Braço de capital de risco da EDP teve um ano de recordes em 2019: 6,3 milhões de investimento e o primeiro exit a 100%, com a venda da Presenso.
2019 foi ano de novidades na casa do braço de capital de risco da EDP. A área de inovação e startups da elétrica nacional investiu mais do que nunca, desde a sua criação — 6,3 milhões de euros num total de 16 operações em Portugal, Brasil, Espanha, Holanda e Israel — e o primeiro exit a 100%, depois da venda da Presenso, startup israelita que desenvolveu uma solução de machine learning para a manutenção preditiva de ativos.
Em entrevista ao ECO, Luís Manuel, administrador da EDP Inovação, faz o balanço do ano que passou, desenha um retrato das apostas da energética e sublinha o potencial das grandes empresas e do papel que podem ter na promoção e aceleração do ecossistema empreendedor.
2019 foi o ano que marcou o maior investimento de sempre da EDP Ventures. Que balanço faz dos últimos 12 meses?
Foi um bom ano, nunca tínhamos investido um valor financeiro tão alto, fizemos o mesmo número de operações de 2018 mas o valor global foi superior, ficámos em torno dos 6,3 milhões de investimento em 16 operações. Destacava primeiro o facto de começarmos a diversificar bastante o nosso espaço de atuação: lançámos um veículo de investimento no Brasil — a decisão tinha sido tomada em 2018 mas os primeiros investimentos aconteceram em 2019. Para além disso, implementámos a criação de um veículo de investimento para Espanha: já existe, já foi lançado e já tem três acordos de coinvestimento assinados, um com uma entidade do Governo espanhol, o CEDETi, entidade de apoio ao investimento, e outros dois em regiões onde a EDP tem uma presença forte — as Astúrias e o País Basco. São acordos de coinvestimento. Pensamos que todos terão uma atividade marcante que estamos a sentir este ano, em 2020.
Brasil e Espanha: porquê investir nestes mercados?
Por um conjunto de razões: primeiro porque são ecossistemas muito interessantes, em forte expansão e crescimento, e com um número elevado de casos de sucesso na área do empreendedorismo. Segundo, porque são zonas onde a EDP tem muita presença e, por isso, temos pessoas em campo, podemos aplicar o mesmo método de investimento que aplicamos em Portugal, ou seja, sempre com os nossos negócios e as nossas pessoas muito próximos das empresas em que investimos, que é o grande objetivo: acreditamos que com uma presença local e com um veículo local, isso sai reforçado. Por outro lado, em Espanha, esta oportunidade de aceder a fundos de coinvestimento de entidades públicas também é um atrativo importante para nós porque permite-nos reduzir o esforço do investimento, diminuindo também o risco.
Em Espanha, esta oportunidade de aceder a fundos de coinvestimento de entidades públicas também é um atrativo importante para nós porque permite-nos reduzir o esforço do investimento, diminuindo também o risco.
Se 2019 foi um ano de muitas novidades, quais as expectativas para 2020?
Temos uma previsão de investimento semelhante ao que fizemos em 2019 — a verdade é que os números de investimento, ano a ano, são sempre muito difíceis de prever: é uma atividade que depende muito das oportunidades que aparecem, ainda que às vezes há operações que derrapem de um ano para o outro — isso aconteceu-nos em 2019. Agora, quando se faz um apanhado geral, investimos ao longo dos últimos dez anos cerca de 37 milhões de euros. Atingimos em 2019 cerca de 50% de todos os fundos que temos. A nossa expectativa é que o façamos ao longo dos próximos três, quatro anos.
Acreditamos que 2020 será um ano importante, que o investimento será um pouco superior ao ano anterior. Mas o que é mais importante para nós é a tendência, a atividade e a aposta que estamos a fazer neste tipo de iniciativas. Estarmos próximos destas empresas tecnológicas, empresas que têm algo a ver com o nosso negócio e que estão a trabalhar diretamente naquilo que é core do negócio elétrico, ou têm alguma ferramenta ou tecnologia que querem verticalizar para este setor. E fazemos isto também porque, no limite, nos permite transformar a EDP numa empresa melhor, mais competitiva e com uma capacidade de servir ainda melhor os clientes.
