O conceito de trabalho está a mudar e os espaços de coworking estão a crescer em Portugal. Uns mais criativos, outros mais formais e até hoteis-comunidade. O ECO foi conhecer as tendências.
Os espaços de escritórios partilhados estão a crescer no mundo e, também em Portugal. O mercado de trabalho flexível aumenta e, ainda que por se tratar de “um mercado relativamente novo, a monitorização nem sempre seja fácil de se fazer”, revela a Cushman & Wakefield, segundo as estimativas da consultora, em Portugal há cerca de 200 espaços trabalho flexível, sendo que a grande maioria se situa em Lisboa, seguida do Porto.
Uns mais criativos, outros mais formais e até hotéis-comunidade: o conceito de trabalho está a mudar e há cada vez mais pessoas a procurarem estes locais que proporcionam estabelecer uma rede de contactos com profissionais de várias áreas, num mix entre trabalho, lazer e descontração. E não são apenas startups, freelancers, nómadas digitais ou empresas em início de atividade a escolherem estes espaços. Certo é que a localização dos espaços, que permita acesso aos serviços e transportes, é um fator determinante.
“O conceito de coworking está a mudar. Os espaços de coworking eram vistos uma coisa um bocadinho romântica e lírica em 2010. Houve mesmo gente que me disse que iria falhar redondamente porque era estúpido imaginar que as pessoas iriam querer trabalhar ao lado umas das outras, sendo de áreas diferentes. Hoje em dia já ninguém questiona sequer“, explica ao ECO Fernando Mendes, cofundador do NOW e fundador do Cowork Lisboa, um dos primeiros espaços do género na capital portuguesa.
O NOW – No Office Work surgiu há três anos pelas mãos de Fernando Mendes e mais dois sócios: a empresa I Match, que trabalha na área da criatividade, e Sérgio Nunes, outro sócio investidor. Com dois espaços na área de Lisboa, o Cowork Lisboa — criado, em 2010, por Fernando Mendes e Ana Dias, e que acabou por ser absorvido por esta nova empresa –, no Lx Factory, é mais criativo e, por isso, mais utilizado por freelancers, incubadoras e criativos. Por outro lado, o NOW Beato é mais corporativo e, portanto, mais direcionado ao meio empresarial.
Fernando Mendes entende o coworking como “uma forma de trabalhar” e recusa estabelecer contratos formais com os utilizadores, isto é, períodos de permanência obrigatórios. O cofundador descreve os espaços como ” espaços baseados na ideia de comunidade e, onde o vínculo é forte, mas ao mesmo tempo, muito flexível e informal”.
Para quem opte por trabalhar num espaço partilhado, há a possibilidade de usar o espaço de forma fixa (fix) ou de forma flexível (flex). Através do serviço fix, cada pessoa tem à disposição um posto de trabalho exclusivo, a partir de 150 euros por mês [preço varia em função do tamanho da mesa escolhida].
Em contrapartida, caso opte pelo serviço flex (hot desk em inglês) pode usufruir do espaço por 12 euros/dia ou 100 euros/mês, no entanto, o espaço não é exclusivo. Por outro lado, para as micro empresas ou startups que desejem ter um pouco mais de privacidade, há nove estúdios no Beato com capacidade para oito a dez pessoas cada, por 800 euros por mês. “Os serviços estão todos incluídos na mensalidade que as pessoas pagam, desde o café gratuito, até ao wi-fi, o posto de trabalho e impressões”, conta o cofundador.
Os nossos espaços de coworking são baseados na ideia de comunidade e onde o vínculo é forte, mas, ao mesmo tempo, muito flexível e informal
“Há uma fusão total do que é o nosso tempo de lazer com o tempo de trabalho”, conta Fernando Mendes, e, por isso, “já ninguém vê vantagens em trabalhar de forma isolada, num escritório ou trabalhar sozinho em casa”, não esquecendo a importância de estar em contacto com outras empresas através do networking.
