Costa ganhou. E agora quais são os desafios para os próximos quatro anos?
- Marta Moitinho Oliveira, Mónica Silvares, Paulo Moutinho, Rita Neto, Isabel Patrício e Pedro Sousa Carvalho
- 10 Outubro 2019
O PS saiu reforçado nas eleições de domingo mas vai negociar à esquerda para garantir o apoio parlamentar de que precisa para aprovar leis. Veja os desafios que o próximo Governo tem pela frente.
O PS venceu as eleições legislativas de domingo mas falhou a maioria absoluta. António Costa está a negociar à esquerda para tentar o apoio parlamentar de que precisa para aprovar leis na Assembleia da República. O Executivo a que Marcelo Rebelo de Sousa dará posse terá várias provas para superar. Um deles é o abrandamento económico que todas as instituições antecipam. Mas há mais. Veja aqui alguns dos desafios que o próximo Governo terá de enfrentar.
Abrandamento económico. Como viver com ele?
Se as previsões das principais instituições se confirmarem, o Governo que sai das eleições deste domingo enfrentará um cenário de abrandamento económico. A Zona Euro, para se destinam cerca de dois terços das exportações portuguesas, já atingiu o seu pico de crescimento e, do outro lado do Atlântico, os sinais que chegam vão no mesmo sentido. As autoridades monetárias dos dois lados já começaram a adotar medidas para estimular as economias dos dois blocos. A indefinição quanto ao Brexit e o aumento das tensões comerciais entre os EUA e a China, com a imposição de tarifas à compra de produtos, estão na origem do corte de previsões que as instituições internacionais têm feito. Se a economia portuguesa crescer menos do que o PS previu, os socialistas não querem deixar cair as medidas que inscritas no programa eleitoral e preferem deixar deslizar o défice orçamental.
Estabilidade política para governar
Depois de uma legislatura inédita, cujo Governo saiu do Parlamento e aguentou-se até ao fim, apesar de ter o apoio de dois partidos à esquerda até então fora do arco da governação, a estabilidade política ganhou um novo significado em Portugal. No entanto, com as eleições de domingo o desafio volta a colocar-se. O PS venceu, mas sem maioria. No último dia de campanha, Costa pediu mais força para o PS para não ficar “de mãos atadas” e com “prazo contado de dois anos”. A estabilidade política é vista por todos como um fator essencial para aplicar medidas para melhorar a economia e a vida dos portugueses. António Costa no discurso de vitória sublinhou que os portugueses gostaram da geringonça e é sua vontade reeditá-la. Não só com os parceiros dos últimos quatro anos (Bloco e PCP), mas também PAN, que conseguiu eleger quatro deputados, e Livre que elegeu uma. Depois de reunir com todos estes partidos, na quarta-feira, António Costa garante que não há portas fechadas e assegura que é “agnóstico quanto à forma” como firmará o acordo que visa garantir estabilidade ao longo dos próximos quatro anos.
Um novo aeroporto e aposta na ferrovia
A Portela está há muito identificada como esgotada. O Montijo foi o local escolhido para avançar com a construção do novo aeroporto. Uma localização escolhida ainda pelo Governo de Pedro Passos Coelho a que António Costa optou por dar continuidade. Mas há fortes críticas pelo impacto que a nova infraestrutura poderá ter. A avaliação do impacte ambiental deverá estar concluída até final de outubro. Além disso, é necessário concluir até ao fim da legislatura os investimentos previstos no Plano Ferrovia 2020, onde se inclui, por exemplo, o investimento previsto no corredor interior norte, no corredor interior sul, e no corredor norte-sul. Mas, tal como Pedro Nuno Santos admitiu no Parlamento, o programa vai sofrer novos atrasos. “Vamos poder ser responsabilizados por atrasos e sabemos que isso vai acontecer”, disse o ministro das Infraestruturas recusando imputar responsabilidades ao seu antecessor, Pedro Marques. O investimento na ferrovia — e nos transportes públicos em geral — é uma forma de atingir um desafio ainda mais lato: “Em 2030 Portugal conseguir uma redução de 40% das emissões de CO2, a partir do setor dos transportes”, como António Costa, elencou em Paredes, no início de setembro.
Presidência da UE e outros compromissos internacionais
Ao longo da legislatura, Portugal tem um conjunto de desafios internacionais pela frente. O principal é a presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, na qual África será uma “prioridade”, inclusivamente, será organizada uma cimeira UE-África. É a quarta vez que Portugal assume a presidência do Conselho Europeu (em 1992, 2000 e 2007), constituído pelos chefes de Estado e de Governo da UE. Além disso, uma prioridade para Portugal, segundo António Costa, será completar a União Económica e Monetária (UEM).