Estamos a falar de investimentos sobretudo em fase de seed e pre-Series A. Querem continuar a investir nestas fases?
O heat spot é entre o pre-Series A e o Series A. Fazemos também algum seed. Dois milhões encaixa perfeitamente numa Series A, porque normalmente não gostamos de ser o único a investir. Achamos que há todo o interesse em ter outros investidores: trazem diferentes valências, visões sobre o negócio, e isso é positivo. Admitimos fazer Series B, aliás, já participámos em algumas, mas achamos que quando as empresas já estão nessa fase, já não somos nós o investidor natural. Ou somos nós o dono natural, e isso pode acontecer mas não será tanto um negócio EDP Ventures, mas um negócio da EDP. Vemo-nos muito nesta fase, até ao Series A, como sendo onde podemos ajudar mais e fazer a diferença.
Como olha para o ecossistema nacional atual e o que lhe parece que vai acontecer nos próximos anos?
O ecossistema nacional está a desenvolver-se de uma forma bastante rápida, está muito melhor do que há dez anos — quando começámos a investir — em que quase não existia. Havia pouca gente a fazer capital de risco em Portugal. E isso deve-se também ao velho problema das nomenclaturas: designar “capital de risco”, em Portugal, os veículos legais que tanto fazem venture capital como private equity. Há dez anos praticamente não existia venture capital em Portugal, hoje ainda há pouco e devia haver muito mais.
Do lado privado ou também do público?
Penso que é necessário sobretudo um impulso do lado privado. É necessária a existência de mais, e consolidar uma realidade que neste momento está muito melhor do que estava. Estamos a dar os passos certos — há agora muitos mais fundos do que antes e gente que realmente sabe o que é investimento venture stage e não como tínhamos no passado, em que eram aplicadas métricas de private equity, o que tem um reflexo negativo nas empresas e no ecossistema.
Hoje vemos muita gente a aparecer e também muitos fundos externos a olhar para o mercado português, e precisamos disso. Também vemos mais oportunidades, mais empreendedores a lançarem as suas empresas, relocalização de empresas em Portugal, que é uma aposta interessante que devíamos fazer mais: todo o ecossistema, aí o lado estatal é importante, todo o ecossistema devia permitir essas mudanças. Mesmo que seja pela via da abertura de sucursais.
Vemos que há mais talento, mais apoio e as coisas estão a evoluir no caminho certo. Mas há ainda coisas por fazer: precisamos de consolidar este ecossistema emergente. E uma das coisas em que estamos menos bem é na presença de corporates neste meio: são poucos ainda, devia haver mais. A EDP não é o único mas é praticamente o único corporate ativo em venture capital em Portugal. E os corporate trazem uma coisa muito positiva: foco estratégico. Trazem uma capacidade muito grande de apoiarem as empresas — de serem o seu primeiro cliente, depois servirem como uma espécie de caso de uso que as startups podem usar na angariação de outros clientes — e trazem também foco estratégico porque têm a capacidade de acelerar o entendimento da startup sobre o setor em que quer movimentar-se. Acho que isto é o que vejo no setor hoje em dia: já houve muito menos, temos agora mais fundos, mais startups e mais gente a querer lançar-se em novos negócios. Quanto aos corporate, ainda vemos pouco.
Investimos ao longo dos últimos dez anos cerca de 37 milhões de euros. Atingimos cerca de 50% de todos os fundos que temos em 2019.
Isso é reflexo da maturidade dos empreendedores e do próprio ecossistema?
Há uma melhoria progressiva, tanto de quem olha para isto a partir da esfera pública como dos privados. A profissionalização, do lado dos investidores, nunca foi um problema. A quantidade é que era relativamente baixa. Havia dois fenómenos: a quantidade baixa dos verdadeiros investidores de venture capital, que depois tem reflexos nos pricings, nos termos dos negócios e, por outro lado, a presença de investidores que não eram verdadeiros investidores de venture capital, não tinham a dimensão para fazer vc, e isso também tem influência nos deals.
