Mar Vermelho. Transportes mais caros forçam empresas a procurar alternativas de fornecimento na Europa
A crise no Mar Vermelho, que forçou as empresas de transportes a desviar os navios de mercadorias para o Cabo da Boa Esperança, triplicou os preços dos fretes e aumentou o tempo de viagem em 15 dias.
A crise no Mar Vermelho, que obrigou as empresas de transportes a desviar os navios de mercadorias para o Cabo da Boa Esperança, e triplicou os custos dos fretes e atrasou as entregas em até 15 dias, está agora a forçar vários setores a procurar alternativas, não só de transporte, mas também de fornecimento. Têxtil e automóvel estão entre as indústrias mais afetadas.
Seis meses depois de terem sido registados os primeiros ataques dos rebeldes houthis no Mar Vermelho, a situação na região continua longe de estar resolvida. Continua a haver grandes perturbações nos transportes de bens e mercadorias entre a Europa e a Ásia, uma vez que a maioria das transportadoras decidiu mudar a rota, passando a contornar o Cabo da Boa Esperança.
Na prática, esta alteração significa aumentar em 7.000 quilómetros a travessia, o que custa tempo e dinheiro, nomeadamente face aos maiores custos com combustível. Uma situação que está a forçar as empresas a procurar alternativas para minimizar o impacto no negócio.
“As empresas têm vindo a repensar a sua gestão logística, optando desde logo por tentar diminuir a dependência de certo tipo de mercados [fornecedores], recorrendo de preferência a mercados mais próximos, diminuindo assim o custo e o tempo de transporte, assim como mitigando o risco de falhas de stock na produção“, comenta o presidente do conselho de administração da AEP.
Luís Miguel Ribeiro realça que “os riscos geopolíticos, nomeadamente esta instabilidade no Médio Oriente, têm consequências diretas no comércio internacional: na subida do custo do transporte, no atraso da entrega das encomendas e na disrupção das cadeias de valor globais, o que acabará por ser refletido nos preços de produção e, mais tarde, nos preços aos consumidores finais”.
As empresas têm vindo a repensar a sua gestão logística, optando desde logo por tentar diminuir a dependência de certo tipo de mercados [fornecedores], recorrendo de preferência a mercados mais próximos, diminuindo assim o custo e tempo de transporte, assim como mitigando o risco de falhas de stock na produção.
“Garantir a gestão deste aumento de custos, com impactos diretos na tesouraria das empresas, num contexto já pautado por políticas de controlo da inflação, é um desafio acrescido para as empresas portuguesas”, acrescenta o dirigente da principal associação patronal nortenha.
Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), destaca que este setor – o mais exportador da economia portuguesa e cujas vendas ao exterior atingiram em 2023 um novo recorde de 24.017 milhões de euros -, tem vindo a procurar soluções alternativas nos fornecimentos, procurando “encurtar a cadeia de valor através de outros fornecedores”, sobretudo nos componentes.
Rafael Campos Pereira, que é também vice-presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, reconhece que estas alternativas resultam num encarecimento da matéria-prima. Contudo, salvaguarda o mesmo responsável, as empresas metalúrgicas e metalomecânicas “estão a conseguir gerir bem” esta crise nos transportes.
A indústria têxtil, que perdeu 5,6% das exportações em 2023, mas ganhou quota na Europa, é outra das que tem sido fortemente afetado pela crise do Mar Vermelho. Por um lado, as empresas enfrentam custos e prazos mais elevados para exportar os seus produtos. Por outro lado, neste setor que exporta quase 100% da produção, são penalizadas nas importações de matéria-prima para as suas produções.
“A guerra entre Israel e o Hamas, seguida dos ataques aos navios no Canal de Suez por parte do grupo Houthi, levou a que as grandes companhias marítimas desviassem a sua rota normal pelo Mar Vermelho para o sul de África, pelo Cabo da Boa Esperança, tendo como consequência direta o aumento do frete e do transit time”, referiu Paulo Oliveira, diretor do departamento de compras da Riopele, citado em comunicado no site da empresa.
Com sede em Vila Nova de Famalicão, a Riopele destina mais de 90% da produção para 50 mercados na Europa e nos Estados Unidos. O porta-voz refere que se deparou com uma nova realidade: um contentor proveniente da Ásia passou a demorar 60 dias, em vez dos tradicionais 45, o que levou a empresa minhota a repensar todo o seu sistema logístico. A Riopele diz ainda que “priorizou duas companhias marítimas de referência”, mantendo-se “atenta a novos desenvolvimentos”.
As têxteis Riopele e a Mundotêxtil estão a alterar o sistema logístico e a reforçar stocks, para minimizar o impacto da crise do Mar Vermelho nos custos e nos prazos das entregas.
Também a Mundotêxtil, principal produtora de felpos em Portugal, está a ajustar os seus processos para “provisionar com uma maior antecedência, o que implica um aumento na disponibilidade financeira para manter os níveis de stock adequados”.