Mas o continente africano terá também todas as atenções voltadas para si, no âmbito das cimeiras da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que se realizam em 2020 e 2022, um período no qual Angola será o próximo país a assumir a presidência rotativa da CPLP, seguindo-se a Cabo Verde. Há também um novo secretário-executivo: o embaixador português Francisco Ribeiro Teles. A mobilidade no espaço lusófono tem sido um objetivo difícil de atingir, que poderá começar pela mobilidade académica e cultural deve ser o ponto de partida de um processo difícil de facilitação da livre circulação de pessoas no espaço lusófono.
Será ainda durante a legislatura que agora se inicia que se realiza a Conferência Mundial sobre os Oceanos, em Portugal em 2020, tal como sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa numa mensagem de apelo ao voto a 5 de outubro. A Assembleia da República que sair das eleições de domingo “vai coincidir com realidades tão relevantes quanto os debates essenciais nas Cimeiras Ibero-Americanas – também em 2020 e 2022 – e os mandatos de portugueses em organizações cruciais”.
Fechar o Portugal 2030
A legislatura começa com um novo colégio de comissários europeus a iniciar funções. Portugal tem uma nova comissária encarregue dos fundos comunitários e da Política de Coesão. Assim que as perspetivas financeiras ficarem fechadas será possível perceber qual a dimensão do envelope financeiro que vai caber a cada país. Em cima da mesa, para Portugal, está um corte de 7% na Política de Coesão e de 15% no segundo pilar da Política Agrícola Comum, ou seja, o desenvolvimento rural. O passo seguinte será fechar o Acordo de Parceria com a Comissão Europeia, um documento onde ficarão definidas as linhas gerais de como o dinheiro poderá ser utilizado. Por exemplo, se os investimentos públicos em estradas são elegíveis para obter apoios comunitários, se os investimentos feitos pelas grandes empresas são elegíveis, mesmo aqueles que incidem sobre a inovação. Depois é necessário definir os regulamentos dos diferentes programas operacionais. E o último passo é lançar os concursos para que o dinheiro chegue efetivamente à economia. De sublinhar que no Portugal 2020, que teve início em 2014, o primeiro concurso só foi lançado no final de 2015 dada a demora e a complexidade das negociações com Bruxelas.
Reduzir a dívida. Meta dos 100% em 2023, se conjuntura ajudar
Nos últimos quatro anos, Portugal procurou ser um país de “contas certas”. Conseguiu fazê-lo num contexto de crescimento económico acelerado, apresentando défices cada vez mais reduzidos, apontando mesmo para um excedente em 2020. Vai deixar de aumentar o endividamento nos mercados para colmatar as falhas nos orçamentos, abrindo a porta à redução da dívida, que continua a ser uma das mais elevadas do mundo, à luz do PIB.
Em termos nominais, Portugal deve cerca de 250 mil milhões de euros, isto depois de já ter saldado uma parte do empréstimo internacional contraído em 2011, livrando-se da fatura pesada dos juros exigidos pelo Fundo Monetário Internacional. Agora, prepara-se para começar a liquidar outra “fatia” dessa dívida, estando previsto um pagamento antecipado de dois mil milhões de euros ao FEEF. Este será um dos primeiros passos para que o saldo em dívida do país comece, efetivamente, a baixar. Um pagamento que deverá acontecer entre 15 e 17 de outubro.
Mário Centeno pretende colocar “Portugal na Liga dos Campeões” com dívida pública abaixo de 100% do PIB, como previsto para 2023 no Programa de Estabilidade. A meta está fixada, mas o abrandamento económico global pode ser uma ameaça. Para já, a ajudar estará a política monetária do Banco Central Europeu, que promete manter os juros baixos durante mais tempo. Com taxas de financiamento inferiores, perto de 0%, reduzir-se-á drasticamente a fatura com os juros da dívida, ajudando às tais “contas certas” que permitirão acelerar a redução da dívida.
Terminar a revisão das carreiras da Função Pública
A palavra de ordem que marcará os próximos quatro anos da Administração Pública deverá ser “revisão”. Um dos maiores desafios que o próximo Governo enfrentará será, desde logo, a continuação (e conclusão) da revisão das carreiras ainda não revistas. No seu programa eleitoral, os socialistas prometeram avançar nesse processo — tão reivindicado pelos sindicatos — com uma “discussão transparente e baseada em evidências, para harmonizar regimes, garantir a equidade e a sustentabilidade, assegurando percursos profissionais assentes no mérito dos trabalhadores”.
