Agricultores em protesto pela Europa pedem revisão da PAC e suspensão de acordos de livre comércio
Manifestações do setor alastram-se por toda a Europa contra regras acordadas por Bruxelas. Exigências incluem revisão da Política Agrícola Comum e suspensão de acordos de livre comércio.
Há mais de uma semana que França tem sido o epicentro da mais recente vaga de protestos do setor agrícola, mas outros países estão a aderir à paralisação. Em Itália, Bélgica, Alemanha, Grécia, Polónia, Roménia, Espanha e agora também Portugal, milhares de agricultores contestam a quebra de rendimentos face à subida da inflação e dos preços da energia, a legislação ambiental, a concorrência desleal de alguns mercados externos e os acordos de comércio livre.
Numa tentativa de pôr fim aos bloqueios de estradas com tratores, os governos dos vários países têm-se desdobrado em anúncios de medidas e pacotes financeiros. Contudo, o descontentamento da maior parte dos agricultores europeus parece dirigido a Bruxelas, que acusam de lhes impor medidas ambientais com altos custos e sobrecarregadas de burocracia, em nome da “transição verde”.
Ao mesmo tempo, também se insurgem contra a importação de bens de países terceiros a baixos preços, em particular de cereais e outros produtos agrícolas da Ucrânia, e contra acordos de livre comércio que a União Europeia (UE) tem assinado nos últimos anos, incluindo aquele que deveria ser ratificado em breve com os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).
Do Presidente francês, Emmanuel Macron, é conhecida a oposição ao acordo entre a UE e o bloco regional. Na terça-feira, o porta-voz do Executivo comunitário, Eric Mamer, confirmou não estarem ainda reunidas as condições para fechar o acordo, mas adiantou que “as negociações prosseguem”, contrariando o pedido de Paris para que fossem encerradas.
Entretanto, Macron já pediu uma revisão sobre as importações da Ucrânia, um assunto que foi discutido durante um encontro esta quinta-feira em Bruxelas com Ursula von der Leyen. Mas o tema deverá ser debatido entre os 27 Estados-membros, que esta quinta e sexta-feira estarão reunidos em cimeira europeia.
Antevendo o Conselho Europeu, o Executivo comunitário propôs esta quarta-feira medidas de salvaguarda que limitam os volumes de certos produtos sensíveis, como aves de capoeira, ovos e açúcar, prevendo um “travão de emergência” para estabilizar as importações, pondo como limite os volumes médios de importação em 2022 e 2023. Se estes valores médios forem ultrapassados, serão repostas as taxas e direitos aduaneiros.
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As medidas apresentadas surgem no âmbito da prorrogação, a partir de junho, da isenção de taxas alfandegárias à importação de produtos agrícolas ucranianos. O objetivo é cumprir o apoio a Kiev e, simultaneamente, proteger os agricultores mais afetados na UE, nomeadamente nos países vizinhos. Outra proposta é renovar, por mais um ano, a suspensão das taxas a importações da Moldova, em vigor desde julho de 2022, o que, tal como as restantes medidas, tem de receber ‘luz verde’ do Parlamento Europeu e do Conselho da UE.
Apelos à revisão da PAC e suspensão de acordos de livre comércio com países extra-UE
A estimativa do Governo francês aponta para cerca de dez mil pessoas a participar nas manifestações em diferentes pontos do país. Em resposta às exigências de melhor rendimento pelos seus produtos, menos burocracia e proteção contra importações baratas, o recém-nomeado primeiro-ministro anunciou a implementação de controlos sobre produtos alimentares estrangeiros, a fim de garantir “concorrência leal” no setor agrícola.
Paralelamente, Gabriel Attal prometeu multas para os retalhistas de alimentos que não cumprirem uma lei destinada a garantir uma parcela justa das receitas para os agricultores, enquanto o ministro da Agricultura francês, Marc Fesneau, anunciou, em entrevista à Sud Radio, um pacote de 80 milhões de euros para os produtores de vinho, destinados a cobrir as perdas e aumentar a liquidez este ano, mas acrescentou que aguarda mais propostas “antes do final da semana”.
Em França, os protestos têm-se multiplicado por todo o país desde o outono, neste caso em boa parte contra a política agrícola europeia e o fardo da transição verde — as principais reivindicações prendem-se com melhor remuneração para os seus produtos, menos burocracia e proteção contra as importações. O Governo reforçou a presença policial sobretudo em Paris, para impedir que os manifestantes tentem entrar na capital, depois de, na segunda-feira, terem cercado a região com barricadas congestionadas.
