Governo procura cativar fundos para a habitação acessível

Um novo regime fiscal para fundos imobiliários que invistam no arrendamento acessível promete mexer com o mercado, mas a indústria dos fundos mantém-se cautelosa quanto ao seu real impacto no mercado.

A crise de habitação em Portugal tem-se agravado nos últimos anos, resultando em assimetrias sociais, dificuldade na retenção de jovens talentos, e numa pressão crescente sobre a oferta de alojamentos.

De acordo com dados do Confidencial Imobiliário, o preço médio da habitação em 2023 em Portugal Continental situou-se nos 2.406 euros o metro quadrado. Significa que uma casa com 100 metros quadrados foi vendida, em média, por mais de 240 mil euros no ano passado.

A dificuldade de ter um teto não é apenas visível no mercado de compra e venda. Esta realidade é também espelhada na extremamente limitada oferta de casas para arrendar a preços acessíveis, desde logo por ser um mercado que não tem conseguido atrair investimento suficiente para aumentar significativamente o número de habitações disponíveis no mercado.

O mercado de habitação acessível é e será sempre um mercado que tem uma componente social elevada, isto é, um sector que funcione autonomamente com regras de mercado, [tendo para esse efeito de] “atrair investidores de mais longo prazo.”

Pedro Coelho

CEO da Square Asset Management

Para combater este problema, o Governo aprovou no Conselho de Ministros de 27 de maio uma Proposta de Lei que, entre outras medidas, prevê a criação de um regime fiscal especial para fundos de investimento que invistam na habitação, enquadrados no Programa de Arrendamento Acessível (PAA), “como forma de alargar os incentivos à oferta de habitação para arrendamento a preços reduzidos e, nesta medida, reforçar a resposta às necessidades habitacionais das famílias.”

Esta medida surge como um complemento a outras propostas apresentadas pelo Governo no programa “Construir Portugal”, como a promoção de parcerias público-privadas que visem a disponibilização de imóveis públicos para habitação (build to rent) com renda e preço acessíveis, ou a promoção de incentivos ao aumento dos índices e limites de densidade urbanística para projetos de habitação a custos controlados e arrendamento acessível.

João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), expressa ao ECO um otimismo cauteloso relativamente à nova medida fiscal. “Os organismos de investimento alternativo imobiliários (OIA Imobiliários) são fundamentais no mercado imobiliário nacional, detendo imóveis no valor de mais de 17 mil milhões de euros,” afirma. No entanto, destaca que a proporção de imóveis habitacionais na carteira dos fundos é pequena, especialmente para arrendamento.

Esta situação acontece, desde logo, pela forma como o PAA foi desenhado que, segundo o presidente da APFIPP, não teve em consideração a realidade dos OIA Imobiliários (tal como não teve relativamente aos Fundos de Pensões), “impedindo os investidores destes organismos de usufruir das mesmas vantagens concedidas em caso de investimento direto.”

Além disso, João Pratas destaca ainda os riscos associados ao arrendamento habitacional, devido à proteção acrescida dos inquilinos, que dificultam a inclusão desses ativos nos portefólios dos fundos de investimento. A proposta do Governo tenta mitigar esta discriminação, mas segundo o líder da APFIPP, “não consegue fazê-lo integralmente,” mantendo-se uma “discriminação negativa” que pode limitar o impacto desejado da medida.

Pedro Coelho, CEO da Square Asset Management, uma das maiores sociedades gestoras de fundos imobiliários, sublinha ainda as dificuldades inerentes à rentabilidade dos investimentos em habitação de rendimento comparativamente aos imóveis comerciais, que se têm tornado numa barreira a um investimento da indústria dos fundos imobiliários. “A rentabilidade na habitação de rendimento é sempre mais baixa do que nos imóveis comerciais,” diz.

O responsável da Square, que tem na sua carteira o maior fundo de investimento imobiliário nacional com ativos superiores a 1,2 mil milhões de euros (CA Património crescente), refere ainda que “o mercado de habitação acessível é e será sempre um mercado que tem uma componente social elevada, isto é, um setor que funcione autonomamente com regras de mercado”, tendo para esse efeito de “atrair investidores de mais longo prazo” como fundos de pensões, seguradoras e PPR.

Ao ECO, Pedro Coelho revela que a Square não tem planos imediatos para lançar fundos específicos para apostar no mercado do arrendamento acessível, embora considere reavaliar essa possibilidade com a chegada de investidores interessados.

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