Está a normalizar: cresceu muito o número de investidores, o número de fundos dispostos a investir nas startups que estão cá e, por outro lado, esse crescimento vai contribuir para uma filtragem positiva de quem acede aos deals. Quem tem menos capacidade acaba por, naturalmente, não chegar lá. Isto não é propriamente Silicon Valley, está muito longe disso, mas hoje em dia os empreendedores que estão em Portugal e precisam de angariar fundos têm muito mais alternativas do que antes.
Por outro lado, aumenta o escrutínio?
Há mais escrutínio, mas aqui é positivo. Estamos talvez numa das áreas de atividade em que um “não” rápido pode ser extremamente útil. Uma pessoa que está a lançar um negócio — e obviamente o que nos entusiasma é uma ideia de que gostamos e que queremos apoiar mas, às vezes, vemos equipas de gestão fantásticas só que a ideia não nos inspira. E, admitindo que temos razão, e se o ecossistema for mais escrutinador, isso acontece mais rápido. Haver uma existência de qualidade superior só pode ser positivo.
Isto não é propriamente Silicon Valley, está muito longe disso, mas hoje em dia os empreendedores que estão em Portugal e precisam de angariar fundos têm muito mais alternativas do que antes.
Além dos três mais recentes investimentos nas holandesas Energyworx (um milhão) e Net2Grid (750 mil euros) e na portuguesa Save2Compete (250 mil euros), tiveram um exit em 2019. Vender a Presenso era uma operação esperada?
Foi o primeiro exit completo, de uma empresa israelita chamada Presenso, e foi excelente de um ponto de vista financeiro. A startup trabalha na área do analytics, com particular foco nas séries temporais. É uma empresa que começou a trabalhar alguns temas com a EDP Produção, tipicamente manutenção preditiva de alguns elementos de centrais de geração térmicas. Fizeram um excelente trabalho, ficámos convencidos que eram uma equipa fortíssima, e o que se passou foi: uma multinacional sueca de uma área que tem muito pouco a ver com energia também já tinha algum trabalho com eles e quiseram integrar. Em menos de um ano, entrámos e saímos de uma empresa e com um excelente resultado financeiro. Foi mais rápido do que estávamos à espera. Absorvemos alguns benefícios estratégicos pelo trabalho que fizeram com a EDP Produção e, acima de tudo tivemos uma excelente mais-valia. Infelizmente não podemos divulgar o valor.
A Feedzai e a DefinedCrowd são participadas vossas. Quais são as expectativas para estas duas empresas, que poderão ser os dois próximos unicórnios portugueses?
São excelentes. Elas estão em fases um bocadinho diferentes. A DefinedCrowd é uma empresa um pouco mais recente do que a Feedzai. A DefinedCrowd está hoje onde a Feedzai estaria há um ano e meio, mas a crescer mais rápido. A Feedzai é uma empresa que, hoje em dia e sob qualquer métrica que queiramos comparar — vendas, pessoas, fundos levantados — tem todos os requisitos para ser um unicórnio e, só ainda não é porque, de facto, a última ronda não a valorizou ainda acima de mil milhões de dólares. Mas é uma empresa que apresenta hoje em dia todas as variáveis habituais de uma empresa deste tipo começando, claro, pela equipa de gestão que é excelente. Acreditamos que é uma questão de tempo.
A DefinedCrowd está hoje onde a Feedzai estaria há um ano e meio, mas a crescer mais rápido.
Será este ano?
Pode ser. A verdade é que a Feedzai está numa situação muito interessante em que não precisa de levantar capital, está num patamar excelente do ponto de vista de sustentabilidade financeira e as vendas estão a crescer muito rápido. Está numa confortável situação de poder decidir se e quando quer fazer uma nova ronda de capital, o que é um privilégio, neste meio.
Já a DefinedCrowd, diria que talvez seja uma empresa que está com um crescimento de vendas absolutamente impressionante, e tem tido imenso destaque. São pessoas diferentes e que mostram que não há um só caminho para o sucesso. São perfis muito diferentes, um muito mais cerebral, outro muito mais intuitivo, mas também com muitas coisas em comum: uma enorme determinação, vontade de fazer acontecer já, e são casos excelentes. Para nós é um privilégio ter duas empresas como estas no portefólio. Gosto de dizer que é uma sorte, mas também tivemos de fazer alguma coisa para ter essa sorte.
