outro, um cenário macroeconómico restritivo como várias organizações antecipam para 2024, poderá “potenciar uma correção de preços no mercado imobiliário residencial”.
No entanto, o Banco de Portugal considera que “a oferta limitada de habitação nova e a inexistência de um stock acumulado de casas disponíveis mitigam o impacto sobre os preços em caso de redução da procura” e que a grande maioria dos títulos de dívida não se encontra na carteira de negociação dos bancos, retirando assim pressão sobre o balanço sobre uma eventual desvalorização dos ativos — estes títulos são tidos como instrumentos não disponíveis para venda na carteira dos bancos, e por isso com o objetivo de os levar até à maturidade.
Face a esta realidade, os riscos parecem estar bastante controlados, mas a entidade liderada por Mário Centeno considera que a gestão e a monitorização do risco de taxa de juro assumem “uma importância acrescida para os bancos e para os supervisores” nos próximos meses.
O ex-ministro das Finanças chega inclusive a aconselhar os bancos a tomarem medidas para a mudança do ciclo económico. “É muito importante que o setor bancário planei os seus buffers, construa as almofadas necessárias, porque o ciclo pode mudar, vai mudar. Não sabemos quando será, mas temos de estar preparados”, referiu Mário Centeno num encontro promovido pelo American Club de Lisboa a 9 de novembro.
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