Garantir o envolvimento dos trabalhadores continua a ser o maior desafio do teletrabalho. Na segunda vaga, as empresas estão a reaproveitar o sucesso das ferramentas criadas no início da pandemia.
Mais de sete meses depois da primeira vaga de teletrabalho, o novo agravamento do número de casos de Covid-19 levou o Governo a implementar medidas reforçadas nos concelhos do país mais afetados. Regressa assim o teletrabalho (sempre que a função o permitir), bem como o desfasamento de horários, e com eles vêm desafios acrescidos: o maior é garantir a proximidade à distância e apoiar os trabalhadores no regresso a casa, reforçando a comunicação e a colaboração entre equipas.
Da banca ao retalho, as empresas estão a tirar partido do sucesso de algumas medidas implementadas na primeira vaga da pandemia, entre elas ferramentas de comunicação e envolvimento dos trabalhadores. E há mesmo quem recorra a medidas alternativas que vão de cheques a exercício físico para ajudar na motivação.
“Já estivemos todos nos edifícios sede em teletrabalho uma vez, não temos dificuldades em estar novamente, mesmo com as agências a funcionar. A atividade dos colaboradores em teletrabalho é monitorizada pelas chefias e portanto há o conhecimento das tarefas adstritas a cada colaborador, bem como o seu cumprimento, para além de haver reuniões pelas vias normais como o Zoom, Teams ou Skype”, refere fonte oficial da Caixa Geral de Depósitos, o primeiro banco em a colocar todo o contact center em trabalho remoto no início da pandemia.
No Millennium BCP, mais de dois mil trabalhadores estão em teletrabalho, à exceção daqueles que têm de assegurar o atendimento presencial nas sucursais. “Reforçámos as infraestruturas para permitir continuar a operar num ambiente simultaneamente remoto e presencial. Reforçámos a operacionalidade do centro de contactos, reformulámos o atendimento presencial nas sucursais e ajustámos a forma de nos relacionarmos com os clientes”, adianta fonte oficial do banco liderado por Miguel Maya.
No grupo Santander, a sucursal dedicada ao financiamento ao consumo — o Banco Santander Consumer Portugal — até tem um novo escritório, em Carcavelos, com capacidade para acolher 150 pessoas. Mas estão todos em casa. “Voltaremos ao regime de teletrabalho para as funções que assim o permitam, uma vez que o teletrabalho é obrigatório”, explica à Pessoas Sandra Faustino, diretora de recursos humanos do banco Santander Consumer, que considera mais simples regressar ao teletrabalho nesta segunda vaga.
O nosso escritório não é apenas um local onde as pessoas vão para trabalhar, foi igualmente desenhado para ser um local de convívio, de união, de celebração e de fomento de amizades.
A banca tem sido um dos setores que mais tem olhado para os desafios da digitalização nos últimos anos, permitindo-lhe agora ser mais ágil. No entanto, a forma de responder aos desafios é transversal a vários setores. Na ManPower Group, por exemplo, todas as operações à exceção das funções em outsourcing de retail e vendas diretas, regressaram a casa, o que representa cerca de 70% do total dos trabalhadores em teletrabalho.
70% é também a percentagem de trabalhadores da EDP em teletrabalho, sendo exceções apenas os que desempenham funções essenciais para a produção e abastecimento de energia elétrica no terreno. A empresa assegura que a transição para o teletrabalho foi feita com sucesso, principalmente, porque a EDP já tinha começado a apostar no desenvolvimento de ferramentas de adaptação ao teletrabalho antes da pandemia.
Gerir a estabilidade e a incerteza são os maiores desafios
Apesar de ser uma medida de contenção do coronavírus, nem tudo são desvantagens. O teletrabalho permite maior flexibilidade de horários e, para muitos, é uma forma de poupar tempo em deslocações e assim desfrutar de mais tempo com a família. Contudo, — além das dificuldades operacionais — os perigos para a saúde mental são reais e esse pode ser um dos maiores desafios, defendem os especialistas.
“Embora a segurança seja hoje um foco de atenção contínuo, estou convicto que os principais desafios se prendem sobretudo com a gestão das pessoas, e o cansaço acumulado dos meses que já levamos de vivência desta pandemia“, defende Rui Teixeira, chief operations officer da ManPower Group. Para garantir a comunicação à distância, a empresa promove ações de contacto e de reforço do bem-estar, como dicas de saúde e momentos de partilha e socialização em formato virtual.
O responsável acrescenta que a capacidade de gerir um novo momento de isolamento, o stress de conciliação de vida pessoal e profissional e a capacidade de continuar a entregar resultados em condições remotas são fatores que deverão ser acautelados. Especialmente se as escolas voltarem a fechar.
A preocupação é partilhada pela tecnológica ROFF/Inetum. Com cerca de 80% dos cerca de 2.000 trabalhadores atualmente em teletrabalho, o maior desafio é “a incerteza”. Para contrariar o problema, foca-se na motivação dos trabalhadores, tendo por base conceitos de “transparência, alinhamento e proximidade”, como explica Francisco Febrero, group corporate da ROFF/Inetum.
“A transparência e comunicação verdadeira com os nossos colaboradores é, neste momento, crucial para os manter informados e tranquilos, com a segurança que a empresa os vai apoiar em todos os momentos, que os vê como um todo e que seu bem-estar, saúde mental e condições de trabalho importam”, sublinha.
