“Estamos a assistir a uma privatização da opinião pública” com massificação da IA

Ex-governador do Banco de Portugal entende que o impacto da inteligência artificial (IA) na sociedade e na democracia será "mais vasto" do que se imagina. "Pequeno grupo" quer "capturar o poder", diz.

conferência IA
Carlos Costa, Economista e antigo governador do Banco de Portugal, participou na 2.ª Talk .IA, uma iniciativa do ECOLuís Francisco Ribeiro/ECO

Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal, entende que o mundo está “a assistir a uma privatização e captura da opinião pública”, à medida que as ferramentas de inteligência artificial (IA) vão ganhando expressão na sociedade.

“Este é um fenómeno que tem que ser tido em conta, nomeadamente pelas empresas, porque a captura da opinião pública significa captura de padrões de consumo, para além de captura política”, advertiu o 17.º governador do banco central português, num discurso inserido na 2.ª Talk .IA, uma iniciativa do ECO realizada na passada sexta-feira, 24 de outubro, e dedicada ao impacto transformador da IA no setor financeiro.

“O grande risco que nós corremos na Europa, e no mundo, é o caudilhismo. O caudilhismo não é senão o aparecimento de alguém que vem dar corpo a um sentimento de desconforto de uma maioria que é alimentada por uma informação e quem tem as máquinas de gestação da informação, obviamente, tem interesse, exatamente, no alinhamento das duas coisas”, considerou o economista.

O que nós estamos hoje a assistir é a uma privatização da opinião pública, ou uma captura da opinião pública. E este é um fenómeno que tem que ser tido em conta, nomeadamente pelas empresas, porque a captura da opinião pública significa captura de padrões de consumo, para além da captura política.

Carlos Costa

Economista e 17.º governador do Banco de Portugal

“É uma grande oportunidade para produzirmos tudo em menos tempo”

Analisando o impacto social da IA, e não somente na banca, Carlos Costa reconheceu que a IA veio democratizar o acesso à informação, pelo que “nenhum empresário pode dizer que não tem a possibilidade de ter acesso a informação sobre tecnologia” — “pode é não ter capacidade de a absorver”, reforçou.

“Mas o que nós não temos é a garantia de que a informação não seja uma sede de distribuição de poder ou de consolidação de poder e, portanto, de captura do poder público por parte de um pequeno grupo”, disse Carlos Costa.

Dito isso, acrescentou: “Nós temos de ter consciência que a democracia construiu-se contra o poder do capital. Seja ele do Estado, seja ele de capital privado. E é por isso que o capital de Estado nunca viveu bem com a democracia, tal como o capital privado, quando está demasiado concentrado, também não vive bem com a democracia. Porque a democracia é o travão da captura do poder democrático, do poder da população. É o travão à captura do poder da população por parte de um pequeno número.”

Na mesma conferência, o ex-governador do Banco de Portugal defendeu que é “altamente desejável” que a banca adote soluções de IA nos seus processos, apesar de identificar alguns riscos, como o de “fuga de informação” para “fora do sistema” e quebra de confiança se a tecnologia falhar.

O responsável advertiu também que “a IA é o início de um processo de transformação social que vai ter consequências muito mais vastas do que aquelas que nós estamos normalmente a imaginar”. E sinalizou que “vai haver, necessariamente, libertação humana de tarefas repetitivas”.

Neste contexto, “deve-se pensar maduramente nisto”, alertou Carlos Costa, sendo “uma grande oportunidade para repensar o modelo social”. “É uma grande oportunidade para produzirmos tudo o que produzimos em menos tempo. É uma grande oportunidade para darmos acesso a todos à oportunidade de produzir a partir do momento em que o conhecimento está distribuído”, referiu.

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal entre 2010 e 2020, foi o orador principal da 2.ª Talk .IA, uma iniciativa inserida na Comunidade .IA que o ECO lançou em setembro. Esta edição contou também com a participação, num painel de discussão, de Hugo Preto, Chief Data & Artificial Intelligence Officer, Processes & Operations do Santander Portugal, e Rui Teles, Data & AI Lead da Accenture Portugal.

Veja a intervenção de Carlos Costa na íntegra:

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