Porém, a maioria dos sindicatos agrícolas franceses está agora a apelar à suspensão dos bloqueios de estradas no país, segundo a agência France Presse. “O movimento não para, transforma-se”, declarou o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos Agrícolas (FNSEA), Arnaud Rousseau, numa conferência de imprensa. Rousseau avisou que haverá novas mobilizações se os anúncios feitos pelo primeiro-ministro, Gabriel Attal, não forem concretizados no prazo de 15 dias e se não entrarem em vigor em junho, de acordo com a agência espanhola Efe.
Os protestos alastraram para a Bélgica, onde os agricultores bloquearam, na quarta-feira, o acesso ao porto de Zeebrugge, um dos principais do país, e encheram Namur de tratores. Esta quinta-feira estão a protestar no exterior da sede da Comissão Europeia. Os primeiros tratores chegaram às ruas de Bruxelas ainda no domingo, mas já são centenas.
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Neste clima de descontentamento, o Executivo comunitário anunciou também que vai aprovar esta quinta-feira uma revogação temporária das normas europeias que obrigam a manter algumas terras em pousio, outra questão criticada nas manifestações em curso na UE. O próprio Governo francês já pediu uma nova revogação da obrigatoriedade de deixar 4% das terras em pousio.
Na Alemanha, a mobilização dos agricultores tem um cariz mais nacional, visto que a indignação foi causada pelo anúncio, em dezembro, de uma redução nas subvenções e, em particular, a eliminação de benefícios fiscais sobre o gasóleo agrícola. Ao Governo de Olaf Scholz, exigem a isenção de impostos sobre os veículos agrícolas e florestais e o apoio ao gasóleo agrícola.
A Associação Alemã dos Agricultores, principal organizadora das manifestações de quarta-feira, criticou, numa carta aberta dirigida ao chanceler, a vontade “até agora irreconhecível” do Governo federal de fazer mais concessões ao setor agrícola, apelando a um “sinal claro de que a agricultura na Alemanha deve ter futuro e que está assegurada a [sua] competitividade”.
Já na Grécia, milhares de agricultores e criadores de gado têm organizado protestos durante a última semana, que incluem bloqueio de estradas, contra o aumento contínuo dos custos de produção e a diminuição dos rendimentos. Embora o primeiro-ministro conservador grego, Kyriakos Mitsotakis, tenha anunciado na terça-feira que o Governo vai aumentar a ajuda — dos atuais 2.000 euros para um máximo de 10.000 euros — a cada produtor da região central do país, onde as cheias de setembro passado dizimaram as colheitas, os agricultores consideram esta medida insuficiente e exigem que as indemnizações do Estado sejam pagas desde já.
Outra das principais reivindicações dos agricultores gregos é a revisão da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, cuja aplicação, segundo clamam, reduz o rendimento para metade, exigindo ainda uma redução dos custos de produção através de isenções fiscais para os combustíveis, bem como uma indemnização devido à diminuição de lucros e a uma série de catástrofes naturais. Esta quinta-feira, os protestos continuam no norte do país com centenas de tratores na cidade de Salónica.
Também as três principais organizações agrícolas espanholas aderiram ao movimento de protesto dos agricultores europeus, prometendo uma série de mobilizações em todo o país durante as próximas semanas. A Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), a UPA – União de Pequenos Agricultores e Ganadeiros e a Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros (COAG) defendem a necessidade de mudanças a nível da UE, nas políticas governamentais e na aplicação pelas comunidades autónomas.
Em relação à UE, destacaram a “concorrência desleal” e a luta dos agricultores contra um mercado desregulado que importa de países terceiros “a preços baixos” e com regulamentos desiguais. Consideraram tratar-se de “uma contradição e hipocrisia” que põem em causa a viabilidade de milhares de explorações agrícolas.
Por isso, os agricultores espanhóis exigem, à semelhança dos franceses, a suspensão da ratificação dos acordos com o Mercosul e a Nova Zelândia, e das negociações com o Chile, o Quénia, o México, a Índia e a Austrália, bem como o aumento dos controlos das importações provenientes de Marrocos. Os motivos dos protestos em Espanha abrangem a atual PAC, que consideram implicar uma burocracia insuportável e com custos ambientais.