Psicologia, mindfulness ou mais férias para motivar
A motivação é uma preocupação de várias empresas e, nalguns casos, há mesmo apoios (financeiros e não só). A tecnológica portuense Blip decidiu dar 650 euros a cada um dos 330 engenheiros informáticos e programadores a trabalhar remotamente, para apoiar em despesas de material de escritório e de energia durante os meses de inverno. A empresa mantém o Employee Assistance Programme — criado no início da pandemia –, através do qual oferece apoio psicológico aos colaboradores e às suas famílias. Além disso, implementou uma nova política que permitirá aos colaboradores gozar até 30 dias de férias adicionais por ano de acordo com a sua antiguidade.
“O nosso escritório não é apenas um local onde as pessoas vão para trabalhar, foi igualmente desenhado para ser um local de convívio, de união, de celebração e de fomento de amizades”, destaca Mariana Ferreira, employee assistance manager da Blip. “Apesar de a flexibilidade para trabalhar a partir de casa já ser uma prática corrente na Blip, este tem sido um novo desafio que tem feito a empresa pensar mais a fundo em formas de criar um espírito de equipa forte e também de oferecer aos colaboradores todas as condições para que se sintam bem e motivados durante este período de incerteza“, acrescenta.
Para continuar a manter todos os trabalhadores próximos, a Axians (do grupo VINCI Energies) apostou em sessões de mindfulness, exercício físico, webinars e programas de coaching de bem-estar. Para a empresa dedicada às tecnologias de informação e comunicação, a renovação do estado de emergência conduziu de volta a casa 970 trabalhadores, quase 100% da força de trabalho.
As medidas que foram sendo implementadas ao longo destes meses são para manter: disponibilização de ferramentas de colaboração que permitam a fácil comunicação, ainda que digital, entre os colaboradores, e de materiais que possam tornar o “escritório em casa” mais adequado.
“As medidas que foram sendo implementadas nas várias áreas ao longo destes meses são para manter. Disponibilização de ferramentas de colaboração que permitam a fácil comunicação, ainda que digital, entre os colaboradores, e também de materiais que possam tornar o “escritório em casa” mais adequado, por exemplo, com a disponibilização de cadeiras semelhantes às que existem no escritório da empresa ou de periféricos informáticos, como um segundo monitor”, conta à Pessoas Fernando Rodrigues, managing director na Axians Portugal,.
Para o responsável, o maior desafio de regressar ao remoto é manter a motivação, a capacidade de criatividade e inovação e a colaboração entre as equipas. Também a Nestlé quer promover a comunicação entre os trabalhadores no workplace do Facebook e num grupo criado em março para partilha de experiencias em teletrabalho, o “Together even when apart” (juntos, mesmo à distância).
“O [desafio] mais reportado pelas pessoas é a forma de gestão do trabalho em casa. É precisamente para ajudar os seus colaboradores nessa gestão que a Nestlé tem disponibilizado workshops de gestão de stress e está atenta às questões que possam ser colocadas pelos seus colaboradores”, refere fonte oficial da empresa. Na Nestlé, os trabalhadores continuam, tal como em março, a ter acesso a projetos no âmbito da saúde e do bem-estar, workshops de gestão de stress e apoio psicológico.
Teletrabalho ad eternum?
Um pouco por todo o mundo, o regresso aos escritórios está a ser adiado e o teletrabalho será uma opção permanente. Twitter, Facebook, Uber, Google e Microsoft são algumas das empresas que já anunciaram que para determinadas funções o trabalho remoto poderá permanecer num cenário pós-pandemia. Em Portugal, mais de 90% das empresas em Portugal prevê continuar a apostar em modelos de trabalho mais flexíveis depois da pandemia.
Na Microsoft Portugal, todos os 1200 colaboradores estão em trabalho remoto desde março e a empresa já confirmou que não há data prevista para o regresso aos escritórios. O mesmo deverá acontecer na consultora everis Portugal, que há nove meses tem o teletrabalho como regra para a maioria dos trabalhadores, sem data prevista para voltarem à base.
João Viana Ferreira, partner da everis Portugal, acredita que o futuro é híbrido, mas garantir o sucesso desta mudança vai depender de três fatores: proximidade, responsabilidade e confiança.
“Proximidade, porque os líderes têm de ser capazes de orientar as suas equipas à distância. Responsabilidade, porque os colaboradores têm de ser capazes de decidir e executar com a qualidade e o brio que seria desejável em contexto normal. Por fim, confiança, uma dimensão que está associada à responsabilidade e que é fundamental para a autonomia, sentido crítico e motivação dos colaboradores”, detalha o responsável.
E os trabalhadores parecem concordar, à medida que vários estudos vão comprovando que os trabalhadores gostariam de continuar com modelos de trabalho híbrido — combinação entre o presencial e o remoto –, e mais flexibilidade no futuro. Para os portugueses, a semana ideal seria dividida entre dois a três dias de trabalho remoto e três dias no escritório.
“Independentemente da geração, os trabalhadores querem poder adotar modelos híbridos, com maior flexibilidade de horários, que incluam momentos de socialização, de colaboração e de concentração no escritório. Mesmo que isto não seja possível agora, deve dar-nos uma orientação para os modelos de trabalho futuros”, acrescenta Rui Teixeira, da ManPower Group.
“Comparando este ambiente de trabalho com fase que vivemos em março, nada mudou”, assegura Teresa Freitas, talent director da EY. Na consultora, o regime de teletrabalho mantém-se e a empresa tem apostado na contratação à distância, com a integração de 170 jovens em 2021, “através de um processo que já não abdicará do digital”, sublinha a responsável.
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No regresso ao teletrabalho, há sessões de mindfulness e dias de férias para manter a moral
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