Mas para o cofundador do NOW, a mais-valia da empresa está na autenticidade e na “dimensão humana do negócio“. “Quando uma pessoa do meu espaço vem ter comigo e diz: ‘Fernando estou cá há três meses ou há três anos mas este mês já não tenho dinheiro para te pagar e, portanto, tenho que me ir embora’. Em qualquer outro negócio a pessoa vai mesmo embora. Nos meus espaços ninguém se vai embora numa situação destas”, explica ao ECO. Nestes casos, Fernando Mendes, tenta perceber como o cliente chegou à situação e, perante os argumentos utilizados, tenta arranjar uma solução.
O Cowork Lisboa teve um investimento inicial de 30 mil euros, já o orçamento destinado ao NOW Beato rondou os 400 mil euros. Em termos de retorno, Fernando Mendes afirma que “não há grandes flutuações” de ano para ano, sendo que o grupo fatura entre 400 mil a 500 mil euros anuais.
Selina: a mistura entre as comunidades locais e os visitantes
Fundado em 2015, no Panamá, o Selina só em outubro de 2018 chegou a Portugal. O modelo de negócio da empresa assenta na combinação de quartos privados e partilhados com instalações de coworking, ofertas de food and beverage, wellness, retalho e experiências locais. Frequentado maioritariamente por nómadas digitais — pessoas que, trabalhando à distância, aproveitam para viajar e conhecer novos locais –, o “segredo” do negócio passa por permitir “que as comunidades globais possam conhecer aquilo que são as comunidades nos países em que estão“, conta o diretor de marketing e PR do Selina Portugal, Manuel Rito, em entrevista ao ECO.
Para o efeito, o grupo tem 69 unidades em 14 países, contando com mais de 25 mil camas. Só em Portugal são cinco — quatro funcionam como hotel-comunidade (Selina Porto, Secret Garden Lisbon, Selina Boavista Ericeira, Selina Milfontes) e uma outra apenas como coworking, o Selina Navis Cowork, com mais de 6.500 camas. Até ao final deste ano, a cadeia internacional pretendem abrir mais três espaços a nível nacional em Peniche, Sintra e Gerês.
Para abrirem um novo Selina, o grupo apresenta a propriedade que quer explorar a um fundo de investimento que a avalia. Caso a proposta seja aceite e, após a compra do imóvel por parte dos investidores, o grupo tem usufruto do espaço cerca de 10 a 20 anos, mediante o pagamento de uma renda mensal. Estes espaços são, por norma, hotéis, não sendo por isso necessário realizar alterações a nível estrutural. De seguida, a equipa de arquitetura interna do Selina trata apenas das mudanças a nível do design. “É o que nos permite ter o hotel pronto entre 60 a 90 dias“, explica Manuel Rito.
Apesar de a maioria dos hotéis-comunidade ter espaços de trabalho partilhados, o grupo abriu no início deste mês a primeira unidade exclusiva de coworking. Esta aposta surgiu na necessidade de desenvolvimento do Selina Porto, que não tem estes espaços e dado o “boom de startups e nómadas digitais no centro do Porto”, conta o general manager do Selina Porto e do Selina Navis CoWork, Manuel Carneiro.
Localizado no edifício Árabe, no Porto, e ligado a uma “indústria de ideias”, fica o Selina Navis Cowork. Baseado na época dos descobrimentos, chama-se “Selina Navis Cowork porque “navis” significa nau em latim. E esse foi o meio de transporte dos portugueses nos Descobrimentos. O Navis Cowork quer proporcionar aos utilizadores a possibilidade de criarem algo novo a partir da nossa nau”, assinala Manuel Carneiro ao ECO.
O espaço com 950m² e 90 mesas tem pacotes destinados ao serviço hotdesk — que vão desde os 15 euros por dia aos 180 euros por mês — ou, para quem queira uma mesa fixa e mais benefícios adicionais, pode optar por um pacote desde 20 euros/dia ou 200 euros/mês. Há ainda três salas de reuniões que podem ser alugadas e onde os membros do Selina têm descontos, uma sala para eventos com capacidade para 100 pessoas e quatro escritórios para empresas. Estes valores são aproximadamente os mesmos em todas as unidades Selina que têm cowork, sendo que, habitualmente, os utilizadores do hotel têm um desconto entre 10% a 15% nestes serviços.
"Chama-se Selina Navis Cowork porque “navis” significa nau em latim. E foi o meio de transporte dos portugueses nos Descobrimentos. O Navis Cowork quer proporcionar aos utilizadores a possibilidade de criarem algo novo a partir da nossa nau.”