A nível nacional, pedem a alteração e o alargamento da lei sobre a cadeia agroalimentar para proibir práticas desleais, de modo a que os preços dos agricultores cubram os custos de produção, apelando também à criação de um observatório das importações e que a batalha em Bruxelas seja reforçada para exigir reciprocidade para todos os produtos agrícolas e pecuários que entram no território da UE. Nas comunidades autónomas, exigem “reformas urgentes em termos de simplificação dos procedimentos burocráticos que asfixiam os profissionais da agricultura”.
Agricultores portugueses protestam apesar de novos apoios do Governo
Centenas de agricultores portugueses juntaram-se esta quinta-feira aos protestos que têm acontecido noutros países europeus. De norte a sul, cortando o acesso a várias estradas e autoestradas desde as 7h30, reclamam a valorização do setor e condições justas.
Segundo a Guarda Nacional Republicana (GNR), a A25, na Guarda, estava condicionada ao trânsito com um corredor de emergência, com concentrações de 200 tratores, enquanto em Portalegre, na fronteira do Caia no sentido Portugal-Espanha, havia esta manhã uma marcha lenta com outros 200 tratores. Em Santarém, estão concentrados 100 tratores na Golegã, com condicionamento na ponte da Chamusca, e em Beja, entre Vila Verde e Ficalho, na Estrada Nacional 260, há uma concentração de cerca de 45 tratores e quatro viaturas pesadas. Mas as autoridades recomendam aos automobilistas que vão verificando em contínuo os pontos de constrangimento do trânsito através das plataformas existentes.
O protesto partiu de uma iniciativa do Movimento Civil de Agricultores, decorrendo um dia depois de o Governo ter anunciado um pacote de mais de 400 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC). O pacote abrange um apoio à produção, no valor de 200 milhões de euros, cujo maior impacto será nas regiões mais afetadas, como é o caso do Alentejo e do Algarve, e uma linha de crédito de apoio à tesouraria de 50 milhões de euros, com taxa de juro zero.
Por outro lado, o Governo português vai baixar o ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) do gasóleo agrícola para o mínimo permitido, “uma redução de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos”, ou seja 55%, de acordo com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes. Está também previsto um reforço de 60 milhões de euros no primeiro pilar do PEPAC nos apoios à produção, de modo a assegurar as candidaturas aos ecorregimes agricultura biológica e produção integrada.
O segundo pilar do PEPAC também será reforçado, com 60 milhões de euros, para assegurar, “até fevereiro”, o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e clima. “Comprometemo-nos com a reprogramação do PEPAC e a submeter medidas, a pedido dos agricultores, de ambiente e clima” no âmbito do desenvolvimento rural, que corresponde ao segundo pilar da PAC, afirmou Maria do Céu Antunes, na conferência de imprensa em que foram anunciados os apoios. Em causa está um montante de 58 milhões de euros.
Para a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), o compromisso do Governo “dá razão às exigências da CAP e corrige o gravíssimo erro de gestão do Ministério da Agricultura, possibilitando que o setor agroflorestal invista nos modos de produção biológica e integrada”. Num comunicado, enviado às redações na quarta-feira, em que afirma entender a revolta do setor, ressalva, porém, não ser aceitável pôr em causa o funcionamento do mercado único europeu através de bloqueios que impedem a circulação de mercadorias, levando à deterioração de produtos e que impõem elevados prejuízos aos produtores, incluindo portugueses.
Ainda na quarta-feira, o presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, chegou a avançar também que o Governo vai reverter os cortes previstos para os agricultores, no âmbito do Plano Estratégico da PAC, que no caso da agricultura biológica poderiam ascender a 35%. Porém, a reversão carece de uma autorização especial da Comissão Europeia — que, segundo a confederação, o Ministério da Agricultura comprometeu-se a agilizar de imediato.
Os protestos dos agricultores, principalmente os bloqueios em França, estão a afetar outros setores, em especial as empresas de transporte de mercadorias. Em declarações à Lusa, o porta-voz da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), André Matias de Almeida, disse que as empresas portuguesas estão a registar prejuízos elevados.
“Os bloqueios não só atrasam as descargas das mercadorias como atrasam as cargas, ou seja, um veículo destes quando faz uma descarga faz também uma carga, que fica também atrasada”, contou. De acordo com André Matias de Almeida, estarão em França entre 10 a 15 mil camiões portugueses, ou mais, segundo um balanço feito na quarta-feira.
Entretanto, representantes de associações agrícolas de Portugal, bem como de Espanha e Itália, vão participar esta quinta-feira numa manifestação no bairro europeu, pela hora do almoço, para explicar as razões do protesto.
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