Tumultos ameaçam “afetar” imagem de Portugal junto de investidores
Há investidores estrangeiros surpreendidos com tumultos das últimas noites na região de Lisboa, e fizeram perguntas em grupos no WhatsApp. País pode ser prejudicado em ranking internacional.
Os tumultos que se registam há várias noites na região de Lisboa podem vir a ter impacto na imagem de país seguro, um dos fatores críticos junto dos investidores estrangeiros, principalmente se os incidentes se prolongarem no tempo e a situação se agravar. Os desacatos chamaram a atenção da entidade que publica um dos índices de segurança mais reconhecidos a nível internacional e já circulam pedidos de informação em grupos no WhatsApp que incluem esses investidores, segundo informações recolhidas pelo ECO.
A morte do cidadão cabo-verdiano Odair Moniz, de 43 anos, na madrugada da passada segunda-feira, depois de ter sido baleado por um agente da PSP no bairro da Cova da Moura, em circunstâncias que ainda estão por apurar, serviu de catalisador para desacatos em várias regiões da área metropolitana nas últimas noites.
A política tem registado ignições de “inúmeros” caixotes do lixo, mas também de viaturas e autocarros da Carris, havendo registo de pelo menos três feridos, um deles com gravidade. Há ainda notícia de apedrejamento de viaturas policiais, lançamento de petardos e arremesso de um engenho pirotécnico para o interior de uma esquadra da polícia, em vários concelhos da Grande Lisboa, bem como de um ecoponto incendiado em Leiria.
Portugal é considerado o sétimo país mais seguro do mundo na última edição do Global Peace Index, relativa a este ano, que analisa “163 estados independentes e territórios”, nos quais reside 99,7% da população mundial, e os ordena consoante o nível de “pacificidade”. Para elaborar a lista, o Institute for Economics & Peace (IEP), um think tank, recorre a “23 indicadores qualitativos e quantitativos provenientes de fontes altamente respeitáveis, em vários domínios”.
Essa perceção de Portugal como país relativamente seguro tem servido de cartão-de-visita para atrair investimento estrangeiro. Nos últimos dez anos, o stock de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em Portugal subiu de 115,4 mil milhões de euros no final de 2014 para quase 191 mil milhões no segundo trimestre de 2024, um recorde, para o qual contribuiu também o regime dos vistos gold. Poderá essa característica nacional estar a ser posta em causa, ainda mais quando já há notícias sobre os desacatos na imprensa internacional?
Para responder a essa questão, o ECO contactou o IEP, fundado pelo empreendedor australiano Steve Killelea, que publica o referido Global Peace Index (GPI). Um porta-voz do instituto recusou “comentar ou responder” a incidentes específicos como os que têm afetado a região de Lisboa. Mas admitiu que a situação será tida em conta na próxima edição do índice de paz: “Iremos incluir todos esses dados no nosso GPI 2025, que será publicado em meados do próximo ano”, afirmou.
Portugal já esteve melhor, mas também muito pior no ranking
Ainda é prematuro avaliar qual o impacto que os tumultos vão ter na perceção externa da segurança do país. Em 2023, o país ocupava a mesma sétima posição no ranking do GPI, caindo um lugar face ao ano anterior, numa tendência negativa que se está a registar desde a pandemia. Em 2019 e 2020, chegou a estar no pódio mundial, figurando na terceira posição.
Mesmo assim, se as tensões em Lisboa penalizarem Portugal neste índice global, frequentemente citado, a situação poderá não ser dramática, pelo menos em termos relativos, porque o país nem sempre comparou assim tão bem em termos de segurança: há dez anos, o cenário era muito pior.
Luís Marques Fernandes, presidente do Observatório de Segurança Interna, lembra que Portugal já ocupou a 18.ª posição no mesmo índice em 2014, com um score de 1,425. Dez anos depois, em 2024, com Portugal no 7.º lugar entre os mais seguros, o score é de 1,372 (a pontuação mais baixa evidencia uma melhoria).
“Há um certo espanto nas pessoas”
Só que a perceção também conta, e muito. O investidor luso-inglês Stephan de Moraes, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI), considera que, “quando se trata de desacatos de ordem pública significativos, pode começar a afetar ligeiramente” a reputação do país. E revela ao ECO que os incidentes na região de Lisboa já chegaram aos ouvidos de alguns investidores estrangeiros.
“Efetivamente, já vi alguns comentários no WhatsApp de algum espanto com o que está a acontecer”, diz o também cofundador do fundo de capital de risco Indico Capital. “Grupos onde estão investidores internacionais e onde estou presente. Há um certo espanto das pessoas”, especifica, acrescentando: “Este tipo de acontecimentos não favorece a confiança de investidores internacionais em colocar recursos na economia portuguesa.”
Do mesmo modo, Stephan de Moraes confirma que o tema da segurança tem vindo a ganhar expressão, sobretudo junto dos “investidores estrangeiros que vivem cá”, que “estão mais atentos a estas questões”. “Já houve outros incidentes, alguns assaltos, relacionados com a perceção de diminuição de segurança”, reconhece. “Essa perceção de safe heaven” – uma espécie de paraíso seguro – “destrói-se quando há temas desta natureza”, diz o investidor.
De outra perspetiva, a reação descrita por Stephan de Moraes mostra também “que os investidores estrangeiros não têm uma perceção correta do nível de desigualdade da sociedade portuguesa”. “Se a falta de oportunidades tanto a nível educacional como económico for muito grande, mais cedo ou mais tarde existem manifestações desta natureza. É uma forma de expressar o descontentamento sobre realidades económicas a que uma parte da população é sujeita”, interpreta.
Para já, pelo menos nesta fase, ainda há tempo de evitar um dano reputacional maior: “Ainda estamos a tempo, obviamente, desde que [estas situações] sejam resolvidas. Tem de ser imediatamente resolvido.”
Efetivamente, já vi alguns comentários no WhatsApp de algum espanto com o que está a acontecer. Grupos onde estão investidores internacionais e onde estou presente.
Do capital de risco para o imobiliário, José Cardoso Botelho, presidente executivo da Vanguard Properties, grupo que se apresenta como “o maior promotor imobiliário do país”, também adverte que a perceção dos investidores internacionais pode mudar se a situação dos tumultos “continuar e se agravar”. Todavia, pelo menos até esta sexta-feira à tarde, José Cardoso Botelho ainda não tinha ouvido comentários de investidores estrangeiros sobre a situação em Portugal. “Até agora, não vejo que tenha qualquer impacto”, disse o gestor ao ECO, salientando que, no setor, o que tem mais pesado nas decisões é mais “a insegurança da componente fiscal e legislativa do que a segurança ao nível dos bens”.
A lei é para “todos”
O “trágico desfecho” da perseguição policial a Odair Moniz, morto pela polícia na Cova da Moura, serviu de rastilho para os protestos que se estão a verificar, mas é necessária uma “postura assertiva” da parte do Estado contra os grupos que estão a perpetrar essas ações, pois nem por isso deixam de ser crimes.
Por outras palavras, por mais “zangado” que se esteja “com o sistema”, a “população portuguesa, ou que habita em Portugal, seja nacional ou não, tem de cumprir as leis do Estado português, independentemente de gostar ou não”, recorda o presidente do Observatório de Segurança Interna.
Assim, “a postura certa” da parte do Governo e das autoridades devem ser “a assertiva”. “Se em determinado momento tirarmos o poder ao Estado, o que garante a liberdade de qualquer cidadão?”, interroga Luís Marques Fernandes, para quem as dúvidas sobre a legitimidade dos disparos do agente da PSP, que conduziram à morte de uma pessoa naquela fatídica madrugada, deve ser reservada para as instâncias próprias, nomeadamente os tribunais.
Em resposta aos acontecimentos das últimas noites, o Governo anunciou o “acionamento de todos os meios de vigilância dos comportamentos incorretos”, presenciais e também cibernéticos, com enfoque nas “redes sociais”, disse na quinta-feira o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, à saída de uma reunião com autarcas dos concelhos afetados pelos distúrbios.
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