Afinal quem pode recorrer ao Serviço de Informações de Segurança?

Apesar de a lei prever que o SIS tem total autonomia de atuação em Portugal e não tem de receber ordens de ministros, qualquer entidade pública e privada pode recorrer diretamente aos seus serviços.

Foi o Serviço de Informações de Segurança (SIS) que recuperou o computador atribuído a Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba, ministro das Infraestruturas, com informação alegadamente classificada. Uma intervenção que levantou dúvidas, até porque este tipo de ações cabe, por norma, à PSP ou PJ. Por isso mesmo, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) já pediu informações sobre esta ação. Mas o que diz a lei sobre quem pode pedir a atuação do SIS?

Apesar de a lei prever que o SIS tem total autonomia de atuação em Portugal e não tem de receber ordens de ministros, qualquer entidade pública e privada pode recorrer diretamente aos serviços deste órgão. Depois cabe ao SIS “aceitar” o caso ou não, consoante as suas competências.

Assim, só no caso de existirem dúvidas na prossecução de um determinado serviço é que o SIS pode consultar o primeiro-ministro, uma vez que é o presidente do Conselho Superior de Informações. Este é um órgão de consulta e coordenação em matéria de informações.

Segundo o artigo 4.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, cabe ao primeiro-ministro aprovar o plano anual de atividades de cada um dos serviços e suas alterações, fixar por despacho diretrizes e instruções sobre atividades a desenvolver pelo SIS e delegar no Secretário-Geral qualquer das suas competências. A estes acrescem os poderes inerentes à dependência orgânica do SIS e das competências atribuídas pela Lei Quadro e demais legislação do SIRP.

Uma coisa é certa, a lei veda ao SIS qualquer tipo de competências judiciais ou policiais, podendo apenas cooperar com estas. “Os Serviços de Informações não dispõem de competências policiais, estando os seus funcionários, civis ou militares, proibidos de exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes expressamente proibido proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais”, lê-se no site oficial.

No caso em concreto do alegado roubo do computador por parte do ex-adjunto demitido na sexta-feira, João Galamba explicou que o SIS foi “chamado para defender propriedade do Estado português”. Segundo o ministro das Infraestruturas, o computador levado “à força” pelo seu ex-adjunto continha muitos “documentos classificados pelo Gabinete Nacional de Segurança”.

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João Galamba, ministro das InfraestruturasHugo Amaral/ECO

Neste aspeto, vários juristas e partidos políticos já tornaram públicas as suas opiniões e querem apurar responsabilidades, considerando que aquilo que foi feito é competência das autoridades policiais e não do SIS.

À Sic Notícias, Jorge Bacelar Gouveia garantiu que o SIS não faz investigação criminal, nem prevenção criminal. O constitucionalista sublinhou ainda que, uma vez que não tem quaisquer funções policiais, “não cabe na cabeça de ninguém que o SIS agora intervenha para recuperar um computador supostamente furtado ou roubado de um gabinete ministral”.

Já Paulo Saragoça da Matta sublinhou que legalmente o SIS não pode ir a casa de ninguém buscar “seja o que for”. “Tal como não pode fazer detenções, exceto aquelas que a lei prever que sejam feitas em flagrante delito”, acrescentou. O advogado admite que estamos perante um crime, desde logo de “abuso de poder”.

Os partidos da oposição também já se manifestaram também e querem ouvir com a “maior urgência” no Parlamento o diretor do SIS e também a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).

O PSD considera necessário “o total apuramento e esclarecimento da legalidade desta intervenção que coloca em causa a credibilidade das instituições”, frisando ainda que os serviços de informações “devem pautar a sua atuação no estrito cumprimento da lei e da Constituição”, lê-se no requerimento.

Também o Bloco de Esquerda frisou que o SIS “não é um órgão de polícia criminal, não tem poder nem competência para proceder a rusgas ou a buscas domiciliárias” e que “está vinculado à lei e à Constituição”. O Chega quer explicações por parte do SIS, pois pode “dar impressão aos cidadãos de que há um Serviço de Informações ao serviço de interesses partidários ou a serviço de Governo”.