Também na Função Pública, o PS quer revisitar o modelo de progressão das carreiras especiais (nas quais se integram um terço dos trabalhadores do Estado), uma vez que uma fatia considerável (cerca de terços) dos gastos com progressões ficam nestas carreiras onde é o tempo o fator determinante para avançar.
A terceira área de revisão poderá ser a recuperação do tempo de serviço congelado das carreiras especiais. Na legislatura que agora termina, o Governo de António Costa recuperou dois anos, nove meses e 18 dias dos nove anos, quatro meses e dois dias “perdidos” por estes funcionários. Para o PS, esta pasta está fechada, mas para o BE e para o PCP — partidos com os quais os socialistas querem renovar a solução política — insistem na recuperação integral.
Lei de Bases da Saúde à espera para fechar PPP
A Lei de Bases da Saúde foi promulgada no final da legislatura, mas nem tudo ficou fechado. Quando lhe deu luz verde, Marcelo Rebelo de Sousa deixou claro que o documento não fechava a porta às Parcerias Público-Privadas. No entanto, esta foi uma questão que ficou para resolver na próxima legislatura e logo no início. A nova lei começa a produzir efeitos no início de novembro e o Governo terá depois 180 dias para regular o modelo de participação dos privados na gestão do Serviço Nacional de Saúde.
A Lei de Bases da Habitação e a reabilitação do património público
No âmbito da habitação, o ponto quente da próxima legislatura será a Lei de Bases da Habitação. O documento, aprovado em julho com os votos contra do PSD e do CDS, afirma que todos têm direito à habitação e promete trazer mudanças significativas à vida dos proprietários e dos inquilinos. O principal desafio para o PS neste campo vai ser pôr em prática esta nova lei que prevê, entre outras coisas, a reabilitação de imóveis devolutos do Estado para arrendamento acessível, a entrega da casa ao banco para saldar dívidas e a penalização do assédio no arrendamento.
Outra meta que os socialistas têm pela frente, e que, de certa forma, está inserida na Lei de Bases da Habitação, é o aumento do parque habitacional público para 5%, estando este atualmente nos 2%. Assim, a ideia é reabilitar imóveis que o Estado tem abandonados por todo o país e convertê-los em arrendamento acessível. Na lista estão vários edifícios emblemáticos, como o antigo Hospital Miguel Bombarda e o antigo quartel do Cabeço da Bola, ambos em Lisboa. O objetivo? “Dar resposta à classe média em situação de dificuldade de acesso à habitação”, lê-se no programa eleitoral do PS.
A reforma que colocou o Governo contra o Banco de Portugal
A reforma da supervisão financeira morreu na praia na reta final da legislatura que termina com as eleições deste domingo. E o caderno de encargos passa para o próximo Governo. Apesar de não ter saído do Parlamento foi sempre considerada essencial pelo Executivo, logo desde o início da legislatura. Em cima da mesa estão medidas como a retirada da função de resolução bancária ao Banco de Portugal bem como a alteração de algumas regras como a nomeação do governador do Banco de Portugal que passa a ter um mandato de cinco anos, mas sem possibilidade de renovação. A reforma abriu uma frente de batalha entre o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças sobre os novos poderes da Inspeção-Geral de Finanças na fiscalização atividade do banco central.
Revisão da Constituição
“Se isto não merece uma revisão constitucional, não sei o que mereça uma revisão constitucional.” Foi na convenção programática do PS, realizada no Pavilhão Carlos Lopes em julho, que o líder do partido colocou em cima da mesa a possibilidade de haver uma mexida na Constituição na legislatura que arranca agora depois das eleições de 6 de outubro. Na altura, o líder dos socialistas comprometeu-se com a ideia de mexer na Lei Fundamental de forma a permitir que possam ser criados tribunais especiais de instrução e julgamento dos casos de violência doméstica.
Resta saber se António Costa conseguirá reunir uma maioria de valor reforçado para poder mexer na Lei Fundamental. Irá sempre precisar do apoio da direita, nomeadamente do PSD, já que a esquerda toda junta não alcança os dois terços necessários. Rui Rio já mostrou no passado abertura a uma possível alteração da Constituição para rever o sistema de Justiça, embora na altura não se estivesse a referir à temática da violência de género.
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