5 coisas que vão marcar o dia

As contas do Santander no último ano, os números do emprego e os novos desenvolvimentos nas tarifas de Trump vão estar em destaque esta quarta-feira. Já Montenegro participa no debate quinzenal.

Depois de Donald Trump ter dado um passo atrás na imposição de tarifas ao Canadá e ao México, adiando a entrada em vigor das novas taxas aduaneiras por um mês, os investidores aguardam agora por novos desenvolvimentos, nomeadamente em relação aos bens europeus. Já em Portugal, o INE revela os números do emprego no quarto trimestre do ano e o Santander divulga os números da atividade em 2024, no dia em que o primeiro-ministro Luís Montenegro participa no debate quinzenal no Parlamento.

Santander apresenta resultados do ano

O banco Santander divulga os resultados anuais de 2024, em Madrid. O grupo espanhol registou lucros de 9.309 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 14% face ao mesmo período de 2023. Em Portugal, o Santander Totta registou um lucro de 778,1 milhões de euros até setembro, o que representa uma subida de 25,1% face aos 621,7 milhões de euros alcançados no mesmo período do ano passado. Os lucros foram impulsionados pela margem financeira (diferença entre os juros cobrados nos empréstimos e os juros pagos nos depósitos), que avançou 20,5% para 1,24 mil milhões de euros entre janeiro e setembro.

Estatísticas do emprego 4.º trimestre

O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga, esta quarta-feira, os números do emprego no último trimestre de 2024. A taxa de desemprego fixou-se em 6,1% no terceiro trimestre do ano, mantendo-se face aos três meses anteriores e ao trimestre homólogo. Já a população empregada aumentou 1,2% face ao registado há um ano, atingindo 5,1 milhões de pessoas, isto é, o valor mais elevado desde, pelo menos, 2011.

Montenegro no Parlamento

O dia será ainda marcado pelo debate com o primeiro-ministro na Assembleia da República. Luís Montenegro vai ao Parlamento depois de ter registado a primeira baixa no seu governo, após a demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, que está a ser investigado pela Procuradoria Europeia por suspeitas de ter recebido contrapartidas durante o seu percurso como antigo presidente da Câmara Municipal de Bragança. Já depois do plenário, o ministro da Coesão Territorial Castro Almeida vai responder aos deputados sobre a execução do PRR e falhas do IAPMEI nos prazos de pagamentos.

Audição da Inapa volta ao Parlamento

Depois de já terem sido ouvidos pelos deputados o ex-CEO da Inapa, Frederico Lupi, o ex-presidente da Parpública, Realinho de Matos, e o secretário de Estado do Tesouro e Finanças, João Silva Lopes, é agora a vez do secretário de Estado do Trabalho, Adriano Rafael Moreira, ir ao Parlamento falar sobre a situação da Inapa. A audição parlamentar sobre a distribuidora de papel foi pedida pelo Chega, após a empresa ter entrado em insolvência.

Tarifas de Trump mantêm investidores vigilantes

O tema da imposição de tarifas vai continuar a marcar a semana. Depois de os EUA terem suspendido por um mês a aplicação de taxas aduaneiras de 25% sobre as importações canadianas e mexicanas, para continuarem as negociações durante este período, a China e a União Europeia centram agora atenções. Depois de Pequim ter anunciado que retaliou as novas tarifas de 10% dos EUA, os investidores aguardam agora o resultado da conversa entre Trump e Xi Jinping, na expectativa que, à semelhança do que aconteceu com o Canadá e o México, também as tarifas à China possam ser adiadas. Quanto à Europa, os investidores continuam a aguardar para saber quais serão as taxas aduaneiras aplicadas aos produtos europeus.

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PRR reprogramado com menos metas, mas o mesmo dinheiro

A Saúde e as empresas foram as principais beneficiárias deste exercício, em detrimento das casas, das barragens e dos metros na reprogramação do PRR, que Castro Almeida vai explicar aos deputados.

O objetivo continua a ser executar 22,2 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) até junho de 2026. Mas, em vez de 463 metas e marcos, Portugal propõe agora à Comissão Europeia cumprir 450, concentrando um maior número no último pedido de pagamento. Esta é a proposta de reprogramação que Portugal entregou a Bruxelas a semana passada. Um exercício que retirou 1.483 milhões de euros (cerca de 6,7% do montante global da bazuca) em investimentos, cujo cumprimento não podia ser assegurado até junho de 2026 e integrou outro tanto em novas apostas ou reforço das já existentes.

Em traços gerais, a Saúde e as empresas foram as principais beneficiárias deste exercício, em detrimento das casas, das barragens e dos metros. Uma opção que o ministro da Coesão vai explicar aos deputados esta quarta-feira na Comissão Eventual de Acompanhamento de Execução do PRR e PT2030.

Após um levantamento exaustivo, o Executivo decidiu retirar do PRR tudo o que estava em risco de não ser concluído até junho de 2026. O prazo limite termina em agosto, mas por cautela a fasquia foi colocada em junho, explicou o secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, no Parlamento, a semana passada. A aposta recaiu sobre investimentos que dependessem menos de obras e assim se justifica a compra de equipamentos para o SNS e para sistema científico e tecnológico.

A Saúde tem um reforço de 336 milhões de euros para a compra de equipamentos para as Unidades Locais de Saúde (ULS), “modernizando as infraestruturas e garantindo um melhor acesso aos cuidados de saúde”, segundo o comunicado de sábado do Ministério da Coesão. A Ciência e Ensino Superior recebe um investimento adicional de 110 milhões para “equipamentos e modernização tecnológica das universidades, reforçando a capacidade científica e de investigação do país”. E para fomentar a inovação empresarial, a competitividade e o crescimento das empresas é criado um novo instrumento financeiro com uma dotação de cerca de 230 milhões de euros.

O ministro da Agricultura já tinha revelado, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, que tinha “a expectativa que, na reprogramação” da bazuca, a Comissão Europeia aceitasse que o compartimento nacional InvestEU pudesse ser utilizado para a “criação de instrumentos financeiros, empréstimos a taxas de juro mais baixas”. “Isto tem a vantagem: ao colocar ali aquele recurso, depois dos contratos com os bancos, a meta fica executada e há mais tempo para se executar os projetos, pois ficam com a duração do InvestEU. Aí já podia ir, no mínimo, até 2027. Dava mais tempo também para a execução dos projetos”, explicou José Manuel Fernandes, que foi relator e negociador do Parlamento Europeu para o Programa InvestEU quando era eurodeputado.

Mas como o prazo de execução limite é de junho de 2026, mas também retirar do PRR a linha Violeta do Metro de Lisboa, parte da linha vermelha, a barragem do Pisão, já que as obras ainda nem começaram e a dessalizadora do Algarve.

À componente da habitação vão ser retirados 391 milhões de euros. Das 6.800 casas do parque habitacional a custos acessíveis apenas 3.500 serão financiadas pelo PRR, o financiamento das restantes 3.300 será assegurado através de um empréstimo do BEI. “O problema é não ter havido a procura que se pretendia para estas habitações”, explicou Hélder Reis no Parlamento, a semana passada. “Em causa estão empréstimos aos municípios e a procura foi inferior àquela que se pretendia”, acrescentou.

Já ao nível da gestão hídrica serão retirados 224,4 milhões de euros. A Barragem do Pisão já não vai ser financiada pelo PRR, a dessalinizadora do Algarve e a barragem do Pomarão também vão ter de encontrar fontes de financiamento alternativas. A barragem será financiada pelo Portugal 2030 e pelo Orçamento do Estado os outros dois projetos pelo Sustentável 2030.

Um dos cortes mais significativos é ao nível da mobilidade sustentável (-416 milhões de euros) fruta da “redução de financiamento PRR nos investimentos relacionados com a Linha Violeta (Odivelas-Loures) e parte da expansão da Linha Vermelha (São Sebastião-Alcântara) do Metro de Lisboa”. “Estes projetos, considerados estruturantes para o país, seguem o seu percurso normal de execução embora com recurso a fontes de financiamento alternativas, nomeadamente através de fontes de Fundos Europeus ou Orçamento de Estado”, lê-se na reprogramação entregue em Bruxelas.

O metro de superfície que liga Odivelas a Loures vai sair integramente do PRR, um projeto que ascende a 390 milhões de euros, porque no final do ano, no concurso público, “surgiram duas candidaturas pelo dobro do preço de referência”. Mas, por outro lado, entram 66,4 milhões para a “digitalização do transporte ferroviário”, onde se encaixam projetos de sinalética e outras infraestruturas tecnológicas.

No exercício de reprogramação há ainda dois investimentos que entram. São destinados 137 milhões da componente REPowerEU para a compra de 390 autocarros elétricos para o país, “o que elevará para 835 os autocarros elétricos financiados pelo PRR” e são 78 milhões de euros para reforçar o programa E-lar para “ajudar as pessoas mais vulneráveis a trocar equipamentos que, do ponto de vista climáticos não são os ideais”.

A ditadura dos prazos levou ainda a que a construção de dois barcos elétricos para a empresa de transporte marítimo de passageiros e viaturas nos Açores também vai saltar fora do financiamento do PRR, porque o concurso foi lançado por três vezes e acabou por não ser escolhido nenhum candidato, até porque as especificidades técnicas eram excessivas, segundo o responsável já tinha explicado.

Mas o navio de investigação multifuncional, na região Autónoma da Madeira, cujo concurso também teve problemas mantém-se porque o Executivo está “confiante que ainda se vai concretizar”. Estes dois investimentos faziam parte do sexto pedido de pagamento já entregue em Bruxelas e eram dois dos quatro marcos que ficaram por cumprir.

No documento entregue em Bruxelas, o Executivo explica que a reprogramação tem por objetivo:

  1. “Ajustar o calendário de realização dos investimentos à elegibilidade temporal do PRR;
  2. Retirar o financiamento de investimentos e a concretização de projetos que deixaram de ser exequíveis, ao nível de custos ou eficiência estimada, bem como a substituição por uma alternativa mais adequada, passível de cumprir mais cabalmente os mesmos objetivos do PRR;
  3. Incorporação de novos investimentos que apresentem uma melhor relação custo-eficácia;
  4. Introdução de alternativas mais adequadas que permitam reduzir os encargos administrativos na execução dos investimentos, sem deixar de cumprir os objetivos e a ambição do PRR;
  5. Corrigir requisitos da descrição de um marco ou meta, desnecessariamente pormenorizados ou que implicam encargos administrativos injustificados;
  6. Ajustar as metas intermédias, não obstante o cumprimento das metas finais;
  7. Corrigir erros administrativos na versão anterior da Decisão de Execução do Conselho.”