Entre os maiores desafios para criar a primeira unidade exclusiva de coworking do grupo esteve a comunicação com os media e “o trabalho duro de vendas e marketing“, destaca Manuel Rito. Por outro lado, Manuel Carneiro admite que este processo “é algo que tem de ser feito com tempo” e que, “enquanto num hotel a venda online tem muito mais peso, no cowork o volume de vendas tem de ser feito através de eventos de divulgação”.
Com mais de dois mil funcionários a nível mundial — sendo que 150 estão em Portugal –, o grupo elevou este ano o nível de investimento no país para os 75 milhões de euros, numa fatia de 200 milhões a nível global. No que toca à faturação, o grupo espera terminar o ano com 4,5 milhões de euros em receitas no território nacional.
“O melhor dos três mundos: o escritório físico, o partilhado e o virtual”
Um pouco mais formal, o Avila Spaces surgiu em 2004 mas só quatro anos mais tarde abriu o primeiro espaço de coworking. Com dois espaços na capital, situados na Avenida da República e na Avenida João Crisóstomo, contam com cerca de 50 escritórios privados e espaços de trabalho partilhado com capacidade para 60 pessoas.
“Temos o melhor dos três mundos: o escritório físico (o tradicional), o escritório partilhado (cowork) e o escritório virtual”, conta Carlos Gonçalves, CEO do Avila Spaces. Entre os vários serviços oferecidos há, por exemplo, pacotes mais baratos, como é o caso do Nomad que permite trabalhar no lounge, um espaço sem lugares reservados, por 15 euros/dia + IVA. Caso pretenda um serviço mais sofisticado, o Executive Class, além do lounge, permite o acesso à sala de reuniões (quatro horas por mês) e o escritório virtual, que corresponde basicamente a um apoio de secretariado, com atendimento de chamadas telefónicas e receção de correspondência. Por outro lado, há ainda pacotes mais completos que oferecem uma secretária fixa e outros benefícios.
Com mais de mil utilizadores nos dois espaços, dos quais 30% são estrangeiros, Carlos Gonçalves refere que negócio tem crescido entre 10% a 15% por ano. Para o responsável do Avila, a centralidade e a existência de serviços que facilitem a vida das empresas, — oferta variada de bancos, correios e restaurantes, por exemplo –, são fatores indispensáveis à localização dos escritórios. “Tudo isto torna esta zona apetecível para quem quer estabelecer uma empresa”, afirma o CEO do Avila.
Para dinamizar os espaços, e como acontece com a maioria dos coworks, há todas as semanas eventos de networking onde os utilizadores podem aprimorar competências. Há ainda uma happy hour à sexta-feira à tarde, no lounge da Av. da República, que permite aos trabalhadores estabelecerem laços e contactos. Mas o que realmente diferencia o Avila de todos os outros espaços de coworking é a aplicação My Office, considera o responsável. Criada em 2010, a app tem duas funcionalidades: a de escritório virtual, através do qual “o cliente recebe, em tempo real, a informação relativa às chamadas telefónicas e correspondência” e, por outro lado, uma espécie de LinkedIn dentro do Avila. “Através de um telemóvel ou de um quiosque digital que temos no lounge os membros podem pesquisar sobre outros membros. Se precisarem de estabelecer parcerias noutras áreas poderão entrar em contacto por intermédio desta aplicação”, assinala.
Através de um telemóvel ou de um quiosque digital que temos no lounge, os membros podem pesquisar sobre outros membros. Se precisarem de estabelecer parcerias poderão entrar em contacto por intermédio desta aplicação.
Há quinze anos no mercado, o Avila não considera como prioridade a abertura de mais espaços, mas Carlos Gonçalves acrescenta que o objetivo é “crescer de forma sustentada e prudente”. “A nossa missão é prestarmos um bom serviço ao nosso cliente e termos esse reconhecimento”, diz o responsável por um dos espaços de cowork mais premiados em Portugal que, ainda este mês, recebeu pelo segundo ano consecutivo o prémio de melhor espaço de coworking de Lisboa, entregue pelo site norte-americano Co-worker.