“É de prever que alguns setores serão mais afetados do que outros com este conflito”, aponta o líder da AEP, notando que “primeiramente deve ter-se em atenção os setores mais dependentes da Ásia e Médio Oriente e com menor flexibilidade de stocks“.
“Como é sabido, denotaram-se dificuldades na indústria automóvel que, inclusive, levaram marcas a optar por parar a sua produção a nível europeu“, lembra Luís Miguel Ribeiro. No início deste ano, grandes empresas do setor, como a Tesla, a Volvo ou a japonesa Suzuki, anunciaram a suspensão de parte da produção nas fábricas na Europa.
O presidente da AEP destaca ainda o impacto “noutros setores de elevada especialização da economia portuguesa, como é o caso do têxtil, já condicionado pela diminuição das exportações face à contenção da procura externa, fruto da conjuntura económica desfavorável sentida na Europa [principal mercado], e com margens de negócio de magnitude insuficiente para absorver o aumento dos preços de transporte, sem os refletir no consumidor final”.
Falta de contentores causa constrangimentos
“As consequências [da crise do Mar Vermelho] são similares à situação vivida durante o período pandémico”, alerta Mário de Sousa. Segundo o CEO da Portocargo, reflete-se em falta de equipamento (contentores) e aumento substancial do tempo de trânsito dos navios nas viagens entre a Ásia e a Europa. “O que, por si só, causa a perda de um terço da capacidade instalada (navios), tanto para navios porta-contentores, como Roll On – Roll Off (equipamento rolante e car-carriers); granéis sólidos e líquidos; carga convencional”, detalha.
As consequências são significativamente penalizadoras para todos, sejam operadores logísticos, exportadores e importadores, fabricantes ou retalhistas. Há rutura de stocks, sejam matérias primas, componentes ou produtos acabados, dado que toda a cadeia é afetada e consequentemente desarticulada.
Mário Sousa refere ainda que “além dos custos suplementares resultantes do aumento do custo de afretamento para as viagens round trip, tanto pelo número suplementar de dias necessários, como pela falta de navios que permitam o equilíbrio entre a oferta e a procura, temos de considerar os custos suplementares originados pelo consumo adicional de combustível, devido à diferença de milhas náuticas (entre 3.500 a 4.500 milhas, dependendo do distanciamento necessário para evitar a proximidade da costa no Índico) e dias suplementares”.
A Portocargo estima que a perda de capacidade de reposicionamento de contentores se situe em 15% a 20% neste trimestre. Numa carta enviada este mês aos seus clientes, a transitária avisava que “apesar dos elevados preços, todos nós, envolvidos na gestão da cadeia de abastecimentos, vimos sentindo enormes dificuldades em encontrar espaço / equipamento para embarcar as mercadorias em tempo oportuno, verificando-se já enormes atrasos com diversos portos, principalmente na República Popular da China”.
“Se o tempo de trânsito é muito mais longo e a capacidade existente não é suficiente para suprir as necessidades, então a correlação de forças desequilibra-se e as consequências são significativamente penalizadoras para todos, sejam operadores logísticos, exportadores e importadores, fabricantes ou retalhistas”, sintetiza o CEO da Portocargo. “Há rutura de stocks, sejam matérias primas, componentes ou produtos acabados, dado que toda a cadeia é afetada e consequentemente desarticulada“, aponta Mário Sousa.
Preços mais altos por mar… e por terra
Os problemas no ar estão também a ter efeitos em terra. “O nosso foco é o continente europeu, onde operamos em mais de 20 mercados, mas o impacto indireto desta crise é evidente”, explica Ricardo Arroyo, administrador da Lusocargo e diretor para a área do transporte rodoviário no Groupe BBL, que controla a Lusocargo e a Portocargo.
De acordo com o mesmo responsável, “segundo os últimos relatórios, as novas redes de transhipment criadas para reduzir o impacto dos desvios do Mar Vermelho levaram a um aumento do congestionamento nos portos do Mediterrâneo, como Barcelona e Valência“. Também os portos de Lisboa e de Sines registaram um crescimento superior a 20% na carga movimentada, em termos homólogos, nos primeiros dois meses deste ano, segundo dados da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT).
As novas redes de transhipment criadas para reduzir o impacto dos desvios do Mar Vermelho levaram a um aumento do congestionamento nos portos do Mediterrâneo, como Barcelona e Valência.
“Este é um dos factos que conduz invariavelmente a atrasos nos prazos de entrega e a custos mais elevados para o transporte rodoviário que alimenta e sustenta os mercados nas fases finais da cadeia logística“, justifica Ricardo Arroyo.
Segundo Mário Sousa, “estamos prestes a atingir a triplicação dos preços praticados, em relação aos de há um ano, no corredor Ásia- Mediterrâneo/Norte da Europa”. “Importa ainda contabilizar os custos suplementares originados pelo custo do capital, devido ao maior período de tempo que decorre entre o momento da encomenda, abertura de cartas de crédito, pagamentos parciais ou totais antecipados, necessidade de mais espaço e mais tempo de armazenagem, maiores riscos de mercadorias chegarem fora de tempo, ou se transformar em obsoletas”, remata.
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