Com a reprogramação, o número de metas e marcos sofre uma redução — passou de 463 para 450. O Executivo propõe a Bruxelas que a redução se concentre sobretudo nos 7.º e 9.º pedidos de pagamento. Já o 10.º e último pedido de pagamento ganha 30 metas e marcos, passando a ser aquele onde o volume é maior. Recorde-se que o Tribunal de Contas europeu já tinha apontado o dedo aos países que tinham um grande volume de reformas e investimentos concentrados no final do prazo, onde se incluía Portugal.

A Comissão Nacional de Acompanhamento, numa análise rápida à reprogramação, elenca que “no PRR 3.0″ os investimentos que deixarão de ser financiados são:

❌ Empreendimento de Fins Múltiplos do Crato;
❌ Dessalinizadora do Algarve;
❌ Tomada de água do Pomarão;
❌ 3.500 fogos a custos acessíveis;
❌ Linha violeta do Metropolitano de Lisboa;
❌ Investimento parcial na Linha Vermelha do Metropolitano de Lisboa;
❌ Vales Eficiência;
❌ Redução de ambição em vários investimentos na componente 16 – Empresas 4.0.

E os novos investimentos ou reforço de existentes são:
✅ Equipamentos para o Serviço Nacional de Saúde nas ULS;
✅ Instrumento financeiro de apoio à inovação empresarial;
✅ Equipamentos para o sistema científico e tecnológico;
✅ Autocarros elétricos;
✅ Indústria 4.0;
✅ Programa E-Lar e Bairros sustentáveis no âmbito da eficiência energética para pessoais e comunidades vulneráveis;
✅ Inteligência artificial
✅ Respostas sociais.

Na audição desta quarta-feira, Manuel Castro Almeida vai ainda ser confrontado com “os danos causados pelas falhas do IAPMEI” (Agência para a Competitividade e Inovação), os prazos de pagamentos do PRR e os pedidos de devolução de fundos europeus a 530 empresas.

Os atrasos nos pagamentos do IAPMEI às empresas que integram as agendas mobilizadoras estavam a criar problemas de tesouraria, como avançou o Jornal de Negócios em meados de dezembro. As Agendas Mobilizadoras tinham submetido 1.067 pedidos de reembolso num montante total de 126,7 milhões de euros, mas ainda só tinham sido pagos 84 milhões, de acordo com um balanço do IAPMEI, ou seja, 66% do montante global. Dias depois, o instituto liderado por José Pulido Valente notificou as agendas com pagamentos em falta e iniciou os pagamentos.

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Esta tecnológica portuguesa está à procura de 200 profissionais, de recém licenciados a mais experientes

Olisipo tem 200 vagas abertas para áreas diversas, da cibersegurança à programação. Diretora de recursos humanos adianta ao ECO que, em média, trabalhadores ficam três anos na empresa.

Onde estão os desafios estão as oportunidades“. A frase é da diretora de recursos humanos da Olisipo, consultora tecnológica portuguesa que, apesar dos desafios à espreita, prevê aumentar em 40% a sua faturação este ano e tem, neste momento, 200 vagas de emprego abertas. Ao ECO, Paula Peixoto explica que há oportunidades em “áreas muito diferentes” — da cibersegurança à programação –, que se dirigem tanto a recém-formados como a profissionais com mais experiência.

Olisipo tem presença em Lisboa, Porto, Aveiro e ilhas.

“Temos, neste momento, mais de 200 vagas em aberto em 50 projetos diferentes de setores também bastante diversos entre si“, adianta a responsável, frisando que a Olisipo tem uma “presença muito forte” na área das telecomunicações e da banca.

Quanto às oportunidades em aberto, Paula Peixoto explica que procuram-se profissionais das áreas de testes, cibersegurança, data, programação e operações com “perfis bastante diferentes”, isto é, tanto jovens que acabaram de sair de escolas profissionais (e a Olisipo tem trabalho de forma “muito próxima” com estas instituições, adianta a diretora de recursos humanos), como recém-licenciados e até “pessoas que estejam numa fase mais avançada da sua carreira e queiram fazer uma mudança”.

Por outro lado, a responsável salienta que a Olisipo tem presença em Lisboa, Porto, Aveiro e ilhas, mas as oportunidades não estão limitadas a essas regiões. “A flexibilidade do trabalho remoto proporciona aos nossos colaboradores a possibilidade de estarem nas suas áreas de residência, que podem não ser nestas quatro regiões”, realça Paula Peixoto.

Com 200 vagas em aberto, a diretora de recursos humanos admite ainda ao ECO que a Olisipo, à semelhança de várias outras empresas, tem sido dificuldades no recrutamento. “Há mais oferta de emprego do que colaboradores disponíveis para integrar estes projetos”, reconhece Paula Peixoto.

Mas olhamos para isso como algo bom“, atira a mesma, destacando a importância, neste cenário, da aposta nas parcerias com as referidas escolas, mas também numa cultura de proximidade, na qual o candidato sente que “o recrutador está à procura de um projeto para si“.

“Ao contrário do que acontece noutras realidades, ouvimos o que quer para a sua carreira e temos por hábito apresentar mais do que um projeto. É o candidato que escolhe. Há uma humanização desde o início”, sublinha a diretora de recursos humanos.

Fidelização média de três anos

Paula Peixoto é diretora de recursos humanos da consultora tecnológica Olisipo.

De acordo com a diretora de recursos humanos da Olisipo, os profissionais ficam, em média, três anos nesta empresa, sendo que, mais do que fidelização, o foco tem sido em garantir a “experiência mais positiva possível”, assinala.

Por isso, a Olisipo — que foi considerada uma das melhores empresas para se trabalhar na Europa (pela Great Place to Work), numa lista que apenas inclui cinco empresas portuguesas — tem investido, por exemplo, na formação contínua dos seus trabalhadores (disponibiliza uma plataforma online para esse fim), mas também nos benefícios.

Um deles é a disponibilização a todos os empregados de uma plataforma digital de acompanhamento psicológico, depois de o departamento de recursos humanos ter recebido “muitas solicitações” nesse sentido, conta Paula Peixoto.

Outra é a capacidade de os trabalhadores terem acesso a uma parte do seu salário, em qualquer momento do mês, em linha com uma tendência sobre a qual o ECO também já escreveu. “Tentamos retirar o máximo possível do stress financeiro dos nossos colaboradores e temos uma plataforma que permite aceder a parte do seu salário, no decorrer do mês, numa perspetiva de conforto“, avança a responsável, que ressalva que, em paralelo, foi dada formação em literacia financeira.

“É um benefício bastante valorizado pelos nossos colaboradores, mesmo pelos que não usam”, acrescenta a diretora de recursos humanos da Olisipo, empresa que conta com três décadas de história e uma comunidade de 750 profissionais.

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Operação Tutti Frutti. Os arguidos, os crimes e os prejuízos para o Estado

O Ministério Público acusou esta terça-feira dezenas de autarcas e ex-autarcas do PS e PSD de crimes que variam entre a corrupção ativa e passiva, prevaricação, branqueamento e burla qualificada.

Foram precisos oito anos para que o chamado processo da Operação denominada de ‘Tutti Frutti’ desse frutos. Esta terça-feira, o Ministério Público acusou finalmente 60 pessoas, entre elas autarcas das mais importantes juntas de freguesia de Lisboa, funcionários e empresários. Em causa estão crimes de branqueamento de capitais, corrupção, prevaricação, abuso de poder, tráfico de influência e participação económica em negócio, segundo a acusação, a que o ECO/Advocatus teve acesso.

A operação denominada ‘Tutti Frutti’ investigou desde 2018 alegados favorecimentos a militantes do PS e do PSD. A maioria do PSD. O líder da concelhia (Luís Newton), o líder da distrital de Lisboa (Ângelo Pereira) foram formalmente acusados pelo Ministério Público. De fora ficam Fernando Medina e Duarte Cordeiro, cujas suspeitas de corrupção passiva enquanto responsáveis da Câmara de Lisboa foram arquivadas. Também as imputações de prevaricação contra o ex-presidente da autarquia lisboeta foram, na mesma linha, arquivadas. O processo investiga, desde 2016, alegados favorecimentos a militantes do PS e do PSD, através de avenças e contratos públicos.

Governo apresenta plano de resposta ao aumento dos preços - 06SET22
Fernando Medina e Duarte CordeiroHugo Amaral/ECO

Mas quem vai então a julgamento?

Entre os arguidos acusados neste caso estão o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, o deputado do PSD Carlos Eduardo Reis e o ex-deputado social-democrata Sérgio Azevedo. Em autoria estão em causa três de corrupção passiva (um agravado), dois de corrupção ativa, sete de branqueamento, dois de tráfico de influência. Além das dezenas de crimes imputados aos vários arguidos, o MP pediu ainda a perda de mandato para aqueles que foram eleitos para cargos autárquicos.

“Os arguidos Sérgio Azevedo, Rodrigo Gonçalves, Vasco Morgado, Nuno Firmo, Luís Newton, Ângelo Pereira, Fernando Braamcamp, Ameetkumar Subhaschandra, Patrícia Brito Leitão, Rodolfo de Castro Pimenta, Ana Sofia Oliveira Dias, Inês de Drummond e José Guilherme Aguiar praticaram os factos de que vêm acusados no exercício de mandato autárquico, valendo-se dos respetivos cargos para satisfazer interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público, em grave violação dos deveres inerentes às suas funções de autarcas”, escreve o MP no despacho do MP.