Como é que o braço de capital de risco da EDP tem mudado a maneira como a empresa funciona?
Temos uma visão integrada dos vários instrumentos de inovação: a Ventures tem um papel muito importante, mas Ventures funciona muito melhor se tivermos uma boa base de startup engagement e se tivermos uma excelente ligação com os negócios que, aqui na EDP, é assegurada pelas equipas de expertise técnica. E é isso que torna as coisas mais fáceis porque, se quero um diagnóstico de uma empresa — tanto da qualidade técnica como da real possibilidade de algum dia vir a fazer negócio com a EDP –, é relativamente fácil de fazer.
Temos este setup há mais de dez anos, tem funcionado relativamente bem. Quando me faz a pergunta de como é que isto tem funcionado, modificado ou beneficiado a EDP, gosto de responder não apenas pela Ventures mas pela equipa integrada. Tem sido um trabalho que tem dado quatro coisas à EDP: a primeira, uma enorme base de know how tanto nas pessoas da EDP Inovação como fora — participar em projetos de inovação, trabalhar com estas empresas e conhecer as pessoas permite-nos acumular uma enorme quantidade de know how sobre as tecnologias, sobre a forma como elas se inserem no nosso negócio e sobre as possibilidades que elas levantam para o futuro.
A segunda, sentimos que se foi criando, de uma forma muito progressiva em torno da EDP um ecossistema de empreendedores e de startups — também com muitas relações a universidades, algumas ligações a algumas tecnológicas — uma densidade de ecossistema que envolve outros players, e isso é extremamente positivo.
Em terceiro lugar, aquilo que designamos “opcionalidade”, e que está relacionado com colocar algumas fichas em projetos que têm alto risco mas que podem vir a traduzir-se em novos negócios futuros para a EDP — estes investimentos correspondem a valor opcional para a EDP, nalguns casos há empresas onde a nossa participação é claramente temporária mas pode haver casos em que as coisas se desenvolvam de uma forma que queiramos, em algum momento, tomar uma posição mais relevante nas empresas, isso é sempre uma possibilidade quando estamos a fazer corporate venture capital.
E, por último, há um elemento mais subtil e difícil de explicar: o que designamos um contributo da EDP Inovação e da EDP Ventures para uma mudança cultural dentro da EDP, e sentimos que isso está a acontecer. Sentimos as pessoas muito entusiasmadas por trabalhar com as startups em que a EDP investe ou pondera investir, sentimos as pessoas muito entusiasmadas por trabalharem com metodologias que acabaram por surgir da EDP Inovação — agile, design thinking — e vemos isso, cada vez mais, a ser utilizado quase que espontaneamente dentro do grupo EDP. Estas são as quatro coisas que consideramos serem as principais entregas enquanto unidade de inovação. Know how, ecossistema, criação de valor opcional e o contributo para a mudança da cultura.
O que esperam de 2020?
O que vemos que resulta em Silicon Valley e na China — começámos recentemente a olhar com mais atenção para o país — são grandes números com muita gente que sabe o que está a fazer ali, e algum foco nalgumas áreas concretas. Hoje, em Portugal, ainda não podemos dizer qual é o foco, não há um foco. E a EDP bate-se um bocadinho para que parte desse foco tenha a ver com o setor energético, porque acho que casa bem com o país que somos.
Vemos isso muito na China — muita densidade de grandes tecnológicas, muita densidade de apoios estatais — e também no ecossistema americano, que tem muita densidade de apoios estatais, com players como o Pentágono ou a Nasa. E acho que é isso que temos de conseguir fazer aqui: com o pouco que temos, tentar puxar para cá alguém grande. Estes esforços que se têm feito com coisas como a Singularity University, tentar com isso fixar aqui alguns polos de alguns corporate, mostrando que aqui há talento, um custo competitivo. É isso que nos falta: mais densidade. A crise acabou por ter um impacto positivo. Isto não vai ser Silicon Valley mas pode ser Israel, temos a mesma dimensão, não há nenhuma razão que nos impeça de chegar lá. Esperemos que seja.
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EDP Ventures: “Os corporate trazem foco estratégico” às startups
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