Mas afinal o que é o SIS?

O SIS é um serviço “apartidário”, com autonomia funcional, com competência em todo o território nacional e que, segundo a lei, é o único organismo incumbido da “produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido”.

Os campos em que o SIS pode atuar são os restritos às ameaças de terrorismo transnacional, espionagem clássica e económica, crime organizado, extremismos ideológicos e religiosos, branqueamento de capitais, tráfico internacional de Armas de Destruição em Massa (ADM) – Proliferação, tráfico de seres humanos e migrações ilegais, cibercriminalidade e outras “novas formas de crime”.

Face a estas ameaças, o SIS pode recolher notícias e dados “processando informações recolhidas através de fontes abertas e documentos não classificados que se encontram ao alcance do público em geral”, “obtendo informações através de fontes humanas”, e “acedendo, mediante a celebração de protocolos com as entidades públicas competentes, a dados e informações constantes de ficheiros dessas mesmas entidades”.

Por outro lado, não está autorizado a limitar os direitos liberdades e garantias fundamentais, a realizar interceções de comunicações, a deter pessoas, a instruir inquéritos ou processos penais e a exercer atos próprios da competência dos tribunais ou das entidades policiais.

Entre os deveres e obrigações que recaem sobre os agentes e funcionários do SIS está o dever de sigilo, atividade em regime de exclusividade e total disponibilidade, isenção, zelo, obediência, lealdade e correção.

Ao todo, o SIS tem quatro direções regionais: uma no Funchal, uma em São Miguel, outra no Porto e uma em Faro. Já a sede fica em Lisboa.

A direção do SIS está entregue a Adélio Neiva da Cruz, que responde perante o Secretário-Geral, um órgão do SIRP integrado na Presidência do Conselho de Ministros, dependente diretamente do primeiro-ministro. Já o Ministério da Justiça não tem qualquer tipo de tutela sobre o SIS. Isto apesar do ministro João Galamba ter assumido, na conferência de imprensa de sábado, que ligou à ministra Catarina Sarmento e Castro para que lhe fosse validado este pedido ao SIS.

O SIS conta ainda com a colaboração das forças e serviços de segurança (FSS) e com as autoridades públicas em geral. “Em relação às primeiras há um dever especial de colaboração para com o SIS enquanto que em relação às segundas apenas se imputa um dever genérico de prestar a colaboração que justificadamente lhes seja solicitada”, lê-se no site oficial.

O afastamento de Frederico Pinheiro

Na passada sexta-feira, dia 28 de abril, o ministro João Galamba afastou Frederico Pinheiro, até ao momento seu adjunto que coordenou o encontro entre o Ministério da Infraestruturas, a ex-CEO da TAP e os deputados do PS no dia 17 de janeiro, nas vésperas da ida de Christine Ourmières-Widener à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP.

João Galamba, ministro das InfraestruturasLusa

Após a saída, Frederico Pinheiro disse que Galamba reuniu com a ex-CEO da TAP antes da audição no Parlamento para explicar a demissão de Alexandra Reis e que foi o governante a informar Christine Ourmières-Widener da reunião do grupo parlamentar do PS. E, em comunicado enviado às redações, acusou o governante de mentir à comissão parlamentar de inquérito.

Em causa estão as notas tiradas por Frederico Pinheiro durante a reunião entre o grupo parlamentar do PS e a ex-CEO que, posteriormente, foram partilhadas com o ministro. Mas o gabinete de Galamba preparava-se para responder à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP “de que não existiam notas da reunião”. “Nesse momento Frederico Pinheiro indica à técnica que, como sabia, tal era falso e que (…) era provável que fosse chamado à CPI e seria obrigado a contradizer a informação que estava naquela proposta, com a qual discordava”.

Apesar de todos os pedidos de demissão a João Galamba, o ministro afirmou que tem “todas as condições para participar neste governo”. “A decisão de manter ou não no governo depende da avaliação do próprio e da vontade do primeiro-ministro. Mas os factos que acabei de reportar mostram que não se trata de haver versões contraditórias, não há confusão”, referiu no sábado em declarações.

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