Lista de arguidos e crimes imputados

  • Sérgio Azevedo – ex-deputado social-democrata – tem um total de 51 crimes, dos quais 37 em coautoria: oito crimes de corrupção passiva (um na forma agravada), 11 crimes de corrupção ativa (dois na forma agravada), dez crimes de branqueamento, 13 crimes de prevaricação, seis crimes de tráfico de influência, dois crimes de falsificação de documento e um m crime de burla qualificada.
  • Fernando Braamcamp, presidente da Junta de Freguesia do Areeiro, está acusado por 39 crimes, todos eles em concurso e coautoria de corrupção passiva.
  • Ameetkumar Subhaschandra , atual tesoureiro da Junta de Freguesia do Areeiro, que também é o nomeado substituto legal do presidente desta autarquia, é acusado pelo MP da prática de 39 crimes de corrupção passiva.
  • Patrícia Brito Leitão, ex-vogal da Junta de Freguesia social-democrata recebeu na acusação do MP a imputação por 37 crimes de corrupção passiva;
  • A Nuno Firmo, ex-dirigente do PSD em Lisboa, o MP imputou 32 crimes: três crimes de corrupção ativa (um deles agravado), quatro crimes de prevaricação, dez crimes de corrupção passiva, seis crimes de falsificação qualificada, um crime de falsificação de documento e oito crimes de branqueamento.
  • Vasco Morgado – Presidente da Junta de Freguesia de Santo António – está acusado de um total de 27 crimes: sete crimes de prevaricação, 17 crimes de corrupção passiva (um deles agravado), três crimes de branqueamento.
  • Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD, é acusado de praticar um total de 22 crimes, todos em coautoria, exceto um de corrupção ativa. Concretizando: seis crimes de corrupção ativa (um deles agravado), seis crimes de prevaricação, cinco crimes de tráfico de influência, quatro de branqueamento e um crime de abuso de poder
  • Luís Newton , presidente da Junta de Freguesia da Estrela e deputado do PSD, está acusado de dez crimes: cinco crime de prevaricação e cinco crimes de de corrupção passiva (um deles agravado). O deputado anunciou esta terça-feira que vai pedir a suspensão do mandato como parlamentar, apesar de dizer ainda desconhecer a acusação do processo Tutti Frutti.
  • Rodolfo de Castro Pimenta, presidente da mesa da Assembleia de Freguesia do Areeiro eleito para a presidência da mesa da Assembleia de Freguesia do Areeiro pela Coligação Novos Tempos, é acusado da prática de nove crimes de corrupção passiva.
  • Inês Drummond, vereadora socialista em Lisboa sem pelouro do PS foi acusada pelo MP de quatro crimes de prevaricação.
  • Rodrigo Gonçalves – ex-líder social-democrata – está acusado de dois crimes de corrupção passiva.
  • Ângelo Pereira , atual vereador integrado no executivo de Carlos Moedas, é acusado da autoria de um crime de recebimento indevido de vantagem. Também o vereador social-democrata, Ângelo Pereira, pediu a suspensão do mandato na Câmara de Lisboa, que já foi aceite pelo presidente da autarquia, Carlos Moedas.
  • Rui Paulo Figueiredo, autarca socialista atualmente deputado na Assembleia Municipal de Lisboa, está acusado da prática de um crime de corrupção passiva agravado.
  • Ana Sofia Oliveira Dias, presidente da Junta de Freguesia da Penha de França é acusada da prática de um crime de corrupção passiva agravado.
  • José Guilherme Aguiar, vereador do PSD na Câmara Municipal de Gaia, foi imputado pela prática de um crime de corrupção passiva.
  • Ambigold Invest, empresa de Carlos Eduardo Reis, está acusada da prática de cinco crimes: quatro crimes de branqueamento e um crime de tráfico de influência.
  • TW – Web Technology: empresa é acusada pelo MP da prática de três crimes de branqueamento.
  • Valley Inovation, empresa está acusada pela prática de cinco crimes branqueamento de capitais;
  • Intrupolis Consultoria: empresa acusada de três crimes realizados em coautoria de branqueamento de capitais.

Perda de mandatos: para quem?

O Ministério Público (MP) pede a perda de mandato e futura inelegibilidade de 13 autarcas, entre presidentes, ex-presidentes e membros de executivos de juntas de freguesia e câmaras municipais.

“Os arguidos Sérgio Azevedo, Rodrigo Gonçalves, Vasco Morgado, Nuno Firmo, Luís Newton, Ângelo Pereira, Fernando Braamcamp, Ameetkumar Subhaschandra, Patrícia Brito Leitão, Rodolfo de Castro Pimenta, Ana Sofia Oliveira Dias, Inês de Drummond e José Guilherme Aguiar praticaram os factos de que vêm acusados no exercício de mandato autárquico, valendo-se dos respetivos cargos para satisfazer interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público, em grave violação dos deveres inerentes às suas funções de autarcas”, lê-se na acusação.

Face a esta argumentação, o MP requer que “em caso de condenação, seja declarada a perda dos mandatos referentes a cargos políticos de natureza eletiva que estes, então, se encontrem a desempenhar efetivamente, sem prejuízo da declaração de inelegibilidade em atos eleitorais”.

Qual o valor patrimonial que o MP quer recuperar?

O Ministério Público (MP) quer recuperar para o Estado mais de 580 mil euros, resultantes da prática dos crimes imputados a 29 dos arguidos acusados. “Os arguidos obtiveram vantagens patrimoniais indevidas, para si e para terceiros, à custa do erário público, diretamente resultantes da prática dos crimes (…). Tais quantias deverão reverter a favor do Estado”, defende o MP na acusação no ponto sobre perda das vantagens do crime, no âmbito do qual quer ver restituídos aos cofres do Estado 588.135,10 euros, exigidos a 29 arguidos particulares e empresas”, diz o despacho de 1.325 páginas.

O MP quer também ver declarados perdidas a favor do Estado as quantias apreendidas a três arguidos: dois mil euros apreendidos a Nuno Firmo, 1.640 euros a Pedro Rodrigues, jurista, militante do PSD e ex-presidente da JSD e 6.680 euros a Paulo Quadrado, militante do PSD, antigo membro do Conselho Nacional do partido, ex-presidente da Junta de Freguesia da Graça e assessor da vereação PSD na Câmara Municipal de Lisboa e do grupo municipal do partido na Assembleia Municipal de Lisboa. Assim:

  • A Sérgio Azevedo, antigo deputado e líder da representação do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa entre 2013 e 2017 por exemplo, são reclamados mais de 123 mil euros.
  • A Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD, e à empresa Ambigold são reclamados quase 211 mil euros.
  • A Nuno Firmo e à empresa Valley Innovation mais de 110 mil euros.
  • A Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, e deputado do PSD, o MP reclama a devolução de mais de 14 mil e 600 euros.
  • Ao vereador Ângelo Moreira, do executivo lisboeta liderado por Carlos Moedas, a devolução de cerca de 600 euros, “relativo aos custos da viagem proporcionada pela Informaterm”.
  • José Guilherme Aguiar, atualmente vereador eleito pelo PS na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, deve ser obrigado a restituir 3.690 euros, defende o MP, relativos à celebração de contratos-programa de desenvolvimento desportivo entre a autarquia e clubes em benefício da Ambigold, empresa tutelada pelo também arguido e deputado do PSD Carlos Eduardo Reis.

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Aga Khan e Portugal, uma história de amor e de milhões

Morreu esta terça-feira em Lisboa o Príncipe Aga Khan, que fez da capital portuguesa a sede mundial da comunidade ismaelita, que liderava.

Num fim de tarde quente, a 4 de julho do ano passado, o Palacete Henrique de Mendonça, em Lisboa, encheu-se de convidados para celebrar o Imamat Day, o dia em que Karim al-Hussaini foi designado o líder mundial dos ismaelitas, em 1957. Aquele que ficou conhecido como o Aga Khan IV tinha 20 anos quando foi nomeado pelo seu avô e antecessor, tornando-se o 49º líder desta comunidade de muçulmanos ismaelitas, que tem cerca de 15 milhões de fiéis. No dia da festa, na sede mundial da comunidade, o Aga Khan foi representado pelo seu irmão, o Príncipe Amyn Aga Khan, uma vez que já estava algo retirado da vida pública.

Acabou por falecer esta terça-feira em Lisboa, no local que definiu como centro da sua fé e que deu uma “casa” física a uma comunidade dispersa por todo o mundo. A ligação oficial a Portugal deu-se em 1983, com a abertura de uma delegação da Fundação Aga Khan, na Lapa, em Lisboa, à semelhança do que já acontecia em vários países. Esta passaria a fundação de direito português em 1996. É também dessa altura a construção do Centro Ismaili, nas Laranjeiras.

A relação da comunidade com Portugal teve um ímpeto na sequência do 25 de abril e da descolonização, com a vinda para Lisboa de muitas pessoas das ex-colónias, nomeadamente de Moçambique, que tinha uma forte comunidade ismaelita. Nazim Ahmad, português de origem moçambicana, é atualmente o Representante Diplomático do Ismaili Imamat em Portugal, e teve um papel central nesta relação, até hoje. Esteve em todas as negociações com o poder político português que resultaram, em 2015, na escolha de Lisboa como sede mundial da comunidade, batendo outras cidades interessadas, inclusivamente noutros continentes.

A partir daí, a vida do Aga Khan IV e dos ismaelitas ficaria para sempre ligada a Portugal. O Príncipe era considerado um dos homens mais ricos do mundo, liderando um império de dezenas de empresas, cujos resultados revertem para a obra social, nomeadamente através da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN).

EPA/ANDY RAINEPA/ANDY RAIN

Os ismaelitas, que seguem uma corrente minoritária do xiismo, têm como filosofia não apenas apoiar a sua própria comunidade mas também contribuir para o desenvolvimento das sociedades nas quais se inserem, de forma colaborante e tolerante. Ao longo de catorze séculos de história, os Ismailis têm seguido os Imams hereditários, descendentes de Ali e de Fátima, filha do Profeta Maomé. Em Portugal, estima-se que existam cerca de sete mil fiéis.

Ao longo dos anos, foram muitas as iniciativas de investimento em Portugal, sempre numa ótica de filantropia e de apoio a causas sociais. Esse esforço intensificou-se a partir da instalação da sede em Lisboa e está em curso.

Alguns números. Só na compra do Palacete Mendonça e do Palácio Leitão, contíguo àquele, foram investidos perto de 25 milhões de euros, para instalação da sede. Foi assinado um acordo de cooperação na área da ciência com o governo português (Ministério da Ciência e Ensino Superior), com dotação de 10 milhões de euros em 10 anos, para bolsas para projetos nacionais de de Países de Língua Oficial Portuguesa. Na cultura, foram comprados e oferecidos vários quadros de pintores portugueses a museus públicos nacionais, além do apoio a iniciativas artísticas, particularmente musicais. O Príncipe Aga Khan foi ainda responsável por donativos para bolsas de estudo para crianças cujas famílias foram vítimas dos incêndios de Pedrogão, bem como para reflorestação de áreas ardidas.

Em 2018, realizou-se em Lisboa a cerimónia do Jubileu de Diamante do Príncipe. Na altura, estimou-se que a presença de 60 mil fiéis geraria para a economia da cidade cerca de 250 milhões de euros.

