Fisco pede recuperação de imposto a construtoras que beneficiaram de IVA a 6%
Denúncias de "vários casos" chegaram à Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários. Setor teme erros do passado no alargamento do IVA reduzido na construção.
A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) registou “vários casos” de empresas que receberam pedidos de pagamento do IVA liquidado a menos em empreitadas de reabilitação urbana. Após o esclarecimento do Supremo Tribunal Administrativo, que apanhou o setor de surpresa em março, a Autoridade Tributária (AT) avançou com a emissão de diversas liquidações adicionais de IVA em projetos imobiliários nos últimos meses.
O Fisco solicita a recuperação do imposto, através do pagamento da diferença entre a taxa normal de 23% e a de 6%, que lhes tinha sido aplicada inicialmente, no âmbito do acórdão judicial que abriu a porta a esta possibilidade e impôs critérios mais restritos para beneficiar da taxa reduzida.
“Embora não exista um número exato de reportes formais, sabemos que estas situações se tornaram mais frequentes após este acórdão uniformizador e estão a gerar forte preocupação no setor, sobretudo pelo impacto económico, uma vez que os promotores têm sido confrontados com correções fiscais e exigências de pagamento da diferença de IVA, e pela quebra de confiança no enquadramento fiscal”, explica ao ECO o presidente da APPII, Hugo Santos Ferreira.
Em causa está o IVA a 6% implementado em 2023 para empreitadas na Área de Reabilitação Urbana (ARU). O regime fiscal teve discrepâncias de interpretação legislativa e, a 26 de março de 2025, o Supremo Tribunal Administrativo esclareceu que, para beneficiar do desconto, implica que a obra esteja integrada numa Operação de Reabilitação Urbana (ORU) formalmente aprovada pela Câmara Municipal.
Ou seja, em alguns destes casos as construtoras pagaram apenas 6% de IVA por se enquadrarem aparentemente nos critérios para tal; mas com um entendimento contrário posterior, pode haver lugar ao pagamento da diferença entre os 6% e a taxa normal de 23%.
Seis meses volvidos, o tema volta à agenda das empresas devido à aprovação do IVA a 6% para a construção de imóveis para arrendamento e venda a preços moderados (até 2.300 euros ou 648 mil euros, respetivamente). A sensação é agridoce para as empresas ligadas à promoção e investimento imobiliário, porque o histórico recente – marcado por mudanças de interpretação da lei e consequente “frustração de expectativas” – criou um ambiente de “insegurança jurídica” e pode significar uma mudança de postura para com o novo programa para habitação, alerta a APPII.
O presidente da associação considera que existe um “risco de desalinhamento fiscal”, porque “os promotores que aplicaram a taxa reduzida com base no entendimento anterior enfrentam hoje processos litigiosos, enquanto novos projetos poderão beneficiar de um enquadramento mais favorável”. Na prática, este receio pode funcionar contra o efeito pretendido pelo Governo para esta medida, se as construtoras tiverem receio de que, no final, corram na mesma o risco de pagar os 23% de taxa de IVA.
O gestor José Cardoso Botelho, que se prepara para lançar um projeto novo após a saída da Vanguard Properties, explica que as ocorrências com a AT se devem a “leis mal escritas ou equívocas” e admite que as correções fiscais retroativas – os tais 17 pontos percentuais de diferença entre 23% e 6% – são “suficientes para gerar uma situação muito gravosa” na tesouraria das empresas, inclusive a insolvência, caso a margem seja baixa e seja incapaz de fazer a devolução do valor que não foi cobrado e deveria ter sido.
“O grande problema é que, muitas vezes, são edifícios que já foram acabados. Imagine o seguinte: fez o preço do seu edifício para venda, vendeu as frações, recebeu o dinheiro das frações, fez as escrituras e a seguir vêm-lhe pedir mais ‘17%’ do seu edifício”, exemplifica José Cardoso Botelho.
Contactada pelo ECO, a AT não prestou comentários sobre quantos pedidos de recuperação de IVA fez aos promotores imobiliários na sequência do enquadramento legislativo em seu favor.
“Vão multiplicar-se, num futuro muito próximo, os casos em tribunal, com prejuízo para o setor e para o próprio erário público. Seria muito interessante que o Governo pudesse intervir de forma interpretativa relativamente a esta matéria, por forma a estancar a incerteza (inclusive dos promotores e investidores que concluíram já os seus projetos) e a litigiosidade neste campo, que em nada beneficia a promoção de novos fogos”, apela Hugo Santos Ferreira.
Para evitar este risco, os advogados da PMCG deixam três conselhos às empresas: recolher prova documental clara da delimitação da ARU e da aprovação da ORU, verificar previamente a existência de um contrato de empreitada típico (e não mera prestação de serviços) e solicitar junto da autarquia competente os elementos comprovativos formais da inclusão da obra na operação de reabilitação aprovada.
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