“A independência política da UTAO é frágil”, denuncia Rui Baleiras
Com o fim da legislatura e mudança da maioria para a direita, líder e dois analistas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental arriscam ser despedidos por vontade do novo presidente do Parlamento.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), uma entidade independente que funciona no Parlamento e que ajuda os deputados na análise das propostas do Orçamento do Estado, da execução orçamental e dos gastos com parcerias público-privadas, tem “imensas fragilidades no desenho institucional”, revelou ao ECO o coordenador daquela unidade, Rui Baleiras. Com o fim antecipado da legislatura e a mudança da maioria parlamentar para a direita, dois analistas e o coordenador podem ser despedidos de forma discricionária pelo novo presidente da Assembleia da República, que deverá ser José Pedro Aguiar-Branco.
“A independência política da UTAO é frágil, porque não temos uma lei orgânica, ou seja, não temos estatutos”, critica Baleiras, que lidera esta entidade desde julho de 2018. “As pessoas que trabalham na UTAO são, na sua maioria, pessoas que têm uma relação contratual por tempo indeterminado a outros serviços públicos”, começa por explicar.
Da equipa atual de quatro analistas, dois deles mais o coordenador, Rui Baleiras, não são funcionários parlamentares, mas exercem funções ao abrigo do regime de cedência de interesse público, previsto no Estatuto dos Funcionários Parlamentares. “De acordo com a lei que se nos aplica, podemos ser despedidos quando a legislatura acaba e também nos podem despedir a qualquer momento, dando apenas um pré-aviso de 30 dias, sem direito a indemnização”, indica o presidente da UTAO.
“Poderão alegar que, na prática, nunca estas normas serviram para sanear um coordenador ou um analista. Poderão não ter servido, mas podem vir a servir. A verdade é que a mera existência das normas dá cobertura legal à Assembleia da República para poder dispensar discricionariamente pessoal da UTAO se discordar do conteúdo dos seus textos. Ora esta é, objetivamente, uma ameaça séria à independência da UTAO e não deixa de condicionar quem nela trabalha“, conclui um relatório produzido pela equipa que apoia os deputados e que foi publicado em março de 2022.
A mera existência das normas dá cobertura legal à Assembleia da República para poder dispensar discricionariamente pessoal da UTAO se discordar do conteúdo dos seus textos.
E quem pode despedir os membros da UTAO? “Do ponto de vista formal é a autoridade administrativa da Assembleia ou o secretário-geral, mas que atuará com certeza em consonância com o poder político”, sublinha. Também não há suporte legislativo para escolha do presidente da UTAO nem sobre as “incompatibilidades que ele não pode ter tido no passado ou sobre a existência de um mandato”, refere o professor de Economia da Universidade do Minho.
Os titulares da liderança ou coordenação da UTAO, desde que foi criada em 2006, não estão disponíveis para consulta online, no site do Parlamento, o que “demonstra a falta de um estatuto que defina quem nomeia o presidente da unidade”, assinala. O antecessor de Baleiras foi o economista João Miguel Coelho, atual quadro do Banco de Portugal, e que liderou aquela instituição entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2018, segundo referências do atual líder da UTAO e o perfil de linkedin do próprio João Miguel Coelho.
Para além disso, a UTAO, “não tendo um orçamento próprio, não pode, por exemplo, contratar algumas prestações de serviços para trabalhos pontuais não recorrentes”, como, por exemplo, o estudo sobre o impacto orçamental da contagem integral do tempo de serviço dos professores para efeitos de progressão remuneratória. “Não podemos protocolizar o usar o acesso à base de dados de alguns serviços públicos, como a Segurança Social, que daria muito jeito, ou a Autoridade Tributária, porque não temos personalidade jurídica, e isso era muito importante para podermos fazer melhor o nosso trabalho”, salienta.
UTAO queixa-se da “atitude do Ministério das Finanças”
A este propósito, Baleiras destaca as dificuldades no acesso a dados do Ministério das Finanças para poder realizar o estudo pedido pelo PSD sobre o custo do descongelamento da carreira dos professores, tendo em conta que a tutela já tinha avançado com uma estimativa de despesa em torno dos 300 milhões de euros.
“Ao fim de um mês, veio um ofício do gabinete do senhor ministro das Finanças, que era uma meia página A4, que não tinha um único elemento da informação solicitada e o Ministério justificou a ausência de colaboração com o argumento de que caberá à UTAO e não ao Ministério fazer contas de modo autónomo e independente”, queixou-se Rui Baleiras. “Esta atitude do Ministério das Finanças foi inesperada, eu diria que é pouco profissional. Nunca trataria os investigadores de uma entidade independente que trabalha para o Parlamento desta maneira”, lamentou.
“A UTAO é independente do poder político naquilo que escreve, mas é demasiado dependente das fragilidades institucionais”, reitera Rui Baleiras, considerando que “isto tem provavelmente a ver com um hábito há muito instalado na casa dos deputados, que é o de não terem o hábito de se interessarem pelas condições dos serviços prestados pelos trabalhadores da Assembleia da República”, atira.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental foi criada em 2006, no início da crise de défices excessivos do primeiro Governo socialista de maioria absoluta de José Sócrates, através de uma resolução da Assembleia da República, por proposta de um conjunto de deputados de diversos partidos. De recordar que, em 2005, na elaboração do Orçamento de Estado para 2006, Sócrates propôs reduzir o saldo negativo de 6,2% para 4,8%, uma operação que, na altura, classificou de “muito exigente”. Neste momento, vamos com um excedente previsto de 0,8% e que pode superar 1% do PIB.
Tendo em conta “a situação de défice excessivo”, “a oposição acusava” o Ministério das Finanças, tutelado por Fernando Teixeira dos Santos, de “falta de transparência, porque dava pouca informação ou numa linguagem impenetrável”, esclarece ao ECO Rui Baleiras. Por isso, “os deputados decidiram pedir apoio técnico para ajudar a analisar as contas públicas e assim foi criada a UTAO”, acrescenta.
Além de Portugal, mais 10 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), incluindo Brasil, têm uma entidade semelhante, como Estado Unidos, Grécia, Irlanda, Itália, Brasil, Áustria ou Austrália, segundo o relatório da UTAO que identifica as fragilidades institucionais desta entidade.
A UTAO nasceu de forma experimental. A resolução de 2006 que criou a unidade técnica ditou que, no prazo de três anos, isto é, em 2009, o Parlamento deveria reavaliar a sua continuidade. Naquele ano e com o fim da legislatura, a manutenção desta entidade chegou a estar em risco, mas o presidente da Assembleia da República de então, Jaime Gama (PS), impôs a sua manutenção.
No ano seguinte, a resolução da Assembleia da República n.º 57/2010, de 23 de junho, tornou-a numa unidade parlamentar permanente, fixou limites mínimo e máximo para o número de analistas, entre oito a 10, e alargou as suas competências a todos os subsetores na monitorização periódica da dívida pública e especificou algumas variáveis a incluir no acompanhamento regular da execução orçamental.
De salientar que a equipa atual, de cinco elementos, incluindo o coordenador, está longe do limite máximo de 10 elementos, como dita o diploma legal.
Em 2014, as competências da UTAO foram novamente reforçadas, através de um novo diploma, que aditou competências referentes à avaliação e ao acompanhamento de parcerias público-privadas (PPP).
Em 2018, o Parlamento procedeu à sexta alteração. Com este diploma, a UTAO passou a ser uma unidade orgânica integrada na direção de apoio parlamentar, embora mantendo o reporte direto à comissão parlamentar de orçamento e finanças.
Pode ver a entrevista na íntegra aqui.
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