Mas o projeto mais ambicioso, que tem tido um nascimento atribulado, já não foi concluído a tempo de o Príncipe o poder inaugurar. É a Academia Aga Khan Portugal, um projeto que pretende promover o ensino de excelência a alunos oriundos de diferentes contextos sociais e económicos, num investimento estimado em mais de 80 milhões de euros. Inicialmente pensado para Cascais, depois de alguma polémica acabou por transitar para Oeiras, e está em fase de projeto. Segue o modelo de outras academias Aga Khan noutros países, fazendo coincidir alunos pagantes de propinas com outros que beneficiam de bolsas oferecidas, de forma a garantir um ensino de qualidade, até ao 12º ano.

O sucessor do Príncipe Shah Karim al-Hussaini Aga Khan IV será conhecido em breve, devendo ser um dos seus três filhos homens: Hussain, Rahim e Aly. A escolha está feita, no testamento deixado pelo 49º líder dos ismaelitas.

 

Entretanto, numa publicação na rede social X, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, manifestou “profundo pesar” pela morte de Aga Khan, sublinhando que a personalidade e obra do líder dos muçulmanos xiitas ismailis “permanecerão para sempre na memória dos portugueses”.

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Painéis solares em telhado de condomínio arriscam pagar IMI

Uma empresa com um centro eletroprodutor no topo de um imóvel pode vir a ser tributada, segundo as regras que estão a ser estudadas. Se os donos forem os condóminos, a solução terá de ser clarificada.

Uma empresa que instale e explore um conjunto de painéis solares no telhado de um edifício arrisca pagar Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo àquele centro eletroprodutor, segundo as novas regras que estão a ser estudadas pelo grupo de trabalho criado pelo Governo. Nesta situação, o condomínio arrenda o topo do imóvel a uma entidade que passa a ser tributada, uma vez que o sistema de produção de energia será considerado um prédio autónomo. É este o cenário que está em cima da mesa, tendo em conta vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e até um ofício interno da Autoridade Tributária (AT).

Caso seja o condomínio, constituído pelos proprietários de cada um dos apartamentos, o dono dos painéis solares, cuja energia poderá servir tanto para autoconsumo como para venda à rede, “aí há uma maior necessidade de clarificação de como se fará a tributação”, alerta o fiscalista Renato Carreira, da consultora Deloitte, em declarações ao ECO. “Pode haver duas soluções: ou o Fisco entende que o centro de produção solar é um prédio autónomo e passa a cobrar IMI ao condomínio, isto é, a cada uma das frações, além do imposto que os proprietários já pagam pelas suas casas; ou faz uma nova avaliação do valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel e agrava o IMI dos apartamentos”, sugere o perito em Direito Fiscal.

As hipóteses aventadas pelo fiscalista deverão aplicar-se igualmente a fábricas ou centros comerciais que detenham parques fotovoltaicos nos seus telhados.

A comissão formada pelo Executivo poderá, contudo, determinar “isenções com determinados critérios”, excecionando desta tributação condomínios ou outros estabelecimentos, quando a energia produzida seja para consumo próprio, admite a fiscalista Susana Estêvão Gonçalves, da sociedade de advogados Pérez-Llorca. A este propósito, Renato Carreira lembra que “os condóminos não têm personalidade jurídica, não pagam impostos e também não recebem receitas de rendas ou outras”. “Esses montantes são depois distribuídos pelos condóminos na sua quota-parte”, acrescenta.

O fiscalista da Deloitte considera ainda que “os centros eletroprodutores de pequena dimensão também poderão ser libertos do imposto, na medida em que o valor a liquidar será tão baixo que o custo que a AT teria na cobrança não iria compensar a receita gerada”.

As isenções poderão também ser importantes para não desincentivar a instalação de painéis solares nas casas. Até ao ano passado, existia inclusivamente um apoio, designado de Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis, que já pagou mais de 30 milhões de euros a quem se candidatou, em 2023, para receber o reembolso das obras relativas a colocação de janelas eficientes ou painéis solares. Entretanto, o Governo atual acabou com este subsídio e está a preparar outro programa semelhante mas com especial enfoque nas famílias mais carenciadas.

Se há dúvidas sobre se os condomínios, as casas dos contribuintes ou outras pequenas empresas poderão ou não ser tributados, no caso de uma entidade de dimensão considerável que instale e explore um sistema fotovoltaico no telhado de um determinado edifício, a posição sobre a aplicação do imposto é mais sólida entre os fiscalistas, dada que é sustentada em jurisprudência e numa norma da AT. “Não vemos motivo para que exista uma diferença de tratamento entre um centro eletroprodutor instalado no solo e um centro eletroprodutor instalado num telhado, pelo que o princípio de tributação poderá ser o mesmo”, defende Susana Estêvão Gonçalves.

Na mesma linha, Renato Carreira nota que “a própria Autoridade Tributária já entende que o dono do parque fotovoltaico, quando diferente do que detém o terreno, tem de pagar IMI sobre aquele prédio”. “Caso os proprietários sejam os mesmos, então o valor patrimonial tributário (VPT) tem de ser reavaliado com reflexo no agravamento do IMI que já é cobrado sobre prédio rústico”, esclarece.

O grupo de trabalho ainda está a analisar como podem ser tributados os parques eólicos e fotovoltaicos e as barragens e tem até 10 de maio para apresentar as conclusões. Mas já há caminho feito pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo Fisco. Existe jurisprudência que define os centros eletroprodutores como prédios que devem pagar imposto autonomamente, isto é, independentemente do terreno onde tenham sido construídos, e a Autoridade Tributária (AT) tem seguido esse princípio, “cobrando o IMI à parte quando o proprietário é diverso do dono do terreno”, salienta Renato Carreira. Esse entendimento está plasmado na circular interna da AT n.º 2/2021.

Assim, o centro eletroprodutor de painéis solares instalado no telhado de um prédio pode vir “a pagar IMI”, constata o fiscalista. Mas, “em termos práticos”, Renato Carreira não tem visto “a AT a classificar painéis solares como prédios autónomos para efeitos de IMI ou a agravar o IMI que já cobra ao dono do imóvel, quando seja o mesmo que detém o terreno”.

Importa salientar que o IMI que as barragens e os parques eólicos e fotovoltaicos deverão pagar vai aplicar-se sobre o conjunto do centro eletroprodutor e não sobre cada um dos seus elementos, sejam torres eólicas ou cada um dos painéis solares, uma vez que, isoladamente, não possuem autonomia económica. Será sobre o centro eletroprodutor, visto como se fosse uma fábrica, que irá incidir o imposto. É este o ponto de partido do grupo de trabalho e o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo.

Neste momento, o IMI não faz referência alguma à tributação específica de prédios de energias renováveis, incluindo barragens, eólicas ou fotovoltaicas, prevendo apenas que “que quando a avaliação de prédios comerciais, industriais ou para serviços […] se revele desadequada, os mesmos” devem ser “avaliados pelo método do custo adicionado do valor do terreno”. “É precisamente o caso dos centros eletroprodutores e barragens, conforme ficou estabelecido na portaria n.º 11/2017, de 9 de janeiro“, sublinha Susana Estêvão Gonçalves.

Porém, “o Código do IMI não densifica o método do ‘custo adicionado do valor do terreno’ para efeitos avaliativos, sendo essa a base das diversas posições divergentes quanto aos elementos a considerar para efeitos de avaliação”, vinca a fiscalista. “Caso venha efetivamente a ser estabelecido que centros eletroprodutores e barragens constituem uma espécie autónoma de prédios urbanos para efeitos de IMI, então parece-nos que deveria ser clarificado qual o método avaliativo aplicável para a determinação do VPT desses prédios, sendo igualmente densificados os termos e condições desse método avaliativo”, defende.

O grupo de trabalho, constituído pelo Executivo, vai determinar a forma de cálculo do tal “custo adicionado” para determinar a regra de “tributação dos centros eletroprodutores (designadamente, as centrais hidroelétricas, parques eólicos e parques solares fotovoltaicos) em sede do Imposto Municipal sobre Imóveis”, face às “várias dúvidas” que têm sido suscitadas e aos “numerosos litígios administrativos e judiciais”, lê-se no despacho que criou a unidade de estudo, liderada pela juíza conselheira e presidente do STA, Dulce Neto.

O grupo parlamentar do PS também já deu entrada de um projeto de lei, no Parlamento que, na prática, verte a proposta da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). A iniciativa vai mais longe do que o objeto do grupo de trabalho, que se cinge à definição do cálculo do “custo adicionado”, criando novas categorias de prédios, “de energias renováveis, incluindo barragens, eólicas ou fotovoltaicas e mistos”, termos que não constam atualmente da lei. Estabelece ainda que, “nos casos de usufruto, concessão ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário, concessionário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação”.

Mas os socialistas já sinalizaram que estão dispostos a esperar pelas recomendações da comissão, criada Governo, para estudar uma solução conjunta relativamente à tributação dos sistemas de produção de energia renovável.

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“Somos irrelevantes.” Portugal sem dimensão para sofrer impacto dos limites à compra de chips para IA

Novos limites dos EUA à venda de placas gráficas para IA abrangem Portugal, mas isentam Espanha e outros países europeus. Há impacto reputacional, mas falta de escala limita ou anula efeito da medida.

Restrições dos EUA afetam placas gráficas essenciais para treinar os novos modelos de inteligência artificialPixabay

As novas restrições dos EUA à exportação de placas gráficas usadas no treino de modelos de inteligência artificial (IA) irão abranger Portugal, mas terão um impacto muito limitado ou até nulo nas empresas e noutras instituições portuguesas, que não adquirem estes equipamentos numa escala relevante, apurou o ECO junto de fontes do setor. No entanto, o facto de o país não ter sido incluído na lista de 18 “aliados e parceiros-chave” dos EUA ameaça causar um dano reputacional na imagem que Portugal projeta no exterior.

A 13 de janeiro, a anterior Administração americana apertou pela terceira vez os controlos à exportação de certas tecnologias para tentar travar o avanço de países hostis em áreas críticas como a IA. As novas restrições incluem três níveis. No patamar mais apertado, as exportações de algumas placas gráficas da fabricante norte-americana Nvidia para países como a China ficam proibidas. No nível intermédio, países como Portugal, Suíça e Israel passam a estar sujeitos, entre outros aspetos, a limites máximos na compra destes componentes.

Ora, a equipa do ex-Presidente Joe Biden também isentou 18 parceiros destas restrições. Um benefício dado a praticamente todos os países da União Europeia (UE) mais próximos de Portugal, incluindo a vizinha Espanha, bem como ao Reino Unido. Nenhuma das fontes ouvidas pelo ECO conseguiu explicar porque é que a economia portuguesa foi visada nestas restrições dos EUA, sendo que já estarão a ser feitos esforços diplomáticos para compreender os motivos desta decisão, de acordo com uma outra fonte familiarizada com o assunto.

Um dano reputacional será, talvez, a grande consequência para Portugal das restrições norte-americanas à compra de chips. Do ponto de vista prático, o limite de 50 mil placas gráficas a que o país passa a estar sujeito, bem como a possibilidade de duplicar este valor mediante uma autorização especial prevista na medida, não deverá ter nenhum impacto relevante dado que as organizações portuguesas estão muito longe de conseguir, sequer, importar essas quantidades.

“No essencial, são limitações para Portugal adquirir máquinas, placas de processamento gráfico, com tecnologia americana. Aqui, a Nvidia é absolutamente central. Estamos a falar de uma restrição que não nos permite adquirir mais do que 50 mil GPU [Graphics Processing Units, vulgo placas gráficas], com facilidade até 100 mil GPU”, sintetiza Rui Oliveira, diretor do Centro de Computação Avançada do Minho (MACC), onde se encontra instalado o supercomputador português Deucalion.

Desde logo, dando como exemplo as placas Nvidia H100, o investigador explica que estes componentes são, atualmente, “dificílimos de comprar”, visto ser um dos modelos mais avançados e procurados na atual corrida da IA a nível mundial. “Está toda a gente à espera. Há centros de computação na Europa que já compraram e continuam à espera”, revela Rui Oliveira.

Além disso, não são baratos: “Cada GPU destes, grosso modo, custa 40 a 50 mil dólares. Façamos as contas e perceberemos que, na dimensão objetiva e substancial da restrição, isto é de facto uma não restrição” para a realidade portuguesa.

Para colocar os números em perspetiva, o Deucalion, o supercomputador português, tem aproximadamente 130 GPU. Ademais, um dos modelos de IA da DeepSeek, a startup chinesa de IA que abanou os mercados financeiros no final de janeiro, foi “treinado em 50 mil GPU da Nvidia, mas os H800, na prática duas gerações atrás dos H100”, diz o também diretor do INESC TEC.

“Estamos a falar de quantidades de GPU que não estão ao alcance dos supercomputadores europeus”, reitera. “Contas por alto, nós só iríamos sofrer a restrição se investíssemos metade do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]” em placas da Nvidia, diz o diretor.

No dia em que [alguém em] Portugal comprasse 1.000 placas gráficas H100, era notícia em toda a comunicação social. Os responsáveis seriam entrevistados.

Rui Oliveira

Diretor do Centro de Computação Avançada do Minho (MACC)

Esta informação é corroborada por Luís Sarmento, cofundador e CEO da Inductiva AI, uma empresa portuguesa que aplica métodos de machine learning e computação avançada na realização de simulações: “Não existe propriamente em Portugal nenhuma empresa que esteja a comprar esse hardware em escala”, assegura o gestor.

Salientando que “praticamente todo o hardware para IA” adquirido pelas empresas empresas portuguesas é feito em “pequena escala”, Luís Sarmento diz que as empresas nacionais compram, “eventualmente, às dezenas, ou uma dezena destes GPU, como os H100, que são dos mais caros e que até vêm nuns bastidores com oito de cada vez”. “Mas isso já seria uma compra de uns 200 a 300 mil euros. Não há assim muitas instituições em Portugal a gastarem assim 300 mil euros”, diz.

“Em suma, esta restrição, na realidade, não nos afeta assim tanto. Não há nenhum projeto que vai parar. Se calhar alguns terão de gastar mais dinheiro, mas ninguém está aqui a encomendar 50 mil GPU, ou dez mil, ou mil”, reforça Luís Sarmento, apontando, por exemplo, para grandes projetos de construção de data centers no país. Questionado sobre se quer isto dizer que Portugal é irrelevante no mapa internacional da IA, o gestor responde que sim: “Somos praticamente irrelevantes.” “Essa é a discussão interessante: porque é que nós somos irrelevantes, porque somos. Neste momento não temos capacidade interna para sermos altos consumidores de GPU”, diz.

A restrição terá, no entanto, outros efeitos, incluindo um “mais pernicioso”, de empurrar ainda mais as empresas para soluções na cloud oferecidas por empresas americanas: “Eu vejo estas restrições como uma certa tendência para o favorecimento dos fornecedores atuais, via cloud, enaltece. Não será, contudo, o principal.

Reputação de Portugal em risco

Apesar do baixo impacto direto no mercado, a decisão dos EUA de não isentar Portugal destas limitações já está a ter consequências políticas, ainda que difíceis de avaliar.

“A perceção criada quando se publica um mapa europeu onde está tudo pintado da mesma cor, menos Portugal e países já mais remotos, em que todos os seus vizinhos não têm restrições, levanta aqui a questão de ‘o que é que se passa, porquê Portugal?'”, alerta o diretor do MACC, Rui Oliveira.

“Do ponto de vista da perceção na fotografia, é pena, é preocupante, ou pelo menos sempre estranho. E faria sentido percebermos nessa perspetiva a parte mais política. Isso acaba por ter reflexos comerciais, não necessariamente nos GPU, mas na imagem que isso passa”, afirma o investigador. E, apesar de não conseguir apontar a causa exata, sugere que a única coisa que se pode dizer é que a decisão define Portugal como “um país de menor confiança nesse aspeto, onde, provavelmente, o controlo da informação e da propriedade intelectual será inferior”.

O ECO enviou um conjunto de questões ao Governo, através do Ministério da Juventude e Modernização, dado que a ministra Margarida Balseiro Lopes tem a tutela de todas as questões relacionadas com IA, e também já tentou questionar o Ministério da Economia sobre a matéria, para conhecer a posição oficial do Governo português, mas sem sucesso até à publicação desta notícia.

Nós devíamos estar agora muito preocupados porque isto vai ter um grande impacto em nós, mas infelizmente não vai ter grande impacto. E isso é que é triste.

Luís Sarmento

Cofundador e CEO da Inductiva AI

“Porque é que o ChatGPT não nasceu em Portugal?”

“A grande discussão que se coloca é porque é que nós não somos uma potência de IA. E ninguém tem coragem de fazer esta pergunta”, diz Luís Sarmento, para quem Portugal é “um país que cronicamente está atrasado” ao nível tecnológico, levantando mesmo outra questão, referindo-se à plataforma de IA generativa da empresa norte-americana OpenAI: “Porque é que o ChatGPT não nasceu em Portugal?”

“Demos um grande salto do ponto de vista de educação, e isso deu-nos recursos humanos, mas as organizações que depois poderiam absorvê-los não têm um perfil tecnológico”, diz, diagnosticando: “O grande problema é que o nosso perfil económico é um perfil que é muito difícil de se tornar tecnológico”, com uma “indústria mid-tech”.Toda a nossa indústria é uma indústria de baixa incorporação tecnológica, que não tem interesse nenhum em desenvolver-se tecnologicamente para além do óbvio, de ter o Windows a correr e pouco mais”, indica.

“Era preciso dar aqui uma volta muito grande. Os recursos existem. Eu acho que parte do contexto existe. O que não está a existir é um ecossistema de empresas inovadoras, pequenas. Nós devíamos estar a focar-nos era em como é que pegávamos neste talento todo e o vocacionávamos para empresas de pequena e média dimensão”, remata Luís Sarmento.

As restrições desenhadas pela Administração Biden contemplam um período de 120 dias até entrarem em vigor, prazo que terminará em meados de maio. Foi a forma encontrada pelo anterior governo norte-americano para permitir eventuais alterações por parte da equipa do novo Presidente Donald Trump.

Ao nível de políticas públicas em Portugal, o Governo está a desenhar uma Agenda Nacional de IA que irá apresentar em breve. Enquanto isso, está a ser desenvolvido um grande modelo de linguagem português, chamado Amália, por entidades públicas, num investimento de 5,5 milhões de euros. Está previsto ser lançado no final do primeiro trimestre.

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Guerra das tarifas acorda fantasma da inflação e incerteza nos juros

Aceleração da inflação nos EUA no curto prazo é esperada pelos economistas. Fed deverá "esperar para ver", enquanto na Zona Euro a dúvida é sobre o ritmo da descida dos juros

O ‘monstro’ da inflação ainda não estava totalmente adormecido e as tarifas impostas pelos Estados Unidos aos produtos provenientes do Canadá, México, China e eventualmente da União Europeia podem ser o suficiente para o despertar novamente. Uma nova onda inflacionista à escala da última crise parece descartada para já, mas caso a guerra comercial se concretize o ritmo de subida dos preços deverá voltar a aumentar e os bancos centrais poderão pôr em modo pausa – mesmo que temporariamente – a descida dos juros.

Michael Medeiros, estratega macroeconómico da Wellington Management, explica que a economia sugere que “as taxas alfandegárias são inflacionistas no curto prazo, mas desinflacionistas no médio prazo devido às implicações negativas no crescimento”. No entanto, alerta que esta posição não tem em conta o ponto de partida atual da inflação – que se tem situado acima da meta dos bancos centrais – ou o comportamento das expectativas de inflação.

As expectativas de inflação são agora tão importantes como as leituras de inflação. Isto traduz-se em taxas de inflação iniciais mais elevadas“, refere.

As taxas alfandegárias são inflacionistas no curto prazo, mas desinflacionistas no médio prazo devido às implicações negativas no crescimento.

Michael Medeiros, analista da Wellington Management

Os economistas estão convictos de que a inflação irá acelerar no curto prazo nos Estados Unidos, mas não só. Como o ECO explica aqui, um estudo do Peterson Institute for International Economics prevê que um agravamento das tarifas resulte também numa aceleração da inflação para todos os países envolvidos. No caso dos EUA – e considerando as taxas aplicadas à China, Canadá e México – acrescenta 0,54 pontos percentuais ao cenário base para este ano, com o impacto a diluir-se nos anos seguintes. No caso do México, a inflação seria 2,27 pontos mais elevada e no Canadá 1,68 pontos mais elevada.

Já o Abn-Amro prevê que a inflação subjacente norte-americana irá subir entre 0,6 pontos e 0,7 pontos nos próximos meses. “Uma parte significativa do impacto da inflação global seria evitável, uma vez que as importações de energia, que representam mais de 30% das importações do Canadá, estariam “apenas” sujeitas a uma tarifa de 10%”, apontam os analistas do banco numa nota de research. No entanto, recordam que as importações de petróleo bruto do Canadá representam 60% do total das importações de petróleo dos EUA, levando provavelmente a aumentos impopulares nos preços da gasolina.

No curto prazo, as tarifas podem aumentar ligeiramente o consumo à medida que os consumidores aceleram as compras para evitar pagar os preços mais altos no futuro. No entanto, os economistas do ING alertam que a redução dos rendimentos familiares, especialmente das famílias com rendimentos mais baixos, tornar-se-á visível nos próximos meses.

“Embora os aumentos de preços de alimentos perecíveis, como pepinos, alface ou carne, possam ser sentidos quase imediatamente, o impacto sobre os bens duradouros pode ser desfasado“, advertem.

Como exemplo apontam o que ocorreu em 2018, quando foram necessários cerca de três meses para que os preços das máquinas de lavar roupa subissem, à medida que os retalhistas esgotavam os seus stocks pré-tarifários. Posteriormente, os preços ao consumidor dos equipamentos de lavandaria aumentaram 12%, deixando os consumidores a suportar o peso dos aumentos tarifários.

“Além disso, os fabricantes nacionais aumentaram os seus preços, tendo um impacto ainda maior para os consumidores, até que os ajustes na cadeia de abastecimento e o aumento da concorrência acabaram por baixar novamente os preços”, explicam.

Filipe Garcia, economista e presidente do IMF – Informação de Mercados Financeiros, acredita que o impacto das tarifas à China será limitado na inflação dos EUA, tendo em conta a tipologia de bens. Em declarações ao ECO, assinala contudo que o México, Canadá, China e Zona Euro representam 60% das importações dos EUA, pelo que aí o impacto na inflação e na quantidade de bens será mais evidente. “Itens como produtos petrolíferos, farmacêuticos, alimentos frescos e veículos poderiam ter impacto na inflação sobretudo se estivermos a falar de tarifas de 25%“, aponta.

O economista destaca que pode haver impacto na inflação da Zona Euro, mas “mais pela via da valorização do dólar – o peso da China nas importações da Zona Euro é de 20,8% e é uma economia muito dolarizada -, do que propriamente pelo encarecimento das exportações dos EUA, assumindo que estamos a falar de tarifas de 10%”.

Para George Brown e David Rees, economistas na Schroders, as previsões para o crescimento e a inflação evoluem na direção “estagflacionária”. Num comentário enviado aos mercados, assinalam que é esperado um enfraquecimento das perspetivas de crescimento dos EUA acompanhado por uma inflação mais elevada e um resultado de crescimento/inflação mais baixo para o resto do mundo.

Apesar de reconhecer que “um cenário de maior protecionismo a nível global é inflacionista, no sentido em que maior fricção comercial internacional implica preços mais altos dos bens, mas também menos quantidade transacionada”, Filipe Garcia acredita que o impacto será mais ao nível da quantidade transacionada do que do preço. “Ou seja, o crescimento arrisca ser mais afetado do que a inflação“, refere o economista em declarações ao ECO.

Bancos centrais vão esperar para ver?

A Euribor desceu na terça-feira a três, a seis e a 12 meses, nos dois prazos mais curtos para novos mínimos desde fevereiro de 2023 e dezembro de 2022, e nos dois prazos mais longos para níveis abaixo de 2,5%, na ressaca dos avanços e recuos de Donald Trump. De acordo com uma nota de research do banco UBS, os desenvolvimentos da política comercial norte-americana “não fizeram mais do que aumentar o risco de que o Banco Central Europeu (BCE) tenha de reduzir ainda mais as taxas de juros para apoiar a economia”.

Filipe Garcia destaca que o protecionismo tem impactos de alta de inflação no curto prazo, mas de moderação da procura a médio prazo. Neste sentido, acredita que para já não terá impacto na ação do BCE. “No caso do BCE, a trajetória de queda dos juros é clara e comunicada e parece-me que as tarifas não deverão inverter esse caminho. Quando muito, poderá haver uma desaceleração do ritmo de cortes“, prevê.

O economista defende que, sendo as tarifas uma ameaça ao crescimento e estando a Zona Euro já numa situação delicada, não deverá haver “condições para o BCE alterar o rumo da política monetária“.

No caso do BCE, a trajetória de queda dos juros é clara e comunicada e parece-me que as tarifas não deverão inverter esse caminho. Quando muito, poderá haver uma desaceleração do ritmo de cortes.

Filipe Garcia, presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros

Já no caso da Reserva Federal norte-americana (Fed), a instituição estará em modo “esperar para ver”, o que para o economista é “muito correto”. “Os efeitos na inflação dependerão da dimensão e espectro das tarifas, mas há outros fatores como por exemplo as dinâmicas migratórias. A eventual escassez de mão de obra nos EUA poderá ser mais inflacionista do que as tarifas”, adverte Filipe Garcia.

Por seu lado, os economistas da Oxford Economics consideram que a Fed “terá receio de continuar o ciclo de flexibilização”, prevendo que mantenha as taxas por mais tempo do que o previsto para avaliar o impacto que têm em ambos os lados do seu duplo mandato.

A resposta da Fed às tarifas não é simples, mas não acreditamos que uma política monetária mais restritiva esteja nos planos, uma vez que aumentaria o peso das tarifas sobre a economia. Se o impacto sobre a inflação fosse transitório, então o custo para a economia seria demasiado elevado”, argumentam.

Já Michael Medeiros, estratega macroeconómico da Wellington Management, prevê que a Fed estará mais focada na protecção contra uma inflação mais elevada a curto prazo. “Uma política prudente da Fed seria manter as taxas estáveis, mas se as expectativas de inflação aumentarem significativamente nos próximos meses, não pode ser descartada uma subida das taxas de juro“, aponta.

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Fábricas nos EUA e aposta no Médio Oriente são soluções para aumento de tarifas

Empresas ainda esperam que negociação trave aumento das taxas aduaneiras prometido por Trump. Caso avancem, abertura de fábricas nos EUA e aposta em novos mercados são alternativas.

O Presidente dos EUA já afirmou que irá aumentar as taxas aduaneiras às importações da União Europeia, mas as empresas portuguesas ainda estão na expetativa sobre o que Trump irá, em concreto, decidir. Se as tarifas vierem, há três opções: diálogo com a União Europeia (UE) para que o aumento de taxas não avance, abrir fábricas nos EUA ou procurar mercados alternativos. As metalúrgicas já começam a olhar para o Médio Oriente.

O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, considera que o que sucedeu com o México e o Canadá esta semana, com o adiamento da aplicação das tarifas decretadas no sábado, mostra que “o diálogo negocial entre as partes é muito importante”. “É também essa estratégia de diálogo com os EUA que a Europa terá de fazer. Os diagnósticos sobre a competitividade da Europa, agora ainda mais ameaçada, já estão todos feitos e bem feitos. A Europa tem de passar à ação e muito rapidamente. A postura dos EUA pode ser uma importante alavanca para a UE passar, de imediato, à ação”, refere o responsável da AEP ao ECO.

A associação reconhece que os EUA são relevantes para Portugal, pois representam 7% das exportações nacionais de bens (2023), são o quarto maior cliente e o primeiro fora da União Europeia. Logo, a economia será penalizada. É por essa razão que a associação tem — e continuará a estar ativa no apoio à diversificação de mercados, sobretudo através do seu Programa Business On the Way, exemplifica o presidente.

O grupo nortenho do têxtil TMG, ao qual pertence a segunda maior fornecedora de materiais de interior para automóveis na Europa (TMG Automotive), está neste momento a construir uma fábrica nos EUA. O investimento – através de uma joint-venture com a The Haartz Corporation – está nos planos da empresa desde 2024, mas agora parece fazer mais sentido do que nunca.

A empresária Isabel Furtado, acionista e CEO da TMG Automotive, está na expectativa para perceber o que irá efetivamente acontecer às tarifas, mas garante que tem um plano B. “Vamos ver o que acontece. Ainda é muito cedo e tudo especulativo. Andamos no setor automóvel há 50 anos. Temos sempre uma forma de pensar e de estar diferente, com planos de contingência. Em tudo o que a TMG faz, pensa sempre num plano B”, responde, quando questionada sobre o mercado para onde exporta perto de 10% da produção que sai das duas unidades fabris portuguesas, em Guimarães e Famalicão.

Temos sempre uma forma de pensar e de estar diferente, com planos de contingência. Em tudo o que a TMG faz, pensa sempre num plano B.

Isabel Furtado

CEO da TMT Automotive

“Temos de estar sempre preparados, porque cada vez teremos mais incertezas, alterações mais profundas e frequentes. A única certeza que lhe posso dar é a incerteza. Seja qual for o setor, tem de se estar preparado para mudanças previstas ou imprevistas, como vimos com a guerra na Ucrânia ou a Covid-19″, recorda Isabel Furtado.

Para o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, é complicado criar planos de contingência numa indústria que tem ciclos de produção de vários meses. A solução encontrada já há alguns anos foi explorar outros mercados, como o Japão e a Coreia do Sul. O problema é que, entre os dez principais mercados para as exportações têxtil portuguesas em 2024, o norte-americano foi o único que registou um crescimento. As matérias de calçado e têxtil foram o oitavo produto mais vendido para os EUA até novembro, no valor de 134 milhões de euros.

Se estou preocupado? Estou, porque quando alguém começa a brincar com fogo, a probabilidade de correr mal é grande.

Mário Jorge Machado

Presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e Euratex

“Tem relevo, ainda que não represente 20 ou 25%. Nas guerras tarifárias – e aí tenho de concordar com os chineses – todos saem a perder, porque são prejudiciais para o bom funcionamento da economia e, no final, para os consumidores. Se estou preocupado? Estou, porque quando alguém começa a brincar com fogo, a probabilidade de correr mal é grande”, diz Mário Jorge Machado, que também preside a Euratex – Confederação da Indústria Têxtil e Vestuário Europeia. Ainda assim, considera que Donald Trump só quer “agitar as águas”. “Na maior parte destas situações existe alguma encenação, como com o México ou o Canadá. O livro de práticas de negociação que ele leu, para obter concessões noutras coisas, já todos lemos“, refere ao ECO, a partir da feira Milano Unica, em Itália.