“O trabalho flexível pode contribuir com 10,04 biliões de dólares para a economia global”
A Regus, detida pelo grupo IWG (que também é dona da Spaces), nasceu há quase 30 anos em Bruxelas e conta com mais de três mil espaços em 120 países e dois milhões e meio de utilizadores. Entre escritórios privados, escritórios virtuais e espaços de coworking, só em Portugal tem 14 unidades (Braga, Porto, Oeiras, Lisboa, Vila Nova de Gaia e, em breve, Loulé) e cerca de dois mil clientes.
A solução de membership, que permite a um cliente usufruir de um espaço Regus em qualquer parte do mundo, é uma das mais procuradas. “É o mais adequado para profissionais móveis, que são cada vez mais à medida que a tecnologia vai permitindo trabalhar mais em remoto. Alguns destes planos permitem juntar alguns dias de escritório privado por mês, o que é útil para alguns profissionais“, explica ao ECO Jorge Valdeira, country manager da Regus em Portugal. Ainda assim, há quem opte por “soluções de escritório equipado, beneficiando de todas as áreas comuns, incluindo o coworking, porque isso lhe permite escolher o melhor de dois mundos”, atira.
Há 25 anos a operar no mercado português e, apesar de os espaços serem maioritariamente frequentados por portugueses, a Regus é também uma porta de entrada de empresas internacionais no país. Com espaços entre os 1000m² e os 6000m², a capacidade é variável e, por conseguinte, a lotação também o é. “O mais comum é termos cerca de 200 residentes mas, nalguns casos, pode chegar aos 700 ou mais, dependendo do número de profissionais móveis que não usam o espaço em permanência”, conta Jorge Valdeira.
Com o intuito de abrirem mais espaços em Portugal, por exemplo, no Algarve — onde vão chegar no próximo ano e com um investimento a rondar um milhão de euros –, o country manager destaca a “capacidade de inovar e reinventar ao longo do tempo” como a chave para o sucesso.
Quanto ao futuro do coworking, o responsável sublinha que um estudo do grupo IWG revelou “a expansão prevista para o trabalho flexível pode contribuir com 10,04 biliões de dólares para a economia global até 2030” e que, por isso, considera que é uma indústria “com um futuro muito atrativo”.
Sobre o modelo de negócio dos coworking em Portugal, Jorge Valdeira acredita que não difere muito do que se faz a nível internacional. No entanto admite que “dentro de cada cidade, as diferentes zonas têm a sua personalidade e atraem empresas semelhantes entre si“.
LACS: um espaço que combina trabalho, cultura e lazer
Fundada por quatro portugueses em 2018, e com o intuito de ser “a maior comunidade criativa” do país, o LACS tem dois espaços em Lisboa e um em Cascais. Cada espaço tem cerca de 5000m², com uma capacidade média de 750 pessoas por edifício, sendo que só os espaços de trabalho partilhado têm capacidade para 300 pessoas.
“Os nossos espaços têm de momento taxas de ocupação entre os 80% e os 98%. O LACS dos Anjos, por exemplo, abriu em abril e, em apenas três meses, atingimos 80% de ocupação”, refere a diretora geral do LACS, Dulce Martinho, ao ECO.
Não pretendem ser “um mero espaço de trabalho” mas um local que junta “trabalho, cultura e lazer“, explica a diretora. Entre os diferentes tipos de oferta (mesas fixas, flexíveis, ateliês ou estúdios privados), “os estúdios são o produto mais procurado“, conta Dulce Martinho. Para quatro pessoas, por exemplo, este serviço pode custar cerca de 200 euros + IVA por mês. Além disso têm ainda outros serviços adicionais como rooftop, galerias, salas de eventos e salas de reunião.
Para a diretora-geral do LACS, “o mercado de coworking está definitivamente implementado em Portugal”, acrescentando que é expectável que “haja um crescimento de mais de 100% neste mercado até 2022“.
Em atividade há cerca de um ano e meio, contam já com um investimento global a rondar os seis milhões de euros e, apesar de não divulgarem números relativamente ao volume de receitas, adiantam que “o retorno do investimento ocorreu antes do esperado no que foi projetado no nosso business plan“. Focados no mercado nacional contam com 1.700 membros de 23 nacionalidades.
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Uns mais criativos, outros mais formais: como o negócio do coworking está a expandir-se em Portugal
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