Montenegro “obrigado” a testar candidatos ao Governo com as 36 perguntas de Costa
A resolução de Conselho de Ministros que aprovou questionário para avaliar condições políticas de membros do Governo não é lei, mas no núcleo duro de Montenegro é considerada politicamente obrigatória
Indigitado primeiro-ministro pelo Presidente da República, Luís Montenegro prepara-se agora para formar Governo. Uma das primeiras decisões que terá de tomar nesse processo para ‘recrutar’ membros da equipa governativa é se vai aplicar o teste de 36 perguntas criado por António Costa, no ano passado, que atua como um mecanismo de verificação prévia dos candidatos a ministros ou secretários de Estado. Não é obrigado por lei, mas deverá ser forçado a fazê-lo em nome do escrutínio público e político.
A medida criada por António Costa no ano passado consiste no preenchimento de um questionário de 36 perguntas pelos candidatos a cargos no Governo, que é posteriormente avaliado pelo líder do Executivo e pelos ministros (no caso do candidato a secretário de Estado) e entregue ao Presidente da República. Entre as questões, é pedida a declaração de rendimentos, áreas em que o candidato ao cargo trabalhou, as suas áreas de interesse, os impedimentos e conflitos de interesse, a situação patrimonial do candidato, a situação fiscal e, por último, questões relacionadas com questões criminais.
O questionário que serviu de base para evitar o surgimento de mais “casos e casinhos”, foi aprovado em Conselho de Ministros, a 13 de janeiro de 2023, na sequência da demissão da secretária de estado da Agricultura, Carla Alves, a 12ª baixa do Governo de António Costa.
No núcleo duro da equipa de Montenegro, há quem entenda que o primeiro-ministro indigitado deverá ver como vinculativa a Resolução de Conselho de Ministros (RCM). A decisão final será, claro, do líder do PSD, até porque, como referem advogados ao ECO, o regulamento não tem força de lei, mas poderá ser interpretado como vinculativo.
O questionário tem 36 perguntas. Estas são seis das mais importantes:
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– Presta, ou desenvolveu nos últimos três anos, atividade de qualquer natureza, com ou sem carácter remunerado ou de permanência, suscetível de gerar conflitos de interesses, reais, aparentes ou meramente potenciais com o cargo a que é proposta/o?
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– Algum membro do seu agregado familiar, detém capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
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– É titular de património e/ou contas bancárias sediadas no estrangeiro?
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– A sociedade ou empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes detenham capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerçam cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
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– Alguma vez foi condenado por qualquer infração penal ou contraordenacional?
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– Tem conhecimento de que seja objeto de investigação criminal qualquer situação em que, direta ou indiretamente, tenha estado envolvido?
“O regulamento não é lei, mas é importante e é tão vinculativo como se fosse”, sublinha José Moreira da Silva da SRS Legal ao ECO. Jane Kirkby, sócia da Antas da Cunha ECIJA, faz a mesma leitura do diploma, dizendo ao ECO que a resolução em causa cai “no âmbito da competência administrativa e não legislativa do Governo”, não tendo por isso um caráter legislativo. “Salvo se o próximo Governo decidir revogar a resolução em causa, esta ser-lhe-á aplicável”, sublinha.
Caso Montenegro decida revogar esta resolução, apenas poderá fazê-lo em sede de Conselho de Ministros, já depois da equipa do novo primeiro-ministro ser empossada (e ter, eventualmente, respondido às 36 questões). O ECO questionou o PSD se depois da nomeação dos novos secretários de Estado e ministros se essa intenção estaria em cima da mesa, mas até à publicação deste artigo não obteve resposta.
Mas as opiniões entre os advogados não são consensuais. João Macedo Vitorino, sócio fundador da Macedo e Vitorino, argumenta que não sendo um ato legislativo, mas sim administrativo, “não se aplica ao próximo Governo” e que por isso não é suscetível de ser revogado. “É um ato administrativo relativo ao funcionamento interno daquele governo constitucional, quem vier a seguir faz como entender”, sublinha.
Pedro Melo, advogado especialista em Direito Administrativo e Constitucional, também faz uma leitura semelhante, dizendo que o Governo de Montenegro não está obrigado a aplicar o questionário aos candidatos a ministros e secretários de Estado.
“O diploma em causa foi dimanado pelo Governo no exercício da sua função política e não no exercício da sua função legislativa ou regulamentar”, diz em declarações ao ECO. “E uma vez que versa sobre uma vertente da organização interna do Governo, ou seja, sobre o recrutamento de membros do Executivo, só vincula o Governo que aprovou a RCM em apreço, não o próximo Governo”.
Foco na seleção cuidadosa
Embora o PSD não tenha confirmado se tem intenções de revogar esta RCM depois de formar Governo (pois só poderá fazê-lo em sede de Conselho de Ministros), certo é que essa é uma possibilidade. Mas os politólogos ouvidos pelo ECO defendem que essa não deve ser a prioridade de Montenegro. Aliás, acrescentam, a prioridade do novo primeiro-ministro deve passar por uma seleção “cuidadosa” dos membros que integrarem a sua equipa face à difícil governação que se avizinha, de forma a evitar polémicas facilmente evitáveis.
O escrutínio público a que a equipa será inevitavelmente sujeita recomenda cautela. “Faz sentido manter a lógica do cuidado nas escolhas do Governo, e esta deve ser feita mesmo não sendo através deste questionário”, sublinha André Freire, politólogo e professor catedrático do ISCTE-IUL ao ECO. “Revogar não será muito útil”, afirma.
Marco Lisi subscreve, apontando que “resolver o problema do conflito de interesses e aprovar a famosa lei do lobbying” devem ser pontos prioritários para Montenegro e o novo Executivo, assim que entrarem em funções.
“O questionário pode ser um sinal, mas é insuficiente para lidar com o problema — como se viu nos governos Costa. Seria importante encontrar um consenso com outros partidos no sentido de aumentar a transparência das nomeações e a pegada legislativa”, defende.
Pedro Melo recorda que, em 2019, já se tinha procedido a uma alteração às obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos, sendo essa “mais do que suficientes para prevenir conflitos de interesses e assegurar a transparência no exercício de cargos de alta responsabilidade”. O advogado considera que o questionário criado por António Costa ” pouco ou nada acrescentou”, e que o real problema prende-se com a “falta de ética no exercício dos cargos políticos”.
Embora ainda não se saiba quem irá integrar o futuro Governo liderado por Montenegro, certo é que já se ouvem alguns nomes, nomeadamente, aqueles que integram o núcleo duro do PSD. Mas além de sociais democratas, o próximo Executivo deverá contar ainda com alguns rostos do CDS, após ter concorrido coligado com o PSD e ter conseguido voltar ao Parlamento com a eleição de dois deputados. O partido deverá ficar com um Ministério, liderado pelo presidente do partido, Nuno Melo, bem como com três secretarias de Estado, de acordo com o Público.
Mas além dos democratas-cristãos, também se falam em alguns nomes da Iniciativa Liberal, ainda que Rui Rocha, pós a audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, na semana passada, tenha considerado que esse cenário era um “com pouca probabilidade” e que “o mais natural” seria ficar fora de um Governo da AD. A Renascença escreve que Rui Rocha, Carlos Guimarães Pinto e João Cotrim de Figueiredo são alguns elementos com peso político que poderão receber convite de Luís Montenegro. Porém, João Cotrim de Figueiredo já foi anunciado como o cabeça-de-lista da IL para as eleições europeias, que se vão realizar a 9 de junho deste ano.
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