Já as empresas da metalurgia têm duas opções: seguir o exemplo da Metalogalva (Trofa) e inaugurar uma fábrica nos EUA ou procurar alternativas que não navegam no Oceano Atlântico, mas no Índico. “Aquelas que têm mais condições até poderão acelerar os processos de internacionalização e de abertura de fábricas nos Estados Unidos. Quem não tem, a maioria, confronta-se com a necessidade de encontrar mercados alternativos, como o Médio Oriente, a Arábia Saudita e outros países do Golfo Pérsico”, prevê o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira.

O caso da Metalogalva é particular, porque fatura mais de 75 milhões de euros. Aliás, a previsão para 2024 fixava-se nos 80 milhões de euros. Segundo Rafael Campos Pereira, quem tem capacidade financeira ter produção nos EUA é “um grupo muito limitado, apesar de nos Estados Unidos ser mais rápido abrir fábricas do que na Europa”.

“Lá não existe burocracia, mas apoio ao empreendedorismo e à criação de riqueza. Aqui há mais hostilidade aos investimentos. A UE pode agilizar os processos, reduzir os constrangimentos e os custos de contexto e apostar em tecnologia”, sugere o vice-presidente da AIMMAP.

Alertando que a escassez de mão-de-obra qualificada e o “inferno burocrático” são os maiores entraves da indústria, Rafael Campos Pereira considera que “os EUA, para o mal ou para o bem, continuam a acelerar, enquanto nós continuamos a regular, como isentar os nossos concorrentes do exterior da Europa e taxar as matérias-primas de que as nossas empresas precisam, nomeadamente o alumínio”.

O produtor vinícola João Portugal Ramos, CEO do grupo com o mesmo nome, exporta cerca de 5% dos seus vinhos para os Estados Unidos. Ao ECO, admite que ainda não tem um plano de contingência, mas teme as consequências. “Temos de ver o impacto que isto causa em termos percentuais e depois trocar impressões com os nossos importadores e, eventualmente, encontrar o melhor caminho possível dentro de um quadro que se afigura nada favorável. O que se pode fazer?”, afirmou o enólogo da empresa responsável por vinhos como Marquês de Borba, Conde Vimioso e Pouca Roupa.

Agroalimentar acredita no “bom senso” negocial

A Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) está na expectativa, contudo acredita que o “bom senso nas relações comerciais entre a UE e os EUA irá prevalecer”, como sinalizou ao ECO. Em 2023, a indústria alimentar e das bebidas exportou para os EUA 711 milhões de euros, o que representou cerca de 9% do total das exportações.

O setor português do calçado confessou estar “apreensivo” com a potencial imposição de tarifas pelos EUA, embora garanta que não planeia “deixar cair” um mercado estratégico para onde quase duplicou as exportações em cinco anos, como adiantou o diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) à agência Lusa.

Contactadas pelo ECO, outras associações profissionais e empresas do setor agroalimentar e químico / farmacêutico, nas quais os EUA figuram entre os maiores destinos de exportação, recusaram comentar “especulações” de mercado, remetendo declarações para o momento em que houver uma ordem executiva concreta relacionada com a UE.

Esta semana arrancou com fortes desvalorizações bolsistas devido à guerra comercial. O presidente da maior economia do mundo anunciou a 1 de fevereiro a implementação de tarifas de 25% sobre os bens importados do Canadá e do México e de 10% da China, o que abalou os mercados financeiros. Porém, Donald Trump acabou por chegar a acordo tanto com o México como com o Canadá e atrasar por um mês a imposição de taxas aduaneiras adicionais sobre as importações norte-americanas desses países. O mesmo não ocorreu com a China, uma vez que as tarifas (10%) se tornaram efetivas e tiveram direito a retaliação de Pequim.

A China aplicou taxas de 15% sobre o carvão e o Gás Natural Liquefeito (GNL) e de 10% sobre o petróleo e o equipamento agrícola dos Estados Unidos e foi mais além: abriu uma investigação à Google por alegadas práticas anticoncorrenciais.

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Morreu Aga Khan, líder dos muçulmanos xiitas ismailis

  • Lusa
  • 4 Fevereiro 2025

Morreu em Lisboa Aga Khan, 88 anos e fundador e presidente da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), e líder dos muçulmanos xiitas ismailis, confirmou à Lusa fonte oficial do imamat ismaili.

Aga Khan, líder dos muçulmanos ismaelitas, viveu uma longa vida de homem discreto, mas foi como príncipe e imam que se destacou, deixando uma das maiores agências de desenvolvimento do mundo que apoia dezenas de milhões de pessoas,. Aga Khan morreu esta terça-feira aos 88 anos, em Lisboa.

Shah Karim al Hussaini, príncipe Aga Khan, 49.º Imam hereditário dos muçulmanos ismaelitas, nasceu na Suíça, cresceu e estudou no Quénia e nos Estados Unidos, e tem ligações ao Canadá, Irão e França, e nos últimos anos também a Portugal, com a escolha de Lisboa para sede mundial da comunidade ismaelita, “Imamat Ismaili”, tornando-a uma referência para os cerca de 15 milhões de muçulmanos da minoria xiita.

Discreto, tido como uma das pessoas mais ricas do mundo, Aga Khan IV nasceu a 13 de dezembro de 1936 na Suíça, filho do príncipe Aly Khan e da princesa Tajuddawlah Aly Khan. Cresceu no Quénia, frequentou a Le Rosey School, na Suíça, durante nove anos, e licenciou-se depois em Harvard, nos Estados Unidos.

Era aí que estava, no primeiro ano de faculdade, quando o avô, doente, o convocou. Disse apenas “vem ver-me”, recordou numa entrevista há cerca de uma década à revista Vanity Fair.

Karim só voltaria a Harvard ano e meio depois, mas já como o Imam hereditário (líder espiritual) dos muçulmanos xiitas ismailis, tornado Aga Khan IV, por vontade do avô, que na sua morte, em testamento, justificou a escolha do neto como seu sucessor com os novos tempos que um jovem entenderia melhor.

O salto de uma geração na liderança da comunidade nunca tinha acontecido. O sucessor natural seria Aly, que se tinha divorciado da mãe de Karim para se casar com a atriz norte-americana Rita Hayworth, de quem entretanto também já se divorciara.

Em 1957, com 20 anos e com responsabilidades para com 15 milhões de pessoas, Karim tornava-se Aga Khan IV mas também “Sua Alteza”, um título que a rainha Isabel II, de Inglaterra, lhe concedera entretanto. Mas também, dois anos depois, em 1959, o de “Sua Alteza Real”, concedido pelo Xá do Irão. O título de Aga Khan fora concedido pela primeira vez a Aga Hassanaly Shah, o 46.º Imam Ismaili, pelo Xá da Pérsia, na década de 1830.

Para os muçulmanos ismaelitas Aga Khan é descendente direto do profeta Maomé e como novo líder o jovem Karim passou meses a viajar para conhecer as comunidades espalhadas pelo mundo e voltando depois a Harvard para se formar em História Islâmica dois anos depois, em 1959.

Definiu-se como um “otimista mas cauteloso”, alguém que não sendo um homem de negócios aprendeu a sê-lo, que acreditou que a pobreza existe, mas não é inevitável. E nas palavras de amigos foi alguém que nunca bebeu nem fumou e que dedicou muito do seu tempo ao trabalho e a visitas à comunidade.

Duas vezes casado, teve quatro filhos (um deles deve ser o seu sucessor mas não Zahara, a única filha, porque mulher Imam “absolutamente não”), foi um apaixonado por esqui mas também por cavalos, e criou um império que vai da banca à hotelaria, que financia projetos de desenvolvimento social, incluindo em Portugal, onde existe desde 1983 a Fundação Aga Khan.

Acredito que, enquanto uma instituição muçulmana no Ocidente, posso ser mais eficaz se não estiver constantemente nas primeiras páginas. Não há razão para eu aparecer nas notícias. Quando existem problemas, tento resolvê-los discretamente. Nem sempre consigo, mas de um modo geral, a discrição tem-me sido útil.

Aga Khan

Numa entrevista ao jornal Público, em 2008, admitiu ter muito dinheiro embora não comparável com a fortuna de Bill Gates, e frisou que não era nem nunca seria um empresário.

E também não foi um líder mediático. “Somos uma comunidade discreta, é uma das nossas tradições”, disse na entrevista ao Público. A comprová-lo, desde 2018, quando terminou em Lisboa as comemorações dos 60 anos como líder da comunidade ismaelita, poucas são as notícias centradas nele. A sua própria biografia oficial foca-se mais na obra e menos no homem.

Contudo, proliferaram as notícias relacionadas com a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), em Portugal ou no estrangeiro, fosse na área da cultura, da moda e dos festivais, da educação, com apoio a universidades, do ambiente, a ajudar a preservação de sítios, da área social, da sustentabilidade ou da saúde.

Em 2019 ofereceu um robô cirúrgico a um hospital de Lisboa, a partir de 2020 apoiou em várias frentes a luta contra a covid-19. E enquanto comprava dois palácios, em Lisboa, para concentrar a sede mundial do “Imamat Ismaili”, apoiava imigrantes, projetos culturais, de saúde, a luta contra a desnutrição infantil, e de inclusão social.

Em março de 2023 um ataque ao Centro Ismaili em Lisboa também trouxe para a ribalta a comunidade, constituída em Portugal por mais de 8.000 pessoas, mas o príncipe manteve-se discreto.

Três meses depois assinalaria na capital portuguesa os 66 anos da sua liderança, falando da prioridade da AKDN: a proteção e melhoria das condições de vida dos mais pobres, fracos, vulneráveis.

Aga Khan criou também a Fundação Aga Khan em 1967, para acabar com a fome, a pobreza, a iliteracia e a doença em algumas regiões mais pobres do mundo. Foi a origem de uma das maiores redes privadas para o desenvolvimento do mundo, empregando 80.000 pessoas.

Um dos países apoiados é Portugal. Em março deste ano a Câmara de Castelo Branco entregou ao príncipe a medalha de ouro da cidade. Mas a homenagem foi só a mais recente, de uma lista que começou em 1960, quando foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Aga Khan recebeu dezenas de condecorações em dezenas de países. Em Portugal, em 1998 recebeu a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, em 2005 a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e em 2017 a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

Foi doutorado honoris causa em mais de duas dezenas de universidades de todo o mundo, incluindo a Universidade de Évora, 2006, e Nova de Lisboa, em 2017. E recebeu as chaves da cidade de Lisboa (1996) e do Porto (2019), e a distinção de Correspondente Estrangeiro da Academia das Ciências de Lisboa (2009), o Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa (2014). Em 2019 Portugal atribuiu-lhe a nacionalidade portuguesa.

Numa entrevista ao jornalista e historiador francês Henri Weil, em 2019, disse que não se considerava nem chefe de Estado nem príncipe mas sim um Imam de uma comunidade muçulmana xiita que existe há séculos. E um bom homem, porque esse é o papel de um Imam.

Em 1957, com 20 anos e com responsabilidades para com 15 milhões de pessoas, Karim tornava-se Aga Khan IV mas também “Sua Alteza”, um título que a rainha Isabel II, de Inglaterra, lhe concedera entretanto. Mas também, dois anos depois, em 1959, o de “Sua Alteza Real”, concedido pelo Xá do Irão. O título de Aga Khan fora concedido pela primeira vez a Aga Hassanaly Shah, o 46.º Imam Ismaili, pelo Xá da Pérsia, na década de 1830.

Educado, sorridente, simpático, mas discreto. “Acredito que, enquanto uma instituição muçulmana no Ocidente, posso ser mais eficaz se não estiver constantemente nas primeiras páginas. Não há razão para eu aparecer nas notícias. Quando existem problemas, tento resolvê-los discretamente. Nem sempre consigo, mas de um modo geral, a discrição tem-me sido útil”.

Na entrevista à Vanity Fair, em Aiglemont, uma propriedade perto de Chantilly (França), que foi o sítio onde passou mais tempo, Aga Khan falou da sua paixão pelos cavalos, aos quais se dedicou após a morte do pai, ainda que nada soubesse deles até então. “Harvard é uma grande instituição, mas não ensina sobre a criação de cavalos puro-sangue”.

De outras paixões, da sua vida pessoal, sempre foi parco em palavras. Casou em 1969 com Sally Crichton-Stuart com quem teve três filhos, Zahra, Rahim, e Hussain. Em 1995, três anos após se divorciar, casou com Gabriele zu Leiningen, com teve mais um filho, Aly, em 2000, mas acabou por se divorciar alguns anos depois.

Mas nunca foi, ao contrário do seu pai, uma pessoa social. “As festas não são o seu forte”, disse um amigo, citado na revista. Consensualmente era referido por amigos como alguém de porte que inspirava confiança, que se impunha com graciosidade, que educadamente fazia sempre prevalecer a sua vontade.

“Karim tem muito charme, mas por baixo é feito de aço. Ele faz exatamente o que quer, quando quer”, dizia um amigo citado na revista. Que numa frase poderá ter resumido assim a vida de Aga Khan IV: “De facto, poucas pessoas ultrapassam tantas divisões – entre o espiritual e o material; o Oriente e o Ocidente; o muçulmano e o cristão – tão graciosamente como ele”.

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Trump aprova retirada dos EUA de vários organismos da ONU. E critica gestão de Guterres

  • Lusa
  • 4 Fevereiro 2025

A ordem executiva de Donald Trump retira os EUA de observador do Conselho de Direitos Humanos da ONU e suspende o apoio à agência da ONU para os refugiados palestinianos.

O Presidente norte-americano Donald Trump assinou esta terça-feira uma ordem executiva que retira os Estados Unidos de vários organismos da ONU e permite rever o financiamento de Washington à organização internacional sediada em Nova Iorque.

O decreto assinado pelo governante republicado retira os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, um órgão do qual não é um Estado-membro, mas apenas observador, visando proibir qualquer envolvimento futuro de Washington no organismo, embora o mecanismo exato de retirada como Estado observador permaneça incerto.

O texto alarga ainda a suspensão de todo o financiamento norte-americano à agência da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA). Os Estados Unidos e vários outros países suspenderam as suas contribuições financeiras para esta agência após acusações de Israel, em janeiro de 2024, de que alguns funcionários da organização tinham participado nos ataques do Hamas, em 07 de outubro de 2023, a território israelita.

A assinatura acontece no mesmo dia em que Trump deverá reunir-se no Sala Oval com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que há muito critica a UNRWA e acusou o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas de ser tendencioso contra Israel. “Sempre senti que a ONU tem um potencial tremendo, mas não está a corresponder agora. Tem sido ineficaz há muito tempo. Há uma grande esperança para ela, mas para ser honesto, não está a ser bem gerida”, frisou Trump, em declarações aos jornalistas.

Após estas declarações, o republicando assinou as ordens executivas com o seu famoso marcador preto, dizendo que tanto a UNRWA como o Conselho de Direitos Humanos da ONU devem “pôr os seus assuntos em ordem”.

“Precisam de ser justos com os países que merecem justiça”, acrescentou, sem fazer referência direta às acusações de Israel. Num comunicado divulgado antes da assinatura, a Casa Branca destacou que o Conselho de Direitos Humanos da ONU “demonstrou um preconceito consistente contra Israel” e permitiu que países como o Irão, a China e Cuba o utilizassem para se protegerem, apesar dos seus graves problemas de direitos humanos.

Na ordem executiva a administração Trump alega que “várias agências da ONU demonstraram um profundo preconceito antiamericano” e, por conseguinte, ordena a saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, bem como o congelamento de fundos para a UNRWA, que presta apoio a mais de cinco milhões de refugiados palestinianos.

O documento exige ainda que o secretário de Estado analise e elabore um relatório sobre quais as organizações, convenções ou tratados internacionais que promovem “sentimentos radicais ou antiamericanos”, mencionando especificamente a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como uma das instituições que exigem uma “revisão acelerada”.

Durante o seu primeiro mandato (2017-2021), Trump já tinha retirado os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o principal fórum interestatal de debate sobre direitos humanos dentro das Nações Unidas. Washington voltou a integrar o organismo logo após Joe Biden ter assumido o cargo, em janeiro de 2021.

Trump suspendeu também no seu primeiro mandato o financiamento à UNRWA, exigindo que os palestinianos retomassem as negociações de paz com Israel. Quando regressou à Casa Branca, em 20 de janeiro, Donald Trump assinou uma ordem executiva para retirar os Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma organização que tinha criticado duramente pela sua gestão da pandemia de covid-19.

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Mundial 2030. Federação espanhola estima custo de 540 milhões na renovação de 11 estádios

  • Lusa
  • 4 Fevereiro 2025

Por cada euro investido em infraestruturas desportivas, será gerado um retorno de cerca de 8,5 euros em bem-estar, acredita ainda a representante da Real Federação Espanhola de Futebol.

As diferentes entidades espanholas envolvidas na organização do Mundial 2030, em conjunto com Portugal e Marrocos, vão investir 540 milhões de euros na renovação dos 11 estádios que vão receber jogos no país, anunciou esta terça-feira a federação local.

O Mundial não é só sobre estádios. É sobre estádios, campos de base, centros de treino e alojamentos. Esperamos que os vários atores envolvidos invistam 540 milhões para renovar os 11 estádios”, anunciou Maria Tato, representante da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) no comité executivo do Mundial2030.

A responsável discursava no primeiro Congresso Mundial do Desporto, realizado na terça-feira no Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha (INEFC), em Espanha, realçando que o país já tem 60% dos estádios que vão receber jogos do Campeonato do Mundo prontos. “A cinco anos do Mundial, temos 60% dos estádios em oferta totalmente operacionais e com capacidade para receber jogos do Mundial”, assinalou Maria Tato.

No total, foram estrategicamente selecionados 11 locais e 45 sublocais que devem ser renovados para garantir as condições ideais dos campos de treino, além de oferecerem instalações para os meios de comunicação social e para as equipas. Além disso, a infraestrutura hoteleira e de alojamento para as comitivas oficiais será reforçada.

Os 11 estádios estão distribuídos por nove cidades-sede (Madrid, Barcelona, Sevilha, Málaga, Bilbau, San Sebastián, Corunha, Las Palmas e Saragoça) e foram escolhidos numa avaliação que teve em conta aspetos como o projeto técnico, a operação, o financiamento, a estrutura e a sustentabilidade.

“Um dos valores que a FIFA mais prezou é a sustentabilidade do próprio estádio”, vincou Maria Tato. O montante avançado em Espanha é muito superior ao investimento diretamente atribuível à prova, em estádios e centros de treino, que deverá ascender a 10 milhões, segundo os cálculos revelados em dezembro último pela consultora PwC.

Por cada euro investido em infraestruturas desportivas, será gerado um retorno de cerca de 8,5 euros em bem-estar, refletindo o impacto transformador do evento na coesão social, no orgulho nacional e na perceção de Portugal como um país unido e hospitaleiro”, realçou na altura a empresa.

Miguel Cardoso Pinto, partner da consultora EY, tinha já destacado em entrevista à Lusa, também em dezembro de 2024, sobre o impacto económico da participação de Portugal na organização do Mundial2030, que o investimento de Espanha e Marrocos seria substancialmente superior ao luso.

São dimensões e realidades completamente díspares. Até dado o timing, neste caso, os nossos companheiros nesta campanha, quer Espanha, quer Marrocos, mas Espanha sobretudo – apesar de ter grandes estádios – apanhou uma fase em que alguns estádios realmente estavam a necessitar de grandes intervenções e as mesmas estão em curso. Quer no Barnabéu, onde houve um grande investimento, quer em Camp Nou, que também necessitou de um grande investimento. Ou seja, nesse aspeto, Espanha vai gastar mais, mas também estava mais atrasada do que Portugal nesse campo”, sublinhou Miguel Cardoso Pinto.

A organização do Mundial2030 em Portugal, Espanha e Marrocos foi ratificada em 11 de dezembro de 2024 no Congresso da FIFA, numa competição que também passará pela América do Sul, nomeadamente por Argentina, Paraguai e Uruguai, que irão acolher três partidas da fase final, como forma de celebrar o centenário da competição, cuja primeira edição decorreu no Uruguai, em 1930.

Portugal, que recebeu o Euro2004, vai organizar pela primeira vez o Campeonato do Mundo, tal como Marrocos, que repete em 2025 o estatuto de anfitrião da Taça das Nações Africanas (CAN) estreado em 1988, enquanto a Espanha já albergou o Euro1964 e o Mundial1982. Os três estádios portugueses que vão acolher jogos do Mundial2030 serão o Estádio da Luz, o Estádio José Alvalade, ambos em Lisboa, e o Estádio do Dragão